Plano de exposição: 1 – Do Ambiente enquanto bem a tutelar; 2 – Acção procedimental e acção popular; 2.1 – Legitimidade das ONGA´s; 3 – Conclusão
1 – Do Ambiente enquanto bem a tutelar
A Constituição da República Portuguesa, no art. 9/d) e e), atribui à efectivação dos direitos ambientais e a defesa da natureza e do ambiente o estatuto de tarefas fundamentais do Estado, consagrando no art. 60/1 o direito fundamental de todos a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e dever de o defender.
Enquanto direito fundamental, o direito ao ambiente visa assegurar as utilidades próprias para o Homem das componentes ambientais naturais (ar, luz, água, solo vivo e subsolo, flora e fauna - artigos 6 a 16 da LBA), a sua integridade e a manutenção do equilíbrio ecológico, independentemente da afectação de bens ou posições jurídicas individuais. Por outro lado, enquanto realidade objectiva, é encarado como um bem jurídico público que a todos incumbe preservar.
Ainda enquanto direito fundamental consubstancia, segundo a doutrina maioritária, uma posição subjectiva activa – direito subjectivo público, traduzido no poder jurídico, sobretudo através de normas de direito público, de exigir do Estado e dos particulares um determinado comportamento desdobrável em prestações positivas (actuações do Estado que visem a defesa do ambiente) e prestações negativas (omissão de agressões ao ambiente por parte do Estado e dos particulares).
Deste ponto de vista, o direito ao ambiente consagrado no art. 66 CRP surge revestido de uma estrutura complexa, na qual convivem aspectos do regime específicos «dos direitos, liberdades e garantias» e do regime dos «direitos económicos, sociais e culturais». Destarte, enquanto direito à abstenção por parte do Estado e de particulares de condutas nocivas é um direito de natureza análoga aos «direitos, liberdades e garantias»; enquanto direito a prestações positivas é um direito «social» que obriga o Estado à defesa do ambiente e à preservação dos recursos naturais.
No entanto, a qualificação do direito fundamental ao ambiente, na sua estrutura, como direito subjectivo autónomo não é isenta de controvérsia doutrinária quando se encara o ambiente, nas suas componentes naturais, como um bem de fruição colectiva ou comunitária e, portanto, sem substrato susceptível de apropriação individual.
Segundo esta outra perspectiva, defendida, entre outros, pela Prof. Carla Amado Gomes e com a qual concordámos, o direito ao ambiente é um direito-dever fundamental de base objectiva tutelado através da figura jurídica dos interesses difusos, traduzindo uma síntese de posições procedimentais e processuais instrumentais à gestão democrática (do aproveitamento) dos bens ambientais que possibilita aos cidadãos exigir às entidades públicas o acesso à informação ambiental, a participação em procedimentos autorizativos ambientais e a proposição de acções que visem a salvaguarda da integridade dos bens ambientais naturais.
Em Portugal, esta controvérsia tem reduzido interesse prático, visto que a tutela do ambiente – enquanto bem público que a todos incumbe defender – é assegurado por via do direito de participação procedimental e de acção popular, nesse âmbito reconhecido aos cidadãos, às associações e fundações de defesa do ambiente e às autarquias locais, bem como pela legitimidade, designadamente processual, atribuída às organizações não governamentais de defesa do ambiente e ao Ministério Público.
2 - Acção procedimental e acção popular
A Constituição, no actual artigo 52/3, confere a todos, “pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de acção popular nos casos e termos previstos na lei, incluindo o direito de requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização, nomeadamente para promover a prevenção, a cessação ou a perseguição das infracções contra a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida e preservação do ambiente e do património cultural, bem como para assegurar a defesa dos bens do Estado, das regiões autónomas e do património cultural.” A nível da legislação ordinária, coube à Lei n.º 83/95, de 31 de Julho (LAP) dar concretização ao mencionado preceito constitucional, conferindo-lhe uma dupla incidência:
1 - procedimental, como direito de participação procedimental (audiência prévia) em procedimentos administrativos que tenham por objecto a adopção pela Administração de planos de desenvolvimento ou planeamento, a realização de obras públicas ou de outros investimentos públicos com impacte relevante no ambiente e nas condições económicas e sociais e da vida em geral das populações ou agregados populacionais de certa área do território nacional (artigos 4 a 11); também a LBA, no seu art. 3/c), define como princípio a participação dos diferentes grupos sociais na formulação e execução da política do ambiente; desta feita, através dessa sua intervenção (individual ou colectivamente), o cidadão expressa os seus interesses ou de determinado grupo, em estreita conexão com o princípio da democracia participativa;
2 - processual, como direito de acção judicial, nas vertentes de acção popular civil e administrativa (artigos 12 a 21); de facto, ao se permitir a intervenção ao nível do procedimento de determinado grupo, deve “a posteriori” ser legitimada a tutela, ao nível jurisdicional, dos seus interesses, tutela esta que, não obstante ser independente, é complementar da participação procedimental.
O âmbito objectivo da LAP é o que decorre do art. 1/2, que fixa os interesses tutelados – saúde pública, ambiente qualidade de vida, protecção de consumo de bens e serviços, património cultural e meio ambiente. Portanto, o ambiente surge aqui definido como um interesse difuso – um interesse “sine domino” - , indo de encontro a tese “supra” referida que afasta a caracterização do ambiente como direito subjectivo, em virtude da sua insusceptibilidade de apropriação individual, tendo em vista a sua dimensão comunitária.
O âmbito subjectivo da LAP está, por sua vez, fixado no art. 2, que atribui os referidos direitos de participação popular e de acção popular a quaisquer cidadãos no gozo dos direitos civis e políticos e às associações e fundações defensoras de interesses em questão, bem como às autarquias locais, relativamente aos interesses cujos titulares sejam residentes na área da respectiva circunscrição.
Cumpre referir, no entanto, que a LAP não institui nenhum tipo específico de acção, como “a priori” pode aparentar. Com efeito, trata-se antes de um mecanismo de extensão da legitimidade procedimental e processual às pessoas abrangidas pelo seu âmbito subjectivo (art. 2), que permite accionar: perante os tribunais administrativos, acção para defesa dos interesses em questão, bem como acção impugnatória, com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos lesivos dos mesmos interesses (art. 12/1); perante os tribunais cíveis, qualquer meio processual que se mostre adequado à defesa dos mesmos interesses (artigo 12/2).
2.1 – Legitimidade das ONGA´s
Atendendo à sua particular e importante papel na defesa do ambiente, cumpre destacar, através de uma mera análise meramente descritiva dos aspectos pertinentes do respectivo regime, o papel desempenhado pelas organizações não governamentais de defesa do ambiente (ONGA), às quais é reconhecido, nos termos dos artigos 6 e 7 do respectivo Estatuto aprovado pela Lei nº 35/98, de 18 de Julho, desde logo, o direito de participar na definição da política e das grandes linhas de orientação legislativa em matéria de ambiente, com o estatuto de parceiros sociais e com direito de representação, designadamente em órgãos consultivos da Administração Pública.
Gozam ainda do direito de consulta e acesso à informação junto dos órgãos da Administração Pública (art. 5) e de promoção de meios e procedimentos administrativos de defesa do ambiente (art. 9).
Dispõem, por outro lado, de legitimidade para accionar a tutela judicial do ambiente (art. 10), independentemente de terem ou não interesse na demanda, podendo:
a) Propor as acções judiciais necessárias à prevenção, correcção, suspensão e cessação de actos ou omissões de entidades públicas ou privadas que constituam ou possam constituir factor de degradação do ambiente;
b) Intentar, nos termos da lei, acções judiciais para efectivação da responsabilidade civil relativa aos actos e omissões referidos na alínea anterior;
c) Recorrer contenciosamente dos actos e regulamentos administrativos que violem as disposições legais que protegem o ambiente;
d) Apresentar queixa ou denúncia, bem como constituir-se assistentes em processo penal por crimes contra o ambiente e acompanhar o processo de contra-ordenação, quando o requeiram, apresentando memoriais, pareceres técnicos, sugestões de exames ou outras diligências de prova até que o processo esteja pronto para decisão final.
3 – Conclusão
Chegados aqui, cumpre deixar as ilações que se seguem.
O dever de protecção ao meio ambiente, tal como decorre do Constituição, incumbe à sociedade e ao Poder Público. A acção popular ambiental é um eficaz um instrumento ao exercício da cidadania e serve para fiscalizar a actuação dos dirigentes, servidores, agentes e representantes públicos, i.é, os chamados gestores da coisa pública, no âmbito da competência estadual e municipal.
Mas não só. O exercício da acção popular ambiental visa, igualmente, proporcionar ao cidadão o direito de impugnar, preventiva ou repressivamente os actos da Administração que resultem em degradação ambiental, além de apurar e imputar a responsabilidade administrativa e criminal do agente privado causador do dano.
Actualmente, no emergente estágio de desenvolvimento nacional e sob os riscos que despontam na sociedade moderna, reconhecidamente uma sociedade de riso, segundo a teoria de Ulrich Beck, os cidadãos devem se apresentar sempre de forma activa, participando da evolução histórica que ocorre a todo tempo na cidade e no seu país, reivindicando e protegendo os seus direitos e interesses, exigindo um comportamento preventivo da Administração fundada no interesse colectivo, no intuito de impugnar actos e acções no exercício da gestão pública causadores de danos ambientais.
Como participantes da sociedade, os cidadãos são os guardiões e defensores do Estado democrático de Direito e por excelência, do meio ambiente sadio e equilibrado para as presentes e futuras gerações.
Ângela Maria Varela, subturma 1
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