Os contratos de adaptação ambiental têm por objecto o estabelecimento de um plano de adaptação das empresas aderentes a normas ambientais imperativas, dentro da qual estas ficam à margem dos referenciais de fiscalização decorrentes das disposições legais sobre a matéria, que são substituídos por referenciais definidos contratualmente. Em síntese, são contratos que envolvem a concertação do âmbito da aplicação de normas administrativas de polícia, designadamente de carácter sancionatório que implicam a sua não aplicação, pelo período definido contratualmente, às empresas contratantes. Assim, e face aos resultados negativos da execução dos comandos legais em matéria ambiental, mormente dos que impõem limites máximos de emissões poluentes, a Administração tem recorrido a meios alternativos, que não passem pela via sancionatória, destinados a fazer com que os particulares se submetam ao cumprimento de padrões ambientais. Neste contrato, o que está em causa é o estabelecimento de um regime gradual e progressivo de adaptação aos critérios que estão estabelecidos na lei (artigo 78.º, n.º 1). Num primeiro momento há uma “derrogação” temporária destes, com o objectivo de, num segundo momento, lograr obter um nível de execução normativa que lhe seria impossível sem ser por recurso à concertação com os agentes poluidores.
A questão que se impõe é a seguinte: a admissibilidade dos CAA é conforme ao princípio da legalidade? Efectivamente, coloca-se a questão de saber se pode a Administração agir, a bem da eficácia administrativa, sem ser com base numa norma habilitante, ou proceder a uma regulação que vá para além do que esta autoriza. E, no que se refere aos contratos, se nos casos em que a utilização da forma contratual implicar necessariamente uma regulação diferente da norma de competência, ainda assim a utilização do contrato é permitida à luz de considerações de eficácia, mesmo que em detrimento do princípio da legalidade.
Uma melhor compreensão da questão impõe que nos debruçemos sobre as bases normativas em que tais contratos podem assentar.
Desde logo, urge chamar à colação o artigo 35º n.º2 da LBA. Poderá perguntar-se se o n.º2 do artigo 35º LBA, que se refere a contratos-programa para redução da carga poluente, “habilita”a celebração de contratos cujo objecto se dirija à derrogação temporária ou à suspensão de normas ambientais de polícia pois uma resposta afirmativa atenuaria discussão sobre a sua compatibilidade com o Princípio da Legalidade.
O potencial habilitante deste preceito tem sido defendido por Castro Rangel segundo o qual poderá então afirmar-se que no capítulo V da LBA permite-se que a Administração celebre contratos-programa os quais têm um carácter derrogatório que se consubstancia numa legitimação contratual da violação – provisória/transitória e gradativamente menos intensa – dos valores limite de poluição recebidos nas normas jurídicas. Estes contratos surgiriam,assim, como sucedâneo da possibilidade de suspensão ou redução das actividades poluentes, como alternativa destinada a obviar as externalidades que o exercício rígido de poderes de polícia poderia originar.
Em sentido contrário, Mark Kirkby considera que esta norma reporta-se a uma realidade ligada às actuações administrativas de fomento, que consistem nas celebração de contratos-programa através dos quais a AP, em troca de uma componente subvencional, procura incitar os particulares a desenvolverem actividades de interesse público. Por outro lado, altera para o facto de, tendo em conta que os contratos-programa são contratos de execução prolongada no tempo, haver uma incongruência entre o capítulo V da LBA em que o preceito se integra e a natureza destes contratos, pois dificilmente podem ser concebidos como um instrumento para acudir a uma “situação de emergência”.
Acresce que o art. 35º/2 padece de um reduzido grau de densificação normativa ié, não reúne os requisitos mínimos exigíveis pelo princípio da determinabilidade das leis e, como tal, não se poderá dele retirar uma habilitação que permita a derrogação por via administrativa de normas de polícia ambiental de carácter imperativo (reserva absoluta de precedência de lei, enquanto dimensão do princípio da legalidade).
Deste modo, a actuação da Administração Pública em que. por via contratual, afasta temporariamente as normas ambientais imperativas, será inconstitucional por violação do princípio da tipicidade das formas de lei. E de acordo com o pensamento de Sérvulo Correia enfermam de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da legalidade administrativa, as normas jurídicas que concedam poderes discricionários que não respeitem os mínimos exigíveis de determinabilidade dos pressupostos e dos efeitos do direito.
Com efeito, o impacto do artigo 35.º, n.º2 seria permitir que através de um acto do poder administrativo se “derrogassem temporariamente” ou que se suspendessem actos legislativos, leis em sentido formal, o que consubstanciaria uma violação do artigo 112.º, n.º 6 da CRP, na medida em que, permitiria que uma fonte secundária – o contrato – dispusesse sobre efeitos de actos com força de lei, ou seja, constituiria uma completa subversão da hierarquia das fontes plasmada na Constituição.
No momento actual, a única (e primeira) previsão normativa especifica dos CAA consta do artigo 78º DL 236/98, sobre a Qualidade da Água (que revogou o DL 74/90).
Segundo Mark Kirkby, tendo em conta o artigo 78.º, n.ºs 1,3 e 6 do diploma, parece decorrer uma base habilitante para que, por via contratual, se possam isentar as empresas aderentes, durante o período de adaptação, do cumprimento de quaisquer normas imperativas que estejam em vigor, o que se traduziria numa inconstitucionalidade por violação do princípio da tipicidade das formas de lei. No fundo, o presente diploma pretenderia, sem revogar quaisquer normas ambientais e sem hetero-deslegalizar a matéria constante noutros diplomas legais, habilitar a Administração a suspender a todo o tempo os seus efeitos através de contrato administrativo.
Ora, porquanto as “novas” normas do diploma entram plenamente em vigor findo o prazo de vacatio legis, tal norma, ao habilitar a Administração, por via contratual, a suspender as normas que ela própria veio a consagrar, viola o artigo 112.º, n.º 6 da CRP.
No entendimento de Vasco Pereira da Silva é de rejeitar o argumento formal segundo o qual um contrato que derroga a lei ao abrigo de uma autorização que ela própria confere é legal pois é a própria CRP a proibir a derrogação de actos normativos.
O que não implica a rejeição da admissibilidade de tais contratos. Efectivamente, para além de os admitir no domínio correspondente à margem de livre apreciação ou de decisão por parte da AP – concordando, neste aspecto com Mark Kirby que os admite onde “haja uma situação de indeterminação – ainda configura como possível, considerar autorizados, no limite, os contratos de adaptação ambiental que se afastem de limites legais, desde que isso seja susceptível de encontrar cabimento na previsão legislativa e que não corresponda a uma situação de “fraude à CRP” ou “fraude à lei”, nem coloque em causa os principios fundamentais da actuação administrativa.
Mas tal admissibilidade deveria ainda ficar dependente de duas outras condições:
- Ser possível e razoável retirar da lei fixadora de limites dois regimes jurídicos: o geral, imediatamente aplicável e o especial, apenas parcialmente determinado pela lei (apesar de não poder ser nunca uma “norma em branco”), cuja aplicação ficaria dependente da celebração de contrato administrativo;
- Necessidade de este “regime especial”, relativamente indeterminado, apesar da margem de decisão conferida à Administração, estar limitado pelas regras de competência, de fim e pelos princípios fundamentais da actividade administrativa constitucionalmente garantidos (artigo 266.º da CRP e artigo 3.º do CPA).
Verificadas estas condições seria, assim, possível, salvaguardar os contratos de adaptação ambiental previstos na Lei de Qualidade da Água.
Parecem-me claras as vantagens destes CAA. Os acordos não são um embuste mas antes um meio alternativo à efectivação da legislação ambiental e os imperativos de eficácia impõem uma margem de autonomia da AP face aos comandos legislativos na escolha dos melhores meios para alcançar a realização do interesse público. E o que seja o interesse público não se pode extrair unicamente da lei, ele resulta da ponderação das circunstâncias concretas e da sua contraposição aos interesses privados.
Por outro lado, estes contratos permitem ainda à Administração Pública uma maior legitimidade fundada directamente nas relações que vai estabelecendo diariamente com a sociedade no exercício dos seus poderes, ié, o consenso surge como complemento legitimador da menor legitimação trazida pela norma legal, ou seja, a legitimidade democrática cede perante uma legitimidade fundada directamente na sociedade.
Poderá mesmo afirma-se que tais contratos representam exigências de uma democracia participativa e "o pleno reconhecimento do particular como colaborador da Administração na prossecução do interesse público" (Mark Kirkby). Não se trata de afastar de todo o princípio da legalidade, trata-se, sim, de diminuir a densidade normativa do comando legal, permitindo a flexibilização e legitimação ou, por outras palavras, criar uma maior margem de discricionariedade à actuação da Administração que lhe permitirá adaptar a rigidez das normas legais às particularidades do caso concreto.
Afirma-se, assim, uma conciliação do garantismo e da eficiência da actividade administrativa.
Feita esta confrontação de valores (por um lado os princípios de constitucionalidade, de legalidade e de tipicidade e, por outro, princípios de eficácia da realização da política ambiental pela via contratial, da participação e da colaboração dos particulares no exercício da administração do ambiente, de tutela da confiança dos particulares face às alterações dos padrões decisórios da Administração em matéria ambiental) parece ser possível concluir pela constitucionalidade dos contratos de adaptação ambiental, ainda que com as devidas cautelas.
O ambiente ficaria a ganhar numa lógica de que “mais vale tarde do que nunca” (o cumprimento dos parâmetros fixados na lei).
A questão que se impõe é a seguinte: a admissibilidade dos CAA é conforme ao princípio da legalidade? Efectivamente, coloca-se a questão de saber se pode a Administração agir, a bem da eficácia administrativa, sem ser com base numa norma habilitante, ou proceder a uma regulação que vá para além do que esta autoriza. E, no que se refere aos contratos, se nos casos em que a utilização da forma contratual implicar necessariamente uma regulação diferente da norma de competência, ainda assim a utilização do contrato é permitida à luz de considerações de eficácia, mesmo que em detrimento do princípio da legalidade.
Uma melhor compreensão da questão impõe que nos debruçemos sobre as bases normativas em que tais contratos podem assentar.
Desde logo, urge chamar à colação o artigo 35º n.º2 da LBA. Poderá perguntar-se se o n.º2 do artigo 35º LBA, que se refere a contratos-programa para redução da carga poluente, “habilita”a celebração de contratos cujo objecto se dirija à derrogação temporária ou à suspensão de normas ambientais de polícia pois uma resposta afirmativa atenuaria discussão sobre a sua compatibilidade com o Princípio da Legalidade.
O potencial habilitante deste preceito tem sido defendido por Castro Rangel segundo o qual poderá então afirmar-se que no capítulo V da LBA permite-se que a Administração celebre contratos-programa os quais têm um carácter derrogatório que se consubstancia numa legitimação contratual da violação – provisória/transitória e gradativamente menos intensa – dos valores limite de poluição recebidos nas normas jurídicas. Estes contratos surgiriam,assim, como sucedâneo da possibilidade de suspensão ou redução das actividades poluentes, como alternativa destinada a obviar as externalidades que o exercício rígido de poderes de polícia poderia originar.
Em sentido contrário, Mark Kirkby considera que esta norma reporta-se a uma realidade ligada às actuações administrativas de fomento, que consistem nas celebração de contratos-programa através dos quais a AP, em troca de uma componente subvencional, procura incitar os particulares a desenvolverem actividades de interesse público. Por outro lado, altera para o facto de, tendo em conta que os contratos-programa são contratos de execução prolongada no tempo, haver uma incongruência entre o capítulo V da LBA em que o preceito se integra e a natureza destes contratos, pois dificilmente podem ser concebidos como um instrumento para acudir a uma “situação de emergência”.
Acresce que o art. 35º/2 padece de um reduzido grau de densificação normativa ié, não reúne os requisitos mínimos exigíveis pelo princípio da determinabilidade das leis e, como tal, não se poderá dele retirar uma habilitação que permita a derrogação por via administrativa de normas de polícia ambiental de carácter imperativo (reserva absoluta de precedência de lei, enquanto dimensão do princípio da legalidade).
Deste modo, a actuação da Administração Pública em que. por via contratual, afasta temporariamente as normas ambientais imperativas, será inconstitucional por violação do princípio da tipicidade das formas de lei. E de acordo com o pensamento de Sérvulo Correia enfermam de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da legalidade administrativa, as normas jurídicas que concedam poderes discricionários que não respeitem os mínimos exigíveis de determinabilidade dos pressupostos e dos efeitos do direito.
Com efeito, o impacto do artigo 35.º, n.º2 seria permitir que através de um acto do poder administrativo se “derrogassem temporariamente” ou que se suspendessem actos legislativos, leis em sentido formal, o que consubstanciaria uma violação do artigo 112.º, n.º 6 da CRP, na medida em que, permitiria que uma fonte secundária – o contrato – dispusesse sobre efeitos de actos com força de lei, ou seja, constituiria uma completa subversão da hierarquia das fontes plasmada na Constituição.
No momento actual, a única (e primeira) previsão normativa especifica dos CAA consta do artigo 78º DL 236/98, sobre a Qualidade da Água (que revogou o DL 74/90).
Segundo Mark Kirkby, tendo em conta o artigo 78.º, n.ºs 1,3 e 6 do diploma, parece decorrer uma base habilitante para que, por via contratual, se possam isentar as empresas aderentes, durante o período de adaptação, do cumprimento de quaisquer normas imperativas que estejam em vigor, o que se traduziria numa inconstitucionalidade por violação do princípio da tipicidade das formas de lei. No fundo, o presente diploma pretenderia, sem revogar quaisquer normas ambientais e sem hetero-deslegalizar a matéria constante noutros diplomas legais, habilitar a Administração a suspender a todo o tempo os seus efeitos através de contrato administrativo.
Ora, porquanto as “novas” normas do diploma entram plenamente em vigor findo o prazo de vacatio legis, tal norma, ao habilitar a Administração, por via contratual, a suspender as normas que ela própria veio a consagrar, viola o artigo 112.º, n.º 6 da CRP.
No entendimento de Vasco Pereira da Silva é de rejeitar o argumento formal segundo o qual um contrato que derroga a lei ao abrigo de uma autorização que ela própria confere é legal pois é a própria CRP a proibir a derrogação de actos normativos.
O que não implica a rejeição da admissibilidade de tais contratos. Efectivamente, para além de os admitir no domínio correspondente à margem de livre apreciação ou de decisão por parte da AP – concordando, neste aspecto com Mark Kirby que os admite onde “haja uma situação de indeterminação – ainda configura como possível, considerar autorizados, no limite, os contratos de adaptação ambiental que se afastem de limites legais, desde que isso seja susceptível de encontrar cabimento na previsão legislativa e que não corresponda a uma situação de “fraude à CRP” ou “fraude à lei”, nem coloque em causa os principios fundamentais da actuação administrativa.
Mas tal admissibilidade deveria ainda ficar dependente de duas outras condições:
- Ser possível e razoável retirar da lei fixadora de limites dois regimes jurídicos: o geral, imediatamente aplicável e o especial, apenas parcialmente determinado pela lei (apesar de não poder ser nunca uma “norma em branco”), cuja aplicação ficaria dependente da celebração de contrato administrativo;
- Necessidade de este “regime especial”, relativamente indeterminado, apesar da margem de decisão conferida à Administração, estar limitado pelas regras de competência, de fim e pelos princípios fundamentais da actividade administrativa constitucionalmente garantidos (artigo 266.º da CRP e artigo 3.º do CPA).
Verificadas estas condições seria, assim, possível, salvaguardar os contratos de adaptação ambiental previstos na Lei de Qualidade da Água.
Parecem-me claras as vantagens destes CAA. Os acordos não são um embuste mas antes um meio alternativo à efectivação da legislação ambiental e os imperativos de eficácia impõem uma margem de autonomia da AP face aos comandos legislativos na escolha dos melhores meios para alcançar a realização do interesse público. E o que seja o interesse público não se pode extrair unicamente da lei, ele resulta da ponderação das circunstâncias concretas e da sua contraposição aos interesses privados.
Por outro lado, estes contratos permitem ainda à Administração Pública uma maior legitimidade fundada directamente nas relações que vai estabelecendo diariamente com a sociedade no exercício dos seus poderes, ié, o consenso surge como complemento legitimador da menor legitimação trazida pela norma legal, ou seja, a legitimidade democrática cede perante uma legitimidade fundada directamente na sociedade.
Poderá mesmo afirma-se que tais contratos representam exigências de uma democracia participativa e "o pleno reconhecimento do particular como colaborador da Administração na prossecução do interesse público" (Mark Kirkby). Não se trata de afastar de todo o princípio da legalidade, trata-se, sim, de diminuir a densidade normativa do comando legal, permitindo a flexibilização e legitimação ou, por outras palavras, criar uma maior margem de discricionariedade à actuação da Administração que lhe permitirá adaptar a rigidez das normas legais às particularidades do caso concreto.
Afirma-se, assim, uma conciliação do garantismo e da eficiência da actividade administrativa.
Feita esta confrontação de valores (por um lado os princípios de constitucionalidade, de legalidade e de tipicidade e, por outro, princípios de eficácia da realização da política ambiental pela via contratial, da participação e da colaboração dos particulares no exercício da administração do ambiente, de tutela da confiança dos particulares face às alterações dos padrões decisórios da Administração em matéria ambiental) parece ser possível concluir pela constitucionalidade dos contratos de adaptação ambiental, ainda que com as devidas cautelas.
O ambiente ficaria a ganhar numa lógica de que “mais vale tarde do que nunca” (o cumprimento dos parâmetros fixados na lei).
Bibliografia:
- Kirkby, Mark Bobela-Mota, " Os contratos de adaptação ambiental: a concentração entre a administração pública e os particulares na aplicação de normas de polícia administrativa; Lisboa : AAFDL, 2001
- Silva, Vasco Pereira; Verde Cor de Direito; Almedina, 2002
- Silva, Vasco Pereira; Verde Cor de Direito; Almedina, 2002
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