sexta-feira, 29 de abril de 2011

Constituição ambiental em revista

Deixamos aqui alguns apontamentos do que parecem ser carências da constituição ambiental de ser revista numa próxima revisão constitucional (que será a 8ª desde a sua entrada em vigor em 1976): [1]





Artigo 9º/d): salvo o devido respeito pela posição do Prof. VASCO PEREIRA DA SILVA, que vê na utilização pelo legislador constituinte da expressão “direitos ambientais” a ideia de consagração de uma tutela subjectiva das matérias ambientais, [2] [3] desta utilização retiramos a consagração constitucional de sentimentos de simpatia que as questões ambientais têm o condão de provocar, sentimentos esses inofensivos e até benéficos se não levados ao extremo do reconhecimento jurídico-constitucional de expressões das quais não se retira qualquer conteúdo jurídico; com efeito, se atendermos à inserção sistemática do art. 66º, este direito integrará a categoria dos direitos económicos, sociais e culturais, parecendo por isso que o legislador criou uma nova categoria, autónoma, sem que para tal tenha igualmente alterado a epígrafe do Titulo III e, mais importante, sem que para tal se encontre fundamento; adoptamos assim a posição do Prof. JORGE MIRANDA no sentido de, não obstante se reconhecer as especificidades do objecto do direito ao ambiente, tais especificidades não justificam estrutura específica diferenciadora; [4] saga do politicamente correcto como foi chamado, [5] ou declarações de boas intenções, [6] estes fenómenos que tendem a alastrar-se, particularmente quando tratamos de assuntos capazes de afectar sensibilidades das pessoas, devem ser erradicados do pensamento legislativo, em especial do seio constitucional, daí concordarmos com a posição da Profª. CARLA AMADO GOMES no sentido da supressão da expressão “direitos ambientais” do art. 9ª/d); [7]






Art. 52º/3a): revisto em 1989, prevê o direito de acção popular para a defesa de interesses difusos, nos quais se inclui a preservação do ambiente; [8] integrando o capítulo II respeitante aos direitos, liberdades e garantias de participação política, parece-nos que tal inserção sistemática padece do vício de excluir os estrangeiros da acção popular ali genericamente consagrada, por força do art. 15º/2; [9] [10] ainda que não se concorde com este argumento, o direito de acção popular afigurar-se-ia melhor colocado no art. 20º, enquanto norma de tutela geral de acesso aos tribunais, a par da possibilidade de consagrações específicas em sede de defesa de direitos expressamente consagrados [11] [12]; numa posição intermédia, poderíamos adoptar a inclusão de um direito de acção judicial de interesses difusos no art. 20º, incluindo assim a preservação do ambiente na tutela judicial e evitando os inconvenientes da exclusão acima referida, mantendo o direito de acção popular no art. 52º/3; [13]






Art. 66º/2 e suas várias alíneas: a questão que aqui se coloca é a de esclarecer o âmbito da tutela jurídica ambiental, redefinindo constitucionalmente o que será o bem jurídico ambiente para efeitos de concretização de uma política ambiental. [14]





Utilizando as palavras do Prof VASCO PEREIRA DA SILVA, [15] de uma interpretação maximalista, que compreenderá todo um conjunto de realidades que apresentarem conexão com problemas ambientais (o que na prática não é difícil de vislumbrar, atendendo ao carácter transversal que certos problemas ambientais têm num conjunto de outros bens juridicamente tutelados), dever-se-á restringir o bem jurídico ambiente à defesa e protecção dos componentes ambientais naturais (cf. art. 6º LBA), retirando das várias alíneas do nº 2 do art. 66º referências ao ordenamento do território (al. b), à preservação e valores culturais de interesse histórico e artístico (parte final da al. c) e à vida urbana, plano arquitectónico e protecção das zonas históricas (al. e); a tutela das figuras afastadas do âmbito da protecção ambiental passaria por outros preceitos constitucionalmente consagrados: art. 65º e 78º, entre outros; duma “estreitíssima conexão (do art. 66º) com numeroso outros preceitos”, [16] passaríamos a uma delimitação de objecto, o que não invalidaria a sempre necessária conexão;






Salvo o devido respeito, não concordamos com a Prof CARLA AMADO GOMES quando coloca a actual alínea h) no âmbito do sistema financeiro e fiscal: [17] embora trate de matéria fiscal, o preceito trata fundamentalmente da protecção do ambiente através da promoção de uma política fiscal nesse sentido, não parecendo deslocado sistematicamente; se assim se considerasse, porque não transferir igualmente a al. g), relativo à promoção de uma educação ambiental, para o âmbito do art. 73º, [18] o qual a Profª não retira do escopo do art. 66º; [19]






Substituição da locução “poluição” presente na alínea a) por “emissões poluentes” [20] ou “várias formas de poluição”, [21] por nos parecer mais correcta;





Manteríamos inalteradas as alíneas d), f), g) e h) por se circunscreverem ao essencial do que deverá ser uma politica de defesa do ambiente;







Com pouco relevo prático mas ainda assim com relevo jurídico-constitucional: referência no art. 100º, relativo aos objectivos da política industrial, a um progresso industrial e tecnológico com respeito pelos recursos naturais e componentes ambientais, numa lógica de arrumação sistemática das questões ambientais em sede constitucional, em consonância com o carácter multidisciplinar das mesmas. [22]






----------------------------------------------------------------------------------------------





[1] os artigos sem referência à fonte provêem da CRP, na sua versão actual.




[2] VASCO PEREIRA DA SILVA, Verde cor de direito : lições de direito do ambiente, Coimbra, Almedina, 2002, p. 84.




[3] curiosamente, interpretando a mesma expressão a direitos ambientais como representação da “dimensão objectiva de estado de direito ambiental”, Constituição da República portuguesa anotada, vol I, J. J. Gomes Canotilho, Vital Moreira, 4ª ed. rev, Coimbra Editora, 2007, p. 279.




[4] JORGE MIRANDA, Manual de direito constitucional, Tomo IV, Coimbra Editora, 2000, p. 539, e anotação ao art. 66º por JORGE MIRANDA em Constituição Portuguesa anotada, Vol I, Jorge Miranda, Rui Medeiros, Coimbra Editora, 2005, p. 683;




[5] Comentário à IV revisão constitucional, A.SOUSA PINHEIRO e M. BRITO FERNANDES, Lisboa, AAFDL, 1999.




[6] num texto com o titulo “Revisão Constitucional”, do Prof. LUIS CAMPOS E CUNHA.




[7] numa visão da expressão noutro sentido, o qual tendemos a concordar mas que não se constitui como principal critica que fazemos ao art., mas igualmente criticando a opção constitucional, Constituição Portuguesa anotada, Vol I, Jorge Miranda, Rui Medeiros, Coimbra Editora, 2005, p. 102;




[8] concretizado pela lei nº 83/95, de 31 de Agosto, relativa ao direito de participação procedimental e de acção popular e, em especial, pelo art. 10º da lei nº 35/98, de 18 Julho, que regula o regime jurídico das organizações não governamentais do ambiente.




[9] na esteira do defendido em Comentário à IV revisão…ob cit..p. 163.




[10] contra, afirmando que al. a) pode ser promovida por qualquer pessoa, portuguesa ou estrangeira, Constituição Portuguesa anotada, Vol I, Jorge Miranda, Rui Medeiros, Coimbra Editora, 2005, p. 496.




[11] posição defendida em Comentário…ob cit. p. 163.




[12] numa posição algo contrária, no sentido de fazer permanecer a acção popular no seio do art. 52º/3a) e distinguindo a protecção judicial dos interesses difusos da acção popular, inserindo aquela na norma do art. 20º e permanecendo esta inserida nos direitos, liberdades e garantias de participação politica, CARLA AMADO GOMES, Textos Dispersos de Direito do Ambiente (e matérias relacionadas) - II Vol, CONSTITUIÇÃO E AMBIENTE: ERRÂNCIA E SIMBOLISMO, Lisboa, AAFDL, 2008, p.42, e JORGE MIRANDA, Ideias para uma revisão constitucional em 1996, Lisboa, Cosmos, 1996, p. 35 e 36.




Em convergência com o defendido, qualificando o direitto de acção popular, não como “verdadeiro e próprio direito politico”, nas palavras do Prof. JORGE MIRANDA, mas sim como “verdadeiro direito de acção judicial com as inerentes características”, Constituição Portuguesa anotada, Vol I, Jorge Miranda, Rui Medeiros, Coimbra Editora, 2005, p. 496, mas igualmente distinguindo o direito de acção judicial de interesses difusos da acção popular, considerando aquela com maior amplitude do que esta.




[13] posição defendida, como acima em [12] se havia explicitado, por CARLA AMADO GOMES ob. cit. p. 42, seguindo a posição de JORGE MIRANDA.




[14] para uma critica acerca da actual inoperatividade da politica ambiental resultante da actual concepção do bem jurídico ambiente, CARLA AMADO GOMES, ob. cit. p. 30 e referências bibliográficas ai citadas;




[15] vide VASCO PEREIRA DA SILVA, ob cit. p. 57.




[16] Constituição Portuguesa anotada, Vol I, Jorge Miranda, Rui Medeiros, Coimbra Editora, 2005, p. 682.




[17] JORGE MIRANDA, Constituição e ambiente, in Direito do ambiente, coord. Diogo Freitas do Amaral, Marta Tavares de Almeida, Lisboa, 1994, p. 43, e Comentário…ob. cit. p. 199.




[18] nesse sentido vide comentário… ob. cit. p. 199.




[19] em defesa da substituição da expressão “politica fiscal” por “politica de subsídios, taxas e impostos”, texto do Prof. LUIS CAMPOS E CUNHA, já citado, a qual não nos parece totalmente desadequada dado o alargamento através da inclusão da política dos subsídios, ficando duvidas no entanto se tal referencia expressa é realmente necessária, remetendo tal discussão para reflexão conjunta.




[20] em CARLA AMADO GOMES, Textos….ob. cit. p. 43.




[21] fonte no texto do Prof. LUIS CAMPOS E CUNHA, oportunamente citado.




[22] validando o defendido por CARLA AMADO GOMES, Textos….ob. cit. p. 43.



Sem comentários:

Enviar um comentário