domingo, 24 de abril de 2011

Dos Princípios de Direito do Ambiente: Explanação Sumária

1945, final da Segunda Grande Guerra. A esgotabilidade dos recursos naturais ficou evidente devido à aceleração desordenada da produção agrícola e, sobretudo, da produção industrial, tornando perceptível e inquestionável a necessidade de se encontrar um paradigma de desenvolvimento que não ameaçasse a sustentabilidade do “Planeta Azul”.


Destarte, em Junho de 1972, a Organização das Nações Unidas organizou em Estocolmo – Suécia – a 1ª Conferência sobre o Meio Ambiente, aprovando, no final da mesma, a Declaração Universal do Meio Ambiente que declarava que os recursos naturais, como a água, o ar, o solo, a flora e a fauna, devem ser conservados em benefício das gerações futuras, cabendo a cada Estado regulamentar esse princípio, de forma a garantir a tutela desses bens.


Esse foi o marco, a nível internacional, do surgimento de um ramo do Direito capaz de regular as actividades do Homem efectiva ou potencialmente causadores de impactos negativos sobre o ambiente, visando a sua defesa e preservação para as gerações presentes e vindouras, numa clara ideia de solidariedade intergeracional.


Assim, surge o Direito do Ambiente que, pela sua juventude, apresenta-se com uma panóplia de contributos de outros ramos da Ciência Jurídica, sendo possível a sua observação de diferentes pontos de vista (a propósito, o Prof. Vasco Pereira da Silva utiliza uma expressão peculiar, na medida em que afirma a possibilidade de se observar o Direito do Ambiente, colocando vários “óculos” diferentes).


Não obstante esta sua particularidade, o Direito do Ambiente não perde a sua autonomia dogmática e, como qualquer disciplina jurídica autónoma, tem um conjunto de princípios orientadores que aqui, numa sumária e lacónica explanação, vamos evidenciar, com o objectiva de contribuir para um elevar do interesse num tratamento pormenorizado dos mesmos.


Como ensina o Prof. Gomes Canotilho, “os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fácticos e jurídicos. Permitem o balanceamento de valores e interesses (não obedecem, como as regras, à ‘lógica do tudo ou nada’), consoante o seu peso e ponderação de outros princípios eventualmente conflitantes”. São, portanto, padrões juridicamente vinculantes radicados na exigência de “justiça” ou na “ideia de direito”.


É tendo em conta esta tese que vamos elencar, de seguida, alguns princípios do Direito do Ambiente, por nós escolhidos, sendo certo que alguns deles, os mais importantes, já foram tratados por colegas, afigurando-se útil a chamada à colação de outros que ainda não foram mencionados ou trabalhados.


Posto isto, passámos a exposição dos ditos princípios:



1 - Princípio do Direito Fundamental ao Meio Ambiente Sadio e Equilibrado (art.66/1 CRP)



Constitui o primeiro princípio que a Declaração de Estocolmo de 1972 procurou assegurar, como direito fundamental do ser humano, decorrente da sua dignidade, uma vez que é a própria existência física e a saúde do Homem que está em causa.



Na Conferência do Rio /92 foi proclamado como Princípio 1 o direito dos seres humanos a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza.



Em Portugal, este princípio ganhou estatuto constitucional em 1976, estando hoje previsto no art. 66/1 CRP.



2 – Princípio da Cooperação (art. 3/e) LBA)



Os Princípios 7, 9, 12, 13 e 24 da Declaração do Rio /92 contemplam o princípio da cooperação entre Estados, para a solução de questões relacionadas ao meio ambiente.



O dever, a todos imposto, de defender o meio ambiente, acarreta, por consequência, a necessidade de todos cooperarem em tal defesa.



Trata-se de um princípio com abrangência suficiente para abraçar a colaboração entre Estados, entre Entes Políticos de um Estado e entre o Estado e a sociedade.


Assim, sob o Princípio em causa estariam abrigadas, v.g., a cooperação prevista em Tratados e Convenções internacionais, o repasse de recurso de um Ente Político para outro ou a contribuição, financeira ou não, que uma pessoa física ou jurídica preste ao Estado, tendo como meta a melhoria da qualidade ambiental.



3 - Princípio da Participação (art. 3/c) LBA)


O Princípio da Participação poderia ser tido como um afloramento do Princípio da Cooperação, pois participar é um modo de cooperar.


Todavia, a ideia de participação diferencia-se da cooperação: cooperar exige coesão de vontades, para que se possa operar juntamente, ao passo que a participação não descarta a ideia de oposição, pois estará participando quem, por exemplo, se manifesta contra um projeto de recuperação ambiental por considerá-lo insatisfatório. A cooperação, além disso, tem uma carga simbólica de ajuda material, ao passo que a participação pode limitar-se, por exemplo, ao comparecimento a uma audiência pública.


A participação ganha conotação especial no Direito do Ambiente, impondo-se ao Estado fomentá-la.


Leis ambientais várias contemplam generosamente a participação, destacando-se, a título de exmplo, a LAP (arts. 4 e ss), a Lei 35/98, de 18 de Julho (art. 6), a 173/2008, de 26 de Agosto (art. 15) e a Lei 69/2000, de 3 de Maio (art. 14).


O Princípio da Participação, assim diferenciado do Princípio da Cooperação,não só merece, como deve ser mantido.


4 – Princípio do Poluidor – Pagador (corolário da norma do art. 66/2 h) CRP; nasceu no quadro da OCDE – Recomendação C(72)I28, de 26 de Maio de 1972); art. 3/a) LBA


Impõe ao poluidor o dever de arcar com as despesas de prevenção, reparação e repressão da poluição, i. é o causador da poluição e da degradação dos recursos naturais deve ser o principal responsável pelas consequências da sua actuação.


Está em causa uma ideia de internacionalização dos custos ambientais: não seria justo que toda a sociedade arcasse com os custos de uma actividade que beneficia apenas um indivíduo.


Para mais desenvolvimentos, cfr. post nosso intitulado “Do Princípio do Poluidor Pagador: algumas considerações”.



5 – Princípio da Prevenção (art. 66/2 a) CRP e 3/a) LBA)


Um dos mais importantes e mais trabalhados (razão pela qual será pouco analisado nesta exposição) princípios do Direito do Ambiente, o Princípio da Prevenção estabelece que deve ser dada prioridade às medidas que evitem o surgimento de atentados contra o ambiente, de forma a reduzir ou eliminar as causas (faz todo sentido aqui a expressão “cortar pela raiz”) das acções susceptíveis de alterar a sua qualidade.


Respeita à ideia de perigo, por contraposição ao Princípio da Precaução, que se refere à ideia de risco.


6 – Princípio da Precaução


Igualmente objecto de múltiplos estudos, sobretudo no que se refere à discussão da sua autonomização ou não face ao Princípio da Prevenção.


Determina que, não havendo certeza acerca do impacto de certa conduta para o ambiente, se deve optar pela não realização da actividade (ideia de “in dubio pro ambiente”).


Referindo-se à ideia de risco, assenta na tendência natural das actividades humanas causarem dano ao ambiente e na incerteza científica acerca desta possibilidade e dos efeitos que dela poderão decorrer.


Essa incerteza científica é favorável ao ambiente, tendo o interessado o ónus de provar que as intervenções por ele pretendidas não trarão consequências indesejáveis ao meio ambiente. Esta inversão do ónus da prova é apresentado como um dos principais argumentos para refutar a autonomização do Princípio da Precaução.



7 – Princípio do Desenvolvimento Sustentável (art. 66/2 CRP e 3/b) LBA)


Traduz a ideia de compatibilização da actuação da economia com a preservação do equilíbrio ecológico.


A sua formalização expressa decorre do Princípio nº 4 da Declaração da RIO/92, segundo o qual: "Para se alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção do meio ambiente deve constituir parte integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente em relação a ele".


O seu escopo é equacionar, conciliar e encontrar um ponto de equilíbrio entre atividade económica e o uso adequado, racional e responsável dos recursos naturais, respeitando-os e preservando-os para a gerações actuais e subsequentes, nestes termos, representado o grande "desafio" da humanidade nos tempos que correm.


A grande divergência entre economia e meio ambiente consiste no facto de que a natureza é estruturada em eventos cíclicos, ao passo que a economia em comportamentos lineares. Enquanto no meio ambiente um determinado comportamento humano pode gerar um impacto ambiental, seguindo-se-lhe um efeito em cascata passível de afectar o próprio ser humano, ante a interdependência e interconexão dos seres e elementos que compõem o globo terrestre; na economia o que importa é a lei da oferta e da procura, a busca de novos mercados, i. é o lucro, mesmo que à custa de danos ao meio ambiente, considerados, invariavelmente, como externalidades na visão do empresário desavisado e descompromissado socialmente. É da colisão destes segmentos que se afiguram inúmeros danos ao meio ambiente, colocando em risco o equilíbrio ecológico e a sobrevivência das espécies no planeta, inclusive da humana.


Por conta de tais razões, o Princípio do Desenvolvimento Sustentável é de vital importância, por se tratar de um Princípio que tem embutida a finalidade de assegurar a transmissão de um planeta saudável para as futuras gerações (cfr. 66/2 d) CRP).



8 – Princípio da Responsabilidade por Danos Ecológicos (art. 3/h) e 41 LBA; art. 22 e ss LAP e DL 147/2008, de 29 de Julho)


O espaço do Princípio da Responsabilidade encontra-se reduzido quando admitida a existência do Poluidor-Pagador, de modo que à responsabilização resta a composição dos danos ambientais decorrentes de actos ilícitos e, por exceção, decorrentes de actos lícitos que não tenham sido satisfatoriamente resolvidos pela aplicação daquele Princípio.


Admite-se, portanto que, se o acesso a um bem da natureza gerou consequências danosas imprevisíveis, o beneficiário da outorga pode, não obstante tenha pago pelo acesso, ser responsabilizado pela reparação integral do dano. Desta maneira, o lançamento de efluentes (autorizado com base no Princípio Poluidor-Pagador) causar dano ambiental não previsto o beneficiário da outorga ou da autorização responderá, cabalmente, pela restauração ou recuperação da natureza.


A reparação deve ser “in natura”, admitindo-se o pagamento de indemnização somente na impossibilidade daquela. De resto, parece resultar do art.48 da LBA a primazia à reconstituição natural.


Assim sendo, na reparação “in natura” deve-se considerar uma sequência lógica, qual seja: a) restauração; b) recuperação; c) cumprimento de medidas compensatórias cujos efeitos mais se aproximem da restauração ou recuperação; e, por fim, d) cumprimento de medidas compensatórias não relacionadas diretamente com os danos causados, exceto, ressalve-se, no que tange à proporcionalidade.


Ademais, parece recomendável que na aplicação do Princípio da Responsabilização sempre seja contemplada uma margem considerável de segurança, de modo que se possa assegurar que, ao final, resultará uma melhoria da qualidade ambiental.



Enfim, este era, em traços largos, os princípios que aqui queríamos tratar, laconicamente, embora, esperando ter contribuído para que mais estudos sobre estes e outros princípios de Direito do Ambiente sejam levados a cabo, com vista ao enriquecimento da doutrina jus-ambiental.




Ângela Maria Varela, subturma 1





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