Breve referência histórica:
Tem-se dado, recentemente, um fenómeno de reacção punitiva da ordem jurídica contra agressões ambientais, que se manifestou no aparecimento de um Direito Sancionatório do Ambiente. De facto, toda esta regulação é recente, posto que apenas há pouco mais de duas décadas e que surgiu o Direito Penal do Ambiente e ideia de que seria necessário criminalizar as condutas lesivas do ambiente. É também por esta altura que surge o Direito Administrativo Sancionatório ou Contra-ordenacional do Ambiente.
A questão que nesta altura, de imediato, se colocou foi a de saber se seria possível, de facto, criminalizar condutas lesivas do ambiente, se seria ou não admissível a existência de um Direito Penal do Ambiente. Para além disto, restava a questão de saber se seria esse o meio mais adequado para reagir contra condutas lesivas do ambiente. Criando-se um novo tipo de crime, que abrangesse estas condutas, reage-se da forma mais agressiva possível, privando o agressor da sua liberdade. Daí a lógica do Direito Penal de que a criminalização se deve reservar para situações em que estejam em causa valores fundamentais da sociedade. Ora, só recentemente a defesa do ambiente surgiu como um bem jurídico objectivo fundamental, como um valor essencial da sociedade , integrando o “contrato social” e adquirindo estatuto constitucional como direito fundamental (concretizando as exigências de realização da dignidade da pessoa humana em face de agressões ambientais da sociedade moderna), quer como princípio geral e incumbência do Estado. Assim surge o Direito Penal do Ambiente.
Quanto ao último problema que acima referimos, o de saber se seria este o instrumento mais eficaz de tutela do ambiente, esta discussão persiste até hoje, com autores que defendem que esta tutela seja sancionatória, ao contrário de outros para quem ela deve ser sancionatória.
A tutela sancionatória penal:
Invocam-se, favor de uma tutela sancionatória penal, entre outros, os seguintes argumentos:
- o simbolismo da existência de crimes ambientais que confere maior dignidade jurídica à defesa do ambiente
- a maior intensidade da tutela ambiental, com aplicação de sanções pecuniárias e de penas privativas da liberdade
- a existência das garantias do processo penal, tal como a presunção de inocência (artigos 27.º a 32.º da CRP)
Quanto a inconvenientes, são referidos:
- a inadequação do Direito Penal para tutelar o ambiente, já que, pois enquanto o Direito do Ambiente se orienta por um princípio de prevenção, o Direito Penal orienta-se no sentido da repressão de comportamentos antijurídicos graves; no entanto, não podemos deixar de ter em conta que também o Direito Penal se rege por um princípio de prevenção geral e especial.
- a existência no domínio do ilícito ambiental de várias situações danosas provocadas pela actuação de pessoas colectivas, enquanto que no Direito Penal a imputação é individual, não sendo por isso possível, a aplicação com base no apuramento de responsabilidade colectiva de penas como a prisão preventiva.
- perigo de descaracterização e subalternização do Direito Penal, já que a maior parte dos crimes ambientais decorre de mera desobediência às prescrições de autoridades administrativas. Ou seja, corre-se o perigo de colocar o Direito Penal num caso de acessoriedade administrativa, não intervindo de forma autónoma.
- a ineficácia de um sistema sancionatório do ambiente de tipo penal devido à dificuldade em encontrar e condenar os agressores.
A tutela sancionatória por via administrativa:
Por outro lado, vários autores defendem uma tutela sancionatória do ambiente sim, mas realizada através de uma via administrativa. Isto devido às seguintes vantagens:
- maior celeridade e eficácia na punição do infractor, que só depende do procedimento administrativo e não do judicial
- responsabilização de pessoas colectivas, facilitando a imputação objectiva e o aligeiramento da apreciação do nexo de causalidade
- salvaguarda da autonomia do Direito Penal que não fica na acima mencionada posição de acessoriedade em relação ao Direito Administrativo
Do lado oposto, podem apontar-se como desvantagens desta tutela os seguintes pontos:
- diminuição das garantias de defesa das particulares, embora haja sempre possibilidade de intervenção dos tribunais por recurso
- possível banalização das actuações delituais em matéria do ambiente que são remetidas para sanções de natureza pecuniária
- possível transformação da sanção pecuniária num simples custo da actividade económica poluente (e esta parece-nos ser a mais perigosa das desvantagens apontadas), tornando lucrativo um direito ambiental mediante uma operação contabilística de “deve e haver”.
Dado as inúmeras vantagens e desvantagens apontadas para cada uma das tutelas e a legitimidade e justificação de todas elas, concordamos com o Prof. Vasco Pereira da Silva quando este refere que o melhor será optar por uma combinação equilibrada das duas formas de tutela. Assim, não se deve dispensar a criminalização das formas mais graves de lesão do ambiente, já que a sua defesa é, de facto valor fundamental da sociedade actual. No entanto, tal não deve significar a banalização do Direito Penal do Ambiente, já que o modo “normal” de reacção deve ser o de sanções administrativas e contra-ordenações. Assim, na linha da Prof. Fernando Palma defendem-se limites rigorosos para a aplicação do Direito Penal do Ambiente.
O regime jurídico vigente:
No Direito Português, os crimes ambientais são previstos no CP. Existem também várias sanções administrativas, que constam, entre outras, das múltiplas leis reguladoras das formas de actuação ambiental ou os componentes ambientais naturais, na modalidade de contra-ordenações e que seguem o regime do ilícito de mera ordenação social, regulado pelo DL 433/2 de 27 de Outubro. De resto, parece que a própria lei preferiu uma tutela administrativa das agressões contra o ambiente, já que a maioria dos delitos ambientais corresponde a contra-ordenações e não a crimes.
O CP ocupa-se dos crimes ambientais nos seus artigos 272.º e ss. Nestes crimes, está em causa uma conduta humana reprovável que pode ou não decorrer num crime de desobediência. Como crimes ambientais temos, especificamente, o de danos contra a natureza (art. 278.º do CP), o de poluição (artigo 279.º do CP) e o de poluição com perigo comum (art. 280.º do CP)
Em todos estes, se verifica a tal acessoriedade administrativa do Direito Penal. No entanto, segundo o Prof. Vasco Pereira da Silva, tal não deve significar que se passe de critérios individualizados de culpa a critérios meramente objectivos de verificação da simples desobediência. Até porque se constata claramente, na lei portuguesa acerca desta matéria, a prevalência de tutela administrativa.
Já no sistema contra-ordenacional, as autoridades administrativas aplicam coimas, sendo que o tribunal apenas intervirá em caso de recurso. A acima referida vantagem deste tipo de tutela de responsabilização de pessoas colectivas é possibilitada pelo art. 7.º n.º 1 do DL 433/82 de 27 de Outubro. De forma a evitar as desvantagens acima referidas, deve ter-se atenção aos mecanismos de audiência e defesa dos particulares (art. 50.º do DL) ou de acompanhamento por advogado (art. 53.º do DL). Para além de coimas, podem aplicar-se sanções acessórias (artigos 21.º e ss. do DL), de forma a evitar a desvalorização da importância do ilícito contra-ordenacional ou que o pagamento de coimas seja uma alternativa economicamente mais rentável, se existirem lucros que as compensem.
Solução adoptada:
Em conclusão, parece que é, de facto necessária a tutela penal do Direito do Ambiente. No entanto, tal não impede a necessidade de, igualmente, tutelar o ambiente por uma via administrativa que se tem mostrado, ao longo dos anos, adequada. Assim, a solução “mista” pela qual a nossa lei optou parece-nos adequada, combinado as vantagens dos dois tipos de tutela, já acima referidas.
Bibliografia:
VASCO PEREIRA DA SILVA “Verde Cor de Direito”, Almedina 2001
PAULO DE SOUSA MENDES “Vale a Pena o Direito Penal do Ambiente?”, AAFDL 2000
Suzan Marras Timuroglu, aluna no 17570 subturma 1
Sem comentários:
Enviar um comentário