segunda-feira, 25 de abril de 2011

O Ambiente é ou não um direito subjectivo?

Considerando-se que o direito do ambiente se trata de um conjunto de normas e princípios que atendem à relação entre o homem e o meio ambiente, é importante impedir a degradação do estado dos recursos e não colocar em causa o desenvolvimento económico-social da sociedade, assim como alertar para a qualidade do ambiente. Com efeito, entende-se que o ambiente é um conjunto de sistemas ecológicos e pode mesmo afirmar-se que é humanizado.
Assim, há um dever de respeito por todo o ambiente estando subjacente à justiça e solidariedade que todos devemos ter, cada vez mais, relativamente a todo o “globo”, note-se que não tem que existir uma relação directa com um determinado elemento ou bem natural, por exemplo relativamente a uma arvore, o que se pretende é que haja uma fruição/preservação de todo ambiente, sob pena de a degradação de uma determinada zona se alastrar a um todo nacional.
Seguindo o professor Vasco Pereira da Silva a melhor forma de defender o ambiente está na consciência de cada pessoa e não na personificação das realidades ambientais.

Análise do art.9º e 66º CRP:
Artigo 9º/e) - tarefa fundamental do Estado a defesa da natureza e do ambiente e a preservação dos recursos naturais.

Artigo 9.º
Tarefas fundamentais do Estado
São tarefas fundamentais do Estado:
(…)
e) Proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território;

Artigo 66º/2 – é uma concretização da tarefa fundamental do art.9º em que se prevêem determinadas incumbências, é uma tutela objectiva. Por isso, o Estado tem determinados deveres ambientais, entre os quais, a prevenção e controlo da poluição, a valorização da paisagem, a promoção do aproveitamento racional dos recursos naturais, a criação de parques naturais e a classificação de sítios e paisagens protegidas, a compatibilização entre o desenvolvimento económico e a protecção do ambiente e da qualidade de vida, etc. É importante destacar a alínea d) do n.º 2 do referido artigo, porque há uma referência ao princípio da solidariedade inter-geracional, realçando assim que existe uma continuidade na utilização dos recursos naturais e por isso é necessário salvaguardar a sua capacidade de renovação.

Artigo 66.º
Ambiente e qualidade de vida
2. Para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos:
a) Prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão;
b) Ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correcta localização das actividades, um equilibrado desenvolvimento sócio-económico e a valorização da paisagem;
c) Criar e desenvolver reservas e parques naturais e de recreio, bem como classificar e proteger paisagens e sítios, de modo a garantir a conservação da natureza e a preservação de valores culturais de interesse histórico ou artístico;
d) Promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica, com respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações;
e) Promover, em colaboração com as autarquias locais, a qualidade ambiental das povoações e da vida urbana, designadamente no plano arquitectónico e da protecção das zonas históricas;
f) Promover a integração de objectivos ambientais nas várias políticas de âmbito sectorial;
g) Promover a educação ambiental e o respeito pelos valores do ambiente;
h) Assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com protecção do ambiente e qualidade de vida.


Artigo 66º/1 - há uma tutela do ambiente face às necessidades do Homem, porque é uma “peça” importante no ambiente e deve promover o equilíbrio ecológico. Ao analisar o art.66.º/1 1.ªparte discute-se uma dimensão subjectiva do ambiente. Essa dimensão é dificilmente compatível com a ideia de fruição geral do bem ambiente. Assim, cumpre analisar se de facto se trata ou não de um direito subjectivo.

O entendimento do ambiente enquanto direito subjectivo, tem algumas divergências na nossa doutrina, por isso cumpre analisar:

A FAVOR:
Segundo Pereira Reis, entende-se como sendo um direito subjectivo com base nas agressões que se verificam diariamente contra o meio ambiente, permitem verificar que se tratam de comportamentos que atingem os homens. Assim, este autor entende que há noção ampla de ambiente, pois abrange tudo o que se refere à nossa existência.


Para o Sr. Professor Vasco Pereira da Silva (regente da cadeira) considera como sendo um direito fundamental, por isso, é um direito subjectivo, não tem de existir uma fruição individualizada, porque os direitos fundamentais são elementos fundamentais da comunidade. Deve orientar-se pelo principio da dignidade humana. Tem uma dupla dimensão, na medida em que, a dimensão negativa atende a defesa contra agressões de entidades publicas e privadas, e uma dimensão positiva enquanto valores e principios de toda ordem jurídica.

Assim, estes autores consideram que há uma noção ampla de ambiente, tratando-se então de um direito de personalidade instrumental, assim são uma ampliação dos direitos a saude e a qualidade de vida. Para eles, o meio ambiente e sempre uma extensão da personalidade humana, pelo que a relação de defesa deve ser reportada a esfera individual. Podemos dividir entre direitos de personalidade intrínsecos como a vida, integridade física e moral e a honra, e direitos de personalidade periféricos, aqueles que emergem da interecçao do ser humano com o que os rodeia.

Atendendo à nossa jurisprudência e às decisões tomadas, cumpre analisar alguns acórdãos:
Ac. STJ 02/07/1996: o que estava em causa era a construção de um posto de abastecimento de combustível perto de uma escola, e os AA. Alegaram que isto poderia por em causa o “ar” das crianças que frequentavam a escola, assim como todos os ruídos e gases que seriam emitidos pelos automóveis. O STJ decidiu que a actividade de construção do posto de abastecimento devia ser suspensa. O tribunal fundamentou que O direito do ambiente tem dignidade constitucional e insere-se nos direitos fundamentais de personalidade, numa perspectiva antropocêntrica. Assim, considerou-se que o ambiente e uma conditio sine qua non do direito a vida, porque o direito à vida não tem sentido sem a componente "direito à qualidade de vida".



CONTRA:
Relativamente ao art.66º/1 CRP para a Srª. Professora Carla Amado Gomes, não há qualquer direito subjectivo, porque não há uma autonomia em relação aos outros direitos pessoais ou patrimoniais, e não é possível uma livre disposição de fruição de um bem que não pertence ao individuo. Não tem subjacente a lógica de aproveitamento individual de um bem que subjaz à definição de direito subjectivo, O ambiente não é susceptível de apropriação individual, note-se que não há um controlo sob determinadas arvores segundo Carla Amado Gomes, logo não se reconhece uma posição jurídica. O ambiente beneficia todos e não existindo um direito especifico do bem, podem todos gerir de forma democrática - Ambiente é um bem público, imaterial e inapropriável.


Por sua vez, para Luis Carlos Batista só faria sentido falar num direito ao ambiente, enquanto direito de personalidade, perante ofensas gravíssimas ao ser humano. De fora, ficariam as ofensas triviais, do dia-a-dia, com o problema de que são essas que mais ocupam os tribunais, e com o defeito de que a existência do direito ao ambiente sempre estaria dependente de uma interpretação casuística da gravidade da ofensa cometida – com todas as desigualdades que isso poderia acarretar.


Porem, há jurisprudência do STJ, é o caso do Ac. 10/5/2005: em que se afirma que o ambiente é um bem jurídico autónomo, não dissolvido na protecção de outros bens constitucionalmente relevantes, seguindo as palavras de Gomes Canotilho, a protecção de alguns direitos fundamentais ambientalmente relevantes como a vida, integridade física, propriedade privada, saúde, não logra obter uma protecção específica e global do ambiente.



POSIÇÃO ADOPTADA: Relativamente ao que acabei de enunciar, o meu entendimento vai no sentido da senhora professora Carla Amado Gomes, em que o ambiente é um bem que “pertence a todos e não pertence a ninguém”, ou seja, não se considera como sendo um direito subjectivo (permissão normativa específica de aproveitamento de um bem, noção do professor Menezes Cordeiro). Note-se que não se verifica uma fruição individual de cada individuo, daí a professora considerar o ambiente como um bem imateral e inapropriavel, tal como referi anteriormente.
Como tal, podemos terminar referindo que há uma impossibilidade de definir o conteúdo de aproveitamento individual do direito ao ambiente enquanto bem colectivo, assim como também a impossibilidade em identificar o titular desse direito. Recordando-se o principio da solidariedade inter-geracional é importante existir uma cooperação entre gerações para apelar há titularidade difusa do ambiente, pois, (infelizmente) a prática tem demonstrado que o ser humano é egoísta, ignorando um dos pilares bases do ambiente – preservação - para que os outros dele possam usufruir. Logo, a capacidade de aproveitamento é condicionada à preservação de um bem que e de todos - o direito ao ambiente de A termina onde começa o do B.

Outra distinção que se faz é entre direito subjectivo ou interesse difuso:
Relativamente a este ponto, o professor Vasco Pereira da Silva entende que a distinção de direito subjectivo, interesse legitimo e de interesse difuso, atende as diferentes técnicas de atribuição de posições de vantagem, embora considere que não se deve distinguir mas sim, optar por um tratamento unificado destas posições de vantagem no conceito quadro de direito subjectivo.


O professor José de Melo Alexandrino entende que o direito do ambiente é considerado como um interesse difuso, porque não é simplesmente individual nem tão pouco interesse publico, assim, distingue-se dos direitos fundamentais por não constituir situações jurídicas activas dos indivíduos.


No que toca à nossa jurisprudência, é favor de uma dupla interpretação do direito ao ambiente, simultaneamente como um direito subjectivo e como um interesse difuso em função do caso concreto, o acórdão do STJ 23/09/1998, a titularidade do direito ao ambiente e do dever de defesa do ambiente pode ser analisada em termos individuais e supra-individuais: aquele direito e aquele dever tanto podem ser perspectivados através da titularidade individual de cada um dos interessados directos, como podem ser considerados numa dimensão supra-individual, no âmbito da qual a todos e a cada um e reconhecido o direito de usufruir de um ambiente humano, sadio e equilibrado e incumbe o dever de preservar o ambiente e qualidade de vida e de reagir contra factores de degradação ambiental.


Para Luis Carlos Batista a solução mais correcta é considerar como interesse difuso o direito do ambiente, “de acordo com a perspectiva da titularidade, sendo os bens ambientais imateriais e de fruição tendencialmente universal, deve estar aberta a todos. Sobre esses bens, existem direitos subjectivos, nalguns casos como direitos de personalidade, que recebem a tutela prevista nos artigos 70º e seguintes do CC. Já o meio ambiente natural, enquanto bem imaterial, colectivo e indivisível, só pode configurar um interesse difuso, de titularidade comum, arguível por qualquer cidadão e associação que tenha por objectivo a sua protecção".



Por fim, penso que para além de todas estas discussoes doutrinárias que foram referidas, o mais importante é que o Estado deve implementar um conjunto de medidas de protecção do ambiente, tornando-nos credores do direito do ambiente e devendo abster de lesar. A protecçao do ambiente é um dever da humanidade.



Bibliografia:
Vasco Pereira da Silva, Verde cor de direito
Carla Amado Gomes, Direito Administrativo do Ambiente
José de Melo Alexandrino, direitos fundamentais, introdução geral
Luis Carlos Batista, reflexões em torno da figura do direito subjectivo ao ambiente




Catarina Ribeiro de Freitas Caldas, 17231 - 4º ano, subturma 3.

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