terça-feira, 12 de abril de 2011

NO DIREITO DO AMBIENTE, QUEM ASSUME O RISCO E A QUE TÍTULO?


O risco é um conceito com o qual lidamos diariamente e algo que consciente ou inconscientemente modela e até determina a nossa actuação enquanto seres humanos. Haverá sempre uma ponderação do risco em cada decisão, porquanto pensamos sempre nas consequências, imprevisibilidades e danos que delas poderão advir. Com efeito, quando pensamos em risco, pensamos no desconhecido, ou melhor na incerteza dum qualquer facto que possa pôr em causa as convicções ou previsões que temos da nossa actuação. No entanto, esta realidade que todos conhecemos é algo de exterior ao Direito. Ainda assim, o risco assume especial relevância jurídica, nomeadamente quando estão em causa contratos (seguro, alteração das circunstâncias, etc.). Pensar no risco que conhecemos do Direito Privado é pensar, por exemplo, na transferência do risco no contrato de seguro, transferência esta que nos surge muitas vezes associada ao perigo, ou ainda melhor, à imprevisibilidade. E, voltando ao exemplo do contrato de seguro, esta transferência do risco acarreta, naturalmente, um custo, uma vez que pela natureza das coisas será aquele que actua a acarretar a responsabilidade por uma imprevisibilidade, perigo ou dano proveniente dessa mesma actuação.

Falar em risco no âmbito do Direito do ambiente assume contornos bastante distintos. Efectivamente, nas palavras de CARLA AMADO GOMES, “a questão da imprevisibilidade do risco é consumida numa ideia amplificada de prevenção, e este princípio acaba por se assumir também como fundamento material da actividade da Administração no tocante ao controlo do risco.”[1] Exemplificando esta ideia, é uma opção da Administração, em Portugal, a não inclusão da energia nuclear na produção de energia eléctrica, por considerar que existem, associados a essa forma de produção de energia, riscos elevados para o ambiente, riscos estes que decorrem da incerteza do acontecimento dum facto, ainda que essa possibilidade seja remota, que danifique o meio ambiente.

Seguindo ainda o entendimento de CARLA AMADO GOMES, o risco ambiental é “um fenómeno que se reflecte sobre a existência ou capacidade regenerativa de um bem natural ou de um conjunto de bens naturais; (…) um fenómeno de ocorrência e/ou intensidade imprevisíveis, tendo por referência os dados da experiência e os conhecimentos técnico-científicos genericamente aceites; (…) um fenómeno, quer provocado pela intervenção humana na Natureza – de forma instantânea ou sucessiva - , quer por acção das forças da própria Natureza.”[2]

Desta forma, e definido que ficou o risco ambiental, torna-se difícil prever quem assumirá as consequências deste risco, muito diferente do que acontece, por exemplo, no Direito dos Contratos. É que, quando falamos em ambiente, falamos num bem colectivo e de duração indefinida. Quando pensamos no risco associado aos contratos, há geralmente um tempo de validade (ainda que estejamos perante um contrato por tempo indeterminado, a vontade das partes pode fazê-lo cessar a qualquer momento) e um controlo das partes envolvidas sobre esse mesmo contrato. No risco ambiental esta cessação não será possível.

Posto isto, cabe perguntar: no Direito do Ambiente, quem assume o risco e a que título? Já sabemos que a Administração, enquanto garante, o assumirá sempre em última instância, podendo exigir “contrapartidas” aos lesantes. Contudo, o risco ambiental é algo que na maioria dos casos apenas se revelará, ou melhor, deixará de ser um risco para ser uma certeza (proveniente dum facto lesivo do meio ambiente) a muito longo prazo. Não será então de questionar se as nossas actuações quotidianas (incluindo, por exemplo, o acto individual de consumo de bens “não amigos” do ambiente) não estão a gerar uma certeza futura de que as próximas gerações arcarão com as consequências nefastas destas nossas actuações levianas de hoje, e desta forma não estarmos perante um verdadeiro risco, mas antes um custo efectivo cuja factura apenas será paga num futuro que não podemos, no momento da actuação, definir? E a resposta parece ser afirmativa. Assim será sempre que o prejuízo para o ambiente na actuação de cada um seja superior à capacidade regenerativa do próprio ambiente. Será que nós, enquanto principais actores, estamos verdadeiramente a assumir este risco, sendo certo que essa assunção é algo que aparentemente trará verdadeiros custos? Não parece que assim seja. Agimos, muitas vezes irreflectidamente, sem que com isso previnamos qualquer acontecimento futuro. E aqueles que virão mais tarde, deparar-se-ão com um cenário, que em nada lhes pode ser imputado, sem que para tal sejam de todo em todo compensados. Voltando atrás na História, podemos facilmente encontrar um exemplo. Aquando da Revolução Industrial, não houve qualquer preocupação ambiental durante dezenas de anos, tendo-se poluído gratuitamente. Nos anos 90 o buraco do ozono já afectava milhões de pessoas e então começou a luta contra a degradação ambiental, luta essa que implica custos, traz dificuldades e é penosa tanto para os Estados, como para as empresas e os consumidores que, em último grau, pagarão o custo a isto associado. É certo que o facto de a evolução tecnológica e industrial ter sido rápida, e para tal ter contribuído o facto de não ter havido custos relativos ao cuidado ambiental, nos permitiu hoje atingir um nível de desenvolvimento que colocou ao nosso alcance meios para travar os próprios impactos ambientais que foram criados por esta evolução. Não obstante, cumpre saber se o benefício desta evolução tecnológica e ambiental, que a todos beneficia, permitiu e permite um aumento de qualidade de vida, é superado pelo prejuízo ambiental que daí adveio. A balança não parece indicar nesse sentido.

Terão, por um lado, as gerações futuras também a responsabilidade de arcar com estes custos/prejuízos sem para que para eles tenham contribuído? E, por outro lado, será possível definirmos qual o valor desse mesmo custo? Não nos podemos alhear do facto de, nessa definição, existirem desigualdades à escala mundial. Assim é porque existem aqueles que aproveitam a evolução em muito maior medida do que outros (basta contrapor, por exemplo, os Estados Unidos à Malásia). Àqueles que maior proveito retiram, e maior prejuízo causam, deverá ser imputada muito mais responsabilidade do que àqueles que em pouco tenham beneficiado dessa opção, e que até muitas vezes dela não tenham participado. Esta ideia leva-nos a pensar na globalização actual, e na falta de controlo e equidade que existe, dado que o ambiente é definitivamente um bem de todos e para todos, sem o podermos com facilidade fisicamente delimitar ou avaliar individualmente. E, ainda quanto a esta questão, não podemos esquecer-nos que o risco ambiental que um Estado assuma pode aproveitar a outros, da mesma forma que o acidente/impacto ambiental num Estado pode facilmente prejudicar outros. Houve uma globalização económica, industrial, das comunicações, é certo, mas talvez seja tempo de haver uma globalização política de forma que estas questões levantadas sobre o aproveitamento por um Estado duma actuação de outro e a decisão de politicas ambientais seja controlada, avaliada e decidida por instâncias também estas globais.

Retomando a ideia base, a assunção do risco caberá, em termos práticos e efectivos, a gerações que não foram tidas na tomada de decisões com impacto ambiental, não sendo possível descortinar a que título, pelo menos jurídico. A final, será sempre o Estado a assumir este risco, e portanto assume-o hoje duma consequência futura que arcará. No entanto, o povo enquanto elemento do Estado, não será o mesmo. E é precisamente aqui que encontramos irreflexão e injustiça, material ou relativa, na decisão do decisor quando estão envolvidos riscos ambientais. Ainda que por força da actuação económica e da inerente existência de externalidades negativas possa haver ressocialização destas, através de impostos, como são exemplo os impostos ambientais, cumpre saber se estes são suficientes para custear esta assunção do risco. Esta questão colocar-se-á sempre que o risco que esteja a ser assumido seja de tal forma difícil de quantificar que para que fosse totalmente coberto criaria entraves intransponíveis para o desenvolvimento industrial e económico.



[1] Cfr. CARLA AMADO GOMES, Subsídios para um quadro principiológico dos procedimentos de avaliação e gestão do risco ambientel, in Textos Dispersos de Direito do Ambiente – I Vol.

[2] Cfr. CARLA AMADO GOMES, Subsídios para um quadro principiológico dos procedimentos de avaliação e gestão do risco ambientel, in Textos Dispersos de Direito do Ambiente – I Vol.

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