quinta-feira, 28 de abril de 2011

Globalização da Cidadania Empresarial

1.      Introdução
O trabalho em causa foca, na esfera das relações internacionais, o ângulo da globalização de conceitos de cidadania empresarial e responsabilidade social, a serem exportados pelos países desenvolvidos para o resto do mundo através de empresas, parcerias e organizações governamentais e não governamentais.

2.      Introdução histórica[1]

Cidadania empresarial não é uma questão nova. Já no séc. XIX, Auguste Comte colocara a questão da responsabilidade social das empresas ao considerar que os industriais deveriam aceitar desempenhar uma função social[2]. Na mesma linha, a Doutrina Social da Igreja Católica procurou limitar a total discricionariedade na utilização da propriedade privada, atribuindo-lhe uma função social. Em 1798 surge o “Ensaio sobre o Principio da população e o seu efeito no desenvolvimento futuro das sociedades” de Robert Thomas Malthus.
Contudo, é a partir da década de 1960 que a preocupação com o impacto ambiental do desenvolvimento económico assume uma dimensão notável, sendo levado em consideração não só a já conhecida responsabilidade face às pessoas; passa-se a combinar o bem-estar económico com a dinâmica social e o pluralismo politico.
A conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano (Estocolmo 1972) constituiu o primeiro fórum internacional de discussão do estabelecimento de um programa de contenção e prevenção da poluição industrial. Desta Conferência resulta a criação do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA) cuja missão é a de tratar exclusivamente das questões relativas à gestão ambiental.
Em 1987, o Relatório Brundtland constitui um documento fundamental enquanto principio orientador das futuras estratégias de crescimento económico e de desenvolvimento humano. A politica anterior que preconizava uma redução substancial ou mesmo paragem do crescimento, é agora substituída por uma dinâmica de “desenvolvimento sustentável”.
A Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente e Desenvolvimento de 1992 (Cimeira do Rio ou da Terra) representou a consciencialização internacional para a necessidade do estabelecimento de uma verdadeira política de desenvolvimento sustentável, a nível global. Trabalha no sentido do estabelecimento de acordos internacionais que respeitem os interesses de todos e protejam a integridade do ambiente global e dos sistemas de desenvolvimento e proclama, nos seus princípios, que os seres humanos estão no centro das preocupações do desenvolvimento sustentável e que têm direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com a natureza. A “Agenda 21” é a resolução mais importante da Cimeira do Rio e consolida os três pilares em que se deve alicerçar qualquer estratégia de desenvolvimento sustentável – equidade social, ambiente e economia. A Assembleia Geral das Nações Unidas ao Conselho Económico e Social cria, em 1993, uma Comissão de alto nível para o Desenvolvimento Sustentável, com a missão de promover o cumprimento da implementação da Agenda 21.
Mais tarde, as preocupações deixam de se centrar apenas nas questões estritamente relacionadas com a poluição de degradação ambiental, reconhecendo na Cimeira Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (2002) a necessidade de reforçar os pilares do desenvolvimento sustentável – desenvolvimento económico, desenvolvimento social e protecção ambiental, aos níveis local, nacional, regional e global. É reconhecida a necessidade de assegurar uma distribuição mais equitativa dos custos/benefícios da globalização social e económica em curso.
Jones (1996) faz uma abordagem crítica ao conceito de responsabilidade social corporativa, concluindo que o conceito e discurso da responsabilidade social corporativa carecem de coerência teórica, validade empírica e viabilidade normativa, mas que oferecem implicações para o poder e conhecimento dos agentes sociais. Considera que os argumentos a favor se enquadram em duas linhas básicas, as quais ele classifica como linhas ética e instrumental. Os argumentos éticos derivam dos princípios religiosos e das normas sociais prevalecentes, considerando que as empresas e pessoas que nelas trabalham deveriam ser conduzidas a se comportar de maneira socialmente responsável, por ser a acção moralmente correcta, mesmo que envolva despesas improdutivas para a empresa. Os argumentos, a favor, na linha instrumental consideram que há uma relação positiva entre o comportamento socialmente responsável e a performance económica da empresa. Justifica-se esta relação por uma acção proactiva da empresa que busca oportunidades geradas por uma maior consciência sobre as questões culturais, ambientais e de género; uma antecipação e evitação de regulações restritivas à acção empresarial pelo governo; e uma diferenciação de seus produtos diante de seus competidores menos responsáveis socialmente.
Cidadania empresarial é um termo que vem recebendo atenção e promoção do governo americano. Em 1996, o Presidente dos Estados Unidos da América, Bill Clinton, promoveu uma conferência reunindo empresários, líderes trabalhistas e estudantes para discutir, disseminar e incentivar práticas de cidadania empresarial. Clinton destaca cinco princípios da cidadania empresarial: ambientes de trabalho favoráveis à vida familiar dos empregados, seguro saúde e plano de previdência, segurança no trabalho, investimento nos empregados e parceria com os empregados.

3.      Cidadania empresarial/responsabilidade social

a.      Definição

De uma forma geral, existe responsabilidade social sempre que uma empresa desenvolve a sua acção numa perspectiva de criação de valor no domínio económico, social e ambiental. A empresa responsável é aquela que se preocupa com as consequências de todos os processos que desenvolve, limitando os respectivos impactos negativos e reforçando os aspectos positivos ao nível económico, ambiental e da comunidade. A empresa surge como um actor social sem deixar de prosseguir o seu objectivo de criação de riqueza. Pressupõe que a procura de benefícios económicos deve tomar em consideração o tecido humano da estrutura empresarial, a comunidade e o ambiente.
Visão europeia: “conceito segundo o qual, as empresas e instituições decidem, numa base voluntaria, contribuir para uma sociedade mais justa e um ambiente mais limpo, ou seja a integração voluntária de preocupações sociais e ambientais por parte das organizações, nas suas operações correntes e na sua interacção com todas as partes interessadas”.[3]
Visão do “Grupo de Paris” – a responsabilidade social das empresas promove o desenvolvimento organizacional e os resultados económicos, pelo que deve ser entendida como uma ferramenta de gestão que visa promover a sustentabilidade nas suas vertentes.[4]
Uma empresa socialmente responsável, em termos do seu planeamento estratégico, deverá ser capaz de contribuir para os valores da comunidade em que se insere, em todos os domínios da vida humana (trabalho, ambiente…), aproximando as sociedades, pautada por mais justiça e equidade social.
Popularmente, este conceito tem sido tratado de maneira bastante instrumental, ou seja, como algo que traria vantagem competitiva à organização frente à crescente concorrência e seu aspecto mais ressaltado tem sido o de investimento na comunidade através de projectos ou acções sociais com recursos transferidos por empresas. Com o processo de globalização da economia, o tema tem vindo a ganhar mais importância, o que é explicado pelo impacto dos investimentos internacionais sobre as comunidades locais onde são aplicados. Para empresas que possuem operações em diversas partes do globo, far-se-ia necessário, então, desenvolver uma política de investimentos sociais, comunitários ou ambientais que tivesse consistência em todas as unidades da corporação, seguindo a máxima: “pensar globalmente, agir localmente”.[5]
Responsabilidade social inclui uma panóplia de conceitos e práticas, nas quais se incluem a necessidade de adequar as estruturas de gestão das empresas e organizações, a implementação de medidas de segurança no local de trabalho e a adopção de procedimentos ambientalmente sustentáveis.

b.      Razões da sua existência

Novos factores competitivos são exigidos no mercado dos agentes económicos: é necessário atender, além das variáveis financeiras, tecnológicas ou consequências ambientais e sociais das suas decisões, à responsabilidade social como activo económico e social decisivo.
A tomada em consideração das exigências éticas da empresa não negam o lucro ou a performance. Tornam-se antes uma necessidade económica, não só porque é importante em termos de estratégia de gestão, mas também porque as empresas são cada vez mais avaliadas em função de critérios de posicionamento ético e de exercício da sua cidadania. Além disso, os novos desenvolvimentos políticos e económicos, ao reduzirem o papel do Estado/Nação enquanto instrumento privilegiado de regulação, abriram espaço para uma maior intervenção das empresas e da sociedade civil. Uma certa transferência da responsabilidade reguladora do Estado para a sociedade, que tornou incontornável a assunção de uma crescente responsabilidade civil por parte das empresas.
Na reunião da Organização Internacional de Standards em Santiago, Chile (Setembro 2008) concluiu-se que era necessária protecção do consumidor e de questões ambientais. Isto inclui a protecção dos consumidores de possíveis riscos que certos bens ou serviços possam comportar para os mesmos ou para o ambiente (ex: produtos derivados da nano tecnologia ou biotecnologia como organismos geneticamente modificados). A maior resolução foi que as entidades (empresas, governos, organizações não governamentais) terão responsabilidade na sua esfera de influência. Por exemplo, uma empresa não deve dizer que é socialmente responsável se produz o seu produto noutro país sem considerar práticas laborais ou o modo como os bens são produzidos. A resolução prevê que de futuro seja mais difícil não “olhar” para estes comportamentos. É referido que todas as entidades devam respeitar a legislação nacional e internacional, podendo procurar a melhor legislação para a segurança e benefício dos indivíduos.[6]

c.       Efeitos[7]

i.        Sociais – referentes ao modo como a empresa lida com o seu capital humano e com a comunidade envolvente; a implementação e desenvolvimento da empresa não pode deixar de ter em conta e, do mesmo modo, investir e envolver a comunidade de acolhimento.
ii.         Económicos – integração prática de uma gestão socialmente responsável nas linhas estratégicas globais da empresa; tratamento transparente das estratégias e resultados conseguidos a partir do diálogo com todas as partes interessadas.
iii.       Ambientais – concentração não apenas no impacto ambiental dentro da própria empresa mas sobretudo na sua envolvente; houve uma preocupação acrescida com a utilização coerente e racional dos recursos naturais e materiais envolvidos directa ou indirectamente na actividade produtiva.
[8]  Todas as grandes empresas fazem gestão de resíduos e conforme as actividades assiste-se à substituição de materiais poluentes e à existência de ETAR’s próprias; quanto às PME, várias empresas operam à recolha de sucata e reciclagem de materiais.
§  Responsabilidade empresarial na escolha do local e construção das instalações da empresa
§  Produção/fornecimento de serviços menos poluentes, menor consumo de energia e menores desperdícios.
§  Conhecimento do contexto biológico e respeito pela biodiversidade
§  Controlo dos e responsabilização pelos impactos da intervenção humana

4.      Conclusão
Apesar da maioria das definições encontradas darem à cidadania empresarial uma conotação discricionária, encontramos em alguns autores uma preocupação pelo desenvolvimento do conceito de cidadania empresarial para um espectro mais amplo, permeando toda a organização, tendo como pano de fundo o desenvolvimento sustentável e estando, desta forma, presente em seu processo decisório como um todo e não apenas em projectos específicos.
O conceito de responsabilidade social corporativa vem consolidando-se como um conceito intrinsecamente interdisciplinar e multidimensional. Portanto, o conceito requer a sua incorporação à orientação estratégica da empresa, reflectida em desafios éticos para as dimensões económica, ambiental e social dos negócios.[9]
A globalização da cidadania empresarial não deve ser vista de uma posição defensiva ou de desculpabilização. O papel do negócio na sociedade é fazer negócio e a globalização da cidadania empresarial não deve desenvolver-se da ideia de consciência pesada ou do sentimento de que um deve dar e responder às necessidades da sociedade. A globalização da cidadania empresarial é uma extensão lógica da procura por consistência e sustentabilidade por parte das empresas no seu relacionamento global; e ainda traz valor para as empresas e para o espaço em que estas se relacionam.



[1] Maria João Nicolau Santos, José Luís Almeida e Silva, José Sampaio e Mariana Leite Braga; Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Empresarial; IN Sociedade e Trabalho; nº22; DGEEP; Lisboa, Outubro de 2004; pp.100 e ss
[2] Rui Moura; Responsabilidade Social das Empresas – mudar o registo da gestão empresarial; IN Sociedade e Trabalho; nº27; DGEEP; Lisboa, Fevereiro de 2006; pp.59 e 60.
[3] Luís Bento; Da CSR – Corporate Social Responsability à RSO – Responsabilidade Social das Organizações, alguns contributos para reflexão; IN Sociedade e Trabalho; nº17/18; DEEP; Lisboa, Outubro de 2003; pp.33.
[4] Luís Bento; Da CSR – Corporate Social Responsability à RSO – Responsabilidade Social das Organizações, alguns contributos para reflexão; IN Sociedade e Trabalho; nº17/18; DEEP; Lisboa, Outubro de 2003; pp.35.
[5] Patrícia Almeida Ashley, Renata Buarque Goulart Coutinho; Patrícia Amélia Tomei; Responsabilidade Social Corporativa e Cidadania Empresarial: uma análise conceitual comparativa; http://www.agenda21empresarial.com.br/web213/Library/_ResponsabilidadeSocialCorporativaeCidadania.pdf
[7] Maria João Nicolau Santos, José Luís Almeida e Silva, José Sampaio e Mariana Leite Braga; Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Empresarial; IN Sociedade e Trabalho; nº22; DGEEP; Lisboa, Outubro de 2004; pp.107
[8] Rui Moura; Responsabilidade Social das Empresas – mudar o registo da gestão empresarial; IN Sociedade e Trabalho; nº27; DGEEP; Lisboa, Fevereiro de 2006; pp.68
[9] Patrícia Almeida Ashley, Renata Buarque Goulart Coutinho; Patrícia Amélia Tomei; Responsabilidade Social Corporativa e Cidadania Empresarial: uma análise conceitual comparativa; http://www.agenda21empresarial.com.br/web213/Library/_ResponsabilidadeSocialCorporativaeCidadania.pdf

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