sexta-feira, 8 de abril de 2011

Pay As You Throw

Foi recentemente referida nos noticiários a implementação de uma Taxa de Resíduos Individual em Óbidos, a qual consiste num sistema de gestão de resíduos inovador, na medida em que tenta solucionar os problemas originados pela crescente produção de “lixo” que se tem verificado nas últimas décadas. Na actualidade, é claramente conhecido que os resíduos representam um problema ambiental da maior importância em quase todos os países da União Europeia (UE), dado o grande aumento da quantidade de resíduos produzida e a perda de recursos materiais e energéticos que representa.

A maior parte dos resíduos sólidos urbanos (RSU) é actualmente depositada em aterro ou incinerada, soluções que originam externalidades ambientais tais como a ocupação do território, poluição do ar através da libertação de substâncias nocivas, a poluição do solo e da água, sem ignorar o impacte resultante da emissão de gases responsáveis pelo efeito de estufa. Em Portugal, a quantidade de RSU tem crescido de forma significativa, sendo actualmente produzidos mais de 1,2 kg de resíduos por dia por cada habitante[1]. Este aumento é não só um resultado do grande poder de compra que ocorreu nos últimos vinte anos, mas revela também a ineficiência do nosso modelo de produção e consumo, mostrando-se muito pouco sustentáveis. A estratégia da UE em matéria de resíduos estabelece uma hierarquia preferencial das opções de gestão (prevenção, reutilização, reciclagem, incineração e deposição em aterro) tendo em vista assegurar a eficiência na utilização de recursos naturais e a minimização dos impactes ambientais negativos associados aos resíduos (incluindo emissões atmosféricas, efluentes e ocupação de solo). Como tal, uma correcta gestão dos resíduos, tendo em vista a redução da produção e o aumento da reciclagem e reutilização de materiais, é uma questão que urge identificar e solucionar invertendo, assim, a tendência actual de desperdício e consequentes custos associados à recolha e tratamento dos resíduos. Isto significa que uma das prioridades da política futura em termos da gestão de RSU na UE e em particular, em Portugal, tem que ser necessariamente a sua prevenção, quer seja em termos quantitativos, quer seja em termos qualitativos (redução da sua perigosidade). O sucesso de uma política integrada de gestão de resíduos encontra-se muito dependente do sistema de recolha adoptado pela entidade responsável, bem como do envolvimento dos cidadãos e a motivação de separarem os resíduos conforme as suas categoriais de recicláveis ou não recicláveis.


Num sistema tradicional de gestão de resíduos sólidos urbanos, a população paga uma taxa de resíduos (pelo serviço de recolha e tratamento de RSU) de forma indirecta, por exemplo, de forma indexada à conta da água (em função do consumo de água), o que ocorre na grande maioria dos municípios, ou através de uma taxa fixa estabelecida, a nível municipal, em função de diversos parâmetros. Em ambos os casos o pagamento é fixado sem tomar em consideração a quantidade de resíduos produzida por cada habitante, mais concretamente por cada agregado familiar. Pelo contrário, os sistemas “pay-as-you-throw” (PAYT) ou sistemas de tarifa variável são sistemas de gestão de resíduos em que “quem produz mais, deposita mais, paga mais”. Funcionam com base em penalizações/incentivos económicos que fomentam a população a reduzir a produção de resíduos indiferenciados e/ou a incrementar adesão à separação da fracção reciclável, atendendo ao facto de a deposição selectiva não incrementar a tarifa.


São duas as principais bases para a implementação de sistemas PAYT em Portugal. Por um lado, estes sistemas permitiriam alcançar os objectivos plasmados no Plano Estratégico dos Resíduos Sólidos Urbanos – PERSU II (2007-2016), nomeadamente no que toca à exigência de implementação de sistemas de tarifários que traduzam os custos efectivos da gestão de resíduos. Por outro lado, os sistemas PAYT surgem enquanto decorrência do princípio do poluidor-pagador, na medida em que este determina que são os beneficiários de uma actividade poluente que devem ser os responsáveis através da via fiscal, pela compensação dos prejuízos ambientais advenientes do exercício dessa actividade. Daqui resulta a necessidade de adequar a taxa à responsabilidade do cidadão pelos actos que efectivamente pratica, em detrimento de métodos que impliquem soluções de aplicação uniformizada, desligadas da efectiva potencialidade lesiva da conduta concreta do cidadão. Visto de outra perspectiva, este princípio estimula a adopção de condutas mais “verdes”, premiando as acções ecologicamente mais correctas, penalizando os comportamentos mais nocivos.

As vantagens da implementação de um sistema PAYT prendem-se com a possibilidade de proporcionar à população a percepção efectiva dos custos associados à gestão dos resíduos, já que as taxas indirectas têm-se revelado insuficientes e inadequadas aos custos da gestão dos RSU, não cobrindo o custo total da recolha, transporte e tratamento dos resíduos, e não fomentam a adesão dos cidadãos à separação dos resíduos recicláveis. Assim, à diminuição da produção de resíduos acrescem vantagens relacionadas com a equidade, já que cada cidadão paga unicamente os resíduos que gera, pagando mais, quem polui mais (Princípio do poluidor-pagador); economia, levando a uma redução dos custos de gestão dos RSU e também a um incremento da separação selectiva dos resíduos, e portanto, a um aumento dos proveitos decorrentes da venda de recicláveis; e o ambiente, na medida em que se verifica uma diminuição da extracção de matérias-primas e a uma diminuição do consumo de energia e redução de emissão de gazes poluentes.


Apenas a título de exemplo, os sistemas PAYT podem desenvolver-se:

- Em função do tipo de contentor e/ou frequência da recolha;

- Em função do número de sacos adquiridos ou pela aquisição de código de barras, etiquetas ou fichas;

- Híbrido – com um nível de serviço mínimo fixo e o utente paga os níveis de serviço acima do nível básico;

- Em função do peso – no contentor ou no veículo de recolha.


Feita a comparação dos sistemas existentes e dadas as características de cada um (as quais não posso aqui desenvolver), foram seleccionados dois tipos de sistema PAYT para o Município de Óbidos: recolha porta-a-porta na Vila de Óbidos e recolha colectiva nas restantes zonas do município. Na Vila de Óbidos, o sistema com menor custo de implementação, mais simples e eficaz do ponto de vista operacional e que apresenta um sistema de taxação mais justo, consiste na tarifa por saco, uma vez que a respectiva Câmara Municipal já produz os sacos para a recolha dos resíduos diferenciados e portanto, todo o sistema de fabrico e distribuição já está implementado sendo necessário apenas ajustá-lo para a aplicação da taxa. Fora da Vila de Óbidos, o sistema de recolha de RSU consiste maioritariamente em contentores. Neste caso, a escolha da solução passou por uma análise mais pormenorizada da situação de referência dada a diversidade de zonas do concelho. Tendo em conta as características topográficas da região, nomeadamente a predominância da construção horizontal, os sistemas de tarifa por frequência de utilização e a tarifa por peso no contentor são desaconselhados, pois a sua implementação tem custos que apenas se mostram compensatórios em cenários onde a construção vertical seja predominante. Assim, com base na comparação dos sistemas existentes e para o cenário de referência, o sistema escolhido foi o de tarifa por peso no veículo (a tarifa por recolha seria muito menos eficaz), uma vez que incentiva a reciclagem e provoca a diminuição de produção de resíduos indiferenciados; permite uma taxação automática, aplicável a todo o tipo de contentores, permitindo utilizar os contentores em uso no município, a todo tipo de construção existente (horizontal ou vertical). Trata-se de um sistema autónomo e de fácil gestão que permite a monitorização de todo o sistema de recolha, proporcionando, de forma progressiva, o aumento de contentores e a optimização das rotas de recolha.


A questão que inevitavelmente agora se coloca é a seguinte: apesar de todas as vantagens dos sistemas PAYT, seria viável a aplicação destes sistemas a todo o país? Não poderei dar uma resposta firme e rigorosa, dada a minha impreparação técnica. Contudo, conforme aponta a Eng.ª Filipa Santos[2], é necessário avaliar a viabilidade técnica da implementação de um ou mais tarifários individuais que se adeqúem aos diferentes municípios de Portugal, de modo a mudar o comportamento dos cidadãos em relação aos resíduos, mais concretamente, no que toca à sua separação. Não se esquece o número de municípios existentes em Portugal, o que tornaria esta medida morosa e dispendiosa, na medida em que exige um grande investimento inicial, porém, a implementação de sistemas de tarifa variável traria benefícios ao nível da sustentabilidade da estrutura de financiamento dos sistemas de gestão de resíduos, gerando também uma nova forma de equidade para o utilizador/pagador e simultaneamente, uma maior protecção ambiental: diversos estudos de monitorização de sistemas PAYT em funcionamento revelam que a produção de resíduos após a entrada em funcionamento do PAYT decresceu, em média, entre 14 a 27%, e as taxas de reciclagem, pelo contrário, subiram para valores entre os 32 e 59%. Deste modo, penso que a implementação de sistemas PAYT a nível nacional seria benéfica tanto para o cidadão, como para o meio ambiente.


[1] Todos os dados aqui referidos constam do artigo da Eng.ª FILIPA SANTOS, “Implementação da Taxa de Resíduos Individual em Portugal – Caso de Óbidos” in Território e Ambiente Urbano, N.º 43, Março, 2010. [2] Idem.


Nídia Mateus, Subturma 5

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