segunda-feira, 25 de abril de 2011

A Constituição e o Dever Fundamental de Respeitar o Ambiente

1. Introdução

A Constituição de 1976 (CRP), ao contrário dos textos constitucionais anteriores, consagra o Ambiente como um valor jurídico. Estas preocupações ambientais, de acordo com a opinião de VASCO PEREIRA DA SILVA que assim ultrapassa a velha querela doutrinária quanto à qualificação do Direito do Ambiente como direito fundamental ou mera tarefa estadual, encontram-se consagradas nos artigos 9.º, alíneas d) e e) e 66.º CRP numa dupla perspectiva: enquanto tarefa fundamental do Estado, numa dimensão objectiva, e enquanto direito fundamental, numa dimensão subjectiva [1]. Como bem refere este autor, “(…) a referência à promoção dos direitos ambientais como tarefa estadual, (…), vem «fazer a ponte» entre a tutela objectiva e a protecção subjectiva do ambiente, ao mesmo tempo que parece mostrar a preferência do legislador constituinte por um modelo predominantemente subjectivista.” [2].
Todavia, não parece correcto que apenas se encare o Ambiente como um direito fundamental ou uma tarefa do Estado, devendo este ser tratado também como um dever que impende sobre todos, Estado e particulares. Contrariando, então, a tendência da nossa doutrina constitucionalista pretende este comentário tratar do direito ao ambiente enquanto dever de respeitar o ambiente.


2. O Ambiente enquanto dever

Como ficou claro pelas considerações tecidas anteriormente, o sistema constitucional português privilegia nitidamente os direitos, deixando os já poucos deveres previstos na nossa Constituição para segundo plano. Todavia, é impossível negar – quanto mais não seja por apelo a um argumento literal – que o artigo 66.º, n.º 1, in fine CRP consagra também um dever fundamental de respeito do ambiente. Aliás, tal figura é de extrema importância uma vez, como bem ilustram as palavras de TIAGO ANTUNES, “No fundo, o dever de tutela do ambiente acresce, quer à tarefa estadual ou incumbência pública fundamental de protecção da natureza (art.º 9.º, alínea e) da Constituição), quer ao próprio direito de todos os cidadãos «a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado» (art.º 66.º, n.º 1 da Constituição), trazendo novas dimensões e novos contributos – da maior importância – que desenvolvem, completam e aperfeiçoam o tratamento constitucional do ambiente.” [3]. Cumpre, então, analisar esta figura jurídica.
O dever de respeitar o ambiente é um dever fundamental proprio sensu, ou seja, não existe um direito a ela contraposto. De facto, o dever fundamental de respeitar o ambiente não é simétrico do direito fundamental do ambiente, não é a posição jurídica passiva de uma posição jurídica activa; estamos perante realidades autónomas. Concretizando esta ideia, pode dizer-se que apesar de em certas circunstâncias o direito ao ambiente vincular os particulares a determinadas obrigações de respeito pela qualidade ambiental dos demais, o dever fundamental de protecção do ambiente extravasa destes efeitos horizontais do direito ao ambiente, criando obrigações novas que correspondem exclusivamente à execução de um dever fundamental [4]. Vejamos, então, exemplificativamente, a que corresponde este dever.

Em primeiro lugar, podem conceber-se certas obrigações de respeito e de protecção de seres vivos – sejam estes animais ou plantas – que, por não terem personalidade jurídica, nunca poderiam ser titulares do direito fundamental ao ambiente e que viam, assim, a sua protecção e tutela jurídicas irrealizáveis por via dos direitos fundamentais (refira-se a título de curiosidade que assim se ultrapassa, aliás, a antiga discussão doutrinária que opunha “ecocentristas” e “antropocentristas”).
Em segundo lugar, adoptando-se esta perspectiva dos deveres e pensando-se imediatamente no Princípio da Solidariedade Inter-geracional consagrado no artigo 66.º CRP, pode mencionar-se a protecção do ambiente para as gerações futuras. Exactamente por serem futuras, estas gerações não podem ser titulares de direitos porque ainda não têm personalidade jurídica. Ora, como se pode concluir, a protecção do ambiente para as gerações futuras não pode ser feita através do direito ao ambiente mas tão-somente através do dever fundamental de respeitar o ambiente. “Em suma, não existe um direito dos nossos descendentes ao ambiente, mas existe um dever (nosso) de proteger o ambiente para que tais descendentes o possam gozar (dever esse que, como está mais que provado e aqui mais uma vez se demonstra, não tem contraponto em qualquer direito).” [5]
Em terceiro lugar, pode dizer-se que existe também um dever fundamental de protecção do ambiente para com a Humanidade uma vez que os povos que a integram não podem ser titulares do direito fundamental ao ambiente, já que este apenas diz respeito aos cidadãos individualmente considerados. Este ponto assume principal importância quando se sabe que qualquer ofensa ao Ambiente não afecta apenas a zona em que ocorre mas, sim, todo o Mundo (por exemplo, e pensando numa situação muito recente, o terramoto de 11 de Março no Japão e os subsequentes problemas na central nuclear de Fukushima afectaram não só as zonas envolventes mas houve também poeiras radioactivas potencialmente perigosas que chegaram à Europa). No fundo, em matéria de Ambiente, não há quaisquer barreiras e nenhum fenómeno poluente é estanque e inconsequente para o resto do planeta, devendo perspectivar-se a tutela ambiental do ponto de vista dos deveres, não sendo possível fazê-lo por via dos direitos.
Em quarto e último lugar, há que considerar a matéria dos direitos económicos, sociais e culturais. Ora, estes não têm eficácia horizontal, não tendo qualquer eficácia para com terceiros nem vinculando entidades privadas, mas apenas o Estado. Assim, todas as obrigações ambientais que não puderem resultar do direito ao ambiente por estar em causa a respectiva dimensão de direito social, enquadrar-se-ão no dever fundamental de respeitar o ambiente.

Por fim, resta apenas referir que o cumprimento dos deveres fundamentais não pode ser exigido invocando directamente a Constituição uma vez que estes não são imediatamente exequíveis. A sua exequibilidade (e coercibilidade) depende de concretização legal, mas sempre por referência à Constituição da República sob pena de se perder a força constitucional do dever. Como bem sumariza TIAGO ANTUNES, “Por outras palavras, os deveres consagrados na Constituição, embora imperativos, só se tornam verdadeiramente cogentes mediante uma lei que estabeleça as formas concretas ou modalidades de exercício desses deveres, o quantum das obrigações que impendem sobre cada sujeito e as consequências decorrentes do respectivo incumprimento. (…) Convém, no entanto, alertar para o seguinte: a concretização legislativa de deveres fundamentais deverá sempre ser efectuada em atenção ou por referência ao respectivo preceito constitucional, sob pena de já não nos encontrarmos perante a densificação de um dever constitucional, mas antes perante a criação de um dever de valor meramente legal.”[6].

Raquel Maia Arêde (N.º 17512)
4.º Ano, Subturma 3


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[1] PEREIRA DA SILVA, Vasco, Verde, Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente. Coimbra: Almedina, 2002, p. 84.
[2] PEREIRA DA SILVA, Vasco, Como a Constituição é Verde (in Nos 25 anos da Constituição da República Portuguesa de 1976). Lisboa: Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 2001, p. 8.
[3] ANTUNES, Tiago, Ambiente: um direito, mas também um dever (in Estudos em Memória do Professor Doutor António Marques dos Santos, volume II). Coimbra, 2005, p. 646.
[4] ANTUNES, Tiago, Ambiente…, pp. 655-656.
[5] ANTUNES, Tiago, Ambiente…, p. 658.
[6] ANTUNES, Tiago, Ambiente…, pp. 660-661.

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