O objectivo da inserção do art.42.º da LBA em 1987 visava a criação de um meio processual ou procedimental dedicado à tutela ambiental. Contudo, a letra da lei “falhou” obrigando, assim, a doutrina a (“tentar”) reconstruir a intenção do legislador, de forma a , procurar dar algum efeito útil a tal norma jurídica.
Muitos foram os problemas levantados, desde logo, se era um meio processual ou um meio administrativo, se, por outro lado, configuram uma acção ou uma providência cautelar.
A solução proposta por grande parte da doutrina seria o recurso à norma do CPC (art.412.º) referente ao “embargo de obra nova” (posição defendida por FREITAS DO AMARAL e GOMES CANOTILHO); havia, também, quem defende-se que a solução passaria por fazer corresponder os embargos do ambiente a um meio processual do contencioso administrativo (providência cautelar, intimação para um comportamento; e acção para reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos); por fim, surge uma terceira posição “mista”, reconduzindo os embargos do ambiente tanto aos embargos de obra nova como aos meios do contenciosos administrativo.
O Prof. VASCO PEREIRA DA SILVA refere que ambas as teses se mostram insatisfatórias, uma vez que, não conseguem dar resposta a todas as situações de direitos ambientais necessitados de tutela[i]. A solução passara sempre por uma atitude activa do legislador, ou seja, caberá ao legislador concretizar processualmente o âmbito de aplicação da norma do art.42.º da LBA.
Contudo, com a reforma do processo civil de 95/96 alterou-se a situação da tutela judicial do ambiente. A reformulação das normas reguladoras do embargo de obra nova (art.414.º do CPC) parece manifestar uma intenção do legislador no sentido de considerar que os embargos do ambiente se devem reconduzir aos meios contenciosos pré-existentes.
A nova formulação dada ao art. 414º do CPC estabelece que “não podem ser embargadas (…) as obras do Estado, das demais pessoas colectivas públicas e das entidades concessionárias de obras ou serviços públicos quando, por o litígio se reportar a uma relação jurídico-administrativa, a defesa dos direitos ou interesses lesados se dever efectivar através dos meios previstos na lei de processo administrativo contencioso”. Deste preceito se retira “a contrario” que o embargo pode ser utilizado também contra entidades públicas, no âmbito de relações administrativas de ambiente, sempre que não exista um meio específico do contencioso administrativo[ii]. Deste modo, a reforma do processo civil viria a conferir sentido útil aos embargos administrativos previstos na LBA: sempre que estivessem em causa relações jurídico-privadas em matéria ambiental recorreríamos ao embargo de obra nova, quanto às relações administrativas, também poderíamos recorrer a este meio, desde que, não existisse um meio administrativo especifico.
Na minha opinião, não é através da nova redacção dada ao art.414.º do CPC que todos os problemas são afastados, uma vez que: continuamos a ter uma “dualidade de jurisdições” tribunais comuns (acções referente aos embargos de obras nova) vs tribunais administrativos (restantes acções), o que levará prosseguimento dos conflitos jurisdicionais.
Por outro lado, a querela doutrinária referente se é meio processual ou um procedimento, também, não ficou resolvida., uma vez que, enquanto procedimento não é suficiente para fazer frente à grande maioria das ofensas ao ambiente, como poeremos, por exemplo, embargar uma emissão poluente[iii]? Se atendermos à recondução a um meio processual, esse seria claramente, o embargo de obra nova, contudo, que também não consegue dar resposta a todos os danos ecológicos que vão surgindo. Assim sendo, será difícil encontrar um sentido útil na disposição do art.42.º do CPA.
Por fim, o Prof. Vasco Pereira da Silva levanta ainda o problema, da possível inconstitucionalidade do art.42.º da LBA, mesmo com a nova redacção do art.414.º do CPC, uma vez que, a efectividade dos embargos do ambiente pode ser posta em causa devido à possibilidade de verificação de conflitos de jurisdição que poderão conduzir à negação da justiça (violação do principio da tutela efectiva dos direitos dos particulares- art.20.º e 268.º, n.º4 e 5 da CRP), por outro lado, a efectividade é também colocada em causa, devido à existência de problemas de harmonização do embargo de obra nova com o universo do ambiente, tendo em conta que se trata de um meio concebido para a tutela de direitos reais e não de direitos que, em regra, apresentam uma natureza obrigacional, sendo que, o pedido de suspensão de uma construção é diferente do pedido de cessação duma actividade poluente.
O legislador devia ter tomado uma opção diferente da que se espelha no actual regime jurídico dos embargos administrativos. Uma opção que consistiria na criação de um meio específico de tutela provisória ou cautelar dos direitos subjectivos ambientais, susceptível de ser aplicado a todo o universo das relações jurídicas ambientais (públicas ou privadas), e da competência de uma única jurisdição. Por outro lado, também devia ser criada uma acção específica para os direitos subjectivos do ambiente (públicos e privados), adequada à especial natureza dos interesses em conflito e das necessidades de tutela neste âmbito. Evitando-se, deste modo, o conflito de jurisdições.
Não tendo o legislador realizado tomado opção diferente, penso que solução passará pelo “afastamento” da aplicação directa do art.42.º da LBA, uma vez que a sua aplicação prática é quase nula. Assim sendo, seguindo a Prof. CARLA AMADO GOMES, o art.42.º da LBA “funciona [apenas] como uma norma remissiva para um dos foros possíveis de apreciação do litígio, os quais aplicarão as providências cautelares adequadas e suficientes à garantia da utilidade da decisão final”[iv], ou seja, o objectivo do art.42.º é indicar meios processuais especialmente céleres dos interesses ecológicos, que poderão ser providências cautelares especificadas e não especificadas.
Em suma, apesar da consciência de que a celeridade processual constitui um factor decisivo na protecção dos interesses ambientas, o legislador tentou criar uma via processual específica, que “saiu” fracassada. Contudo, a falta de concretização do preceito não indica, por si só, que a efectivação da tutela contenciosa não será alcançada por outras formas nomeadamente as providências cautelares (art.383.º, n.º1 e 389.º, n.º1 a) do CPC e art.113.º, n.º1 e 123.º do CPTA) e as intimações (art.104.º e ss. e art.109.º e ss. do CPTA).
[i] VASCO PEREIRA DA SILVA, Verde Cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente, Almedina, 2.ª Reimpressão da Edição de Fevereiro de 2002, pp.242
[ii] VASCO PEREIRA DA SILVA, op. Cit., pp. 244
[iii] Problema levantado por CARLA AMADO GOMES, in Tratado de Direito Administrativo Especial, Volume I, Almedina, 2009, pp.264.
[iv] CARLA AMADO GOMES, op. Cit. Pp.265
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