quarta-feira, 13 de abril de 2011

Responsabilidade civil da Administração Pública em matéria do ambiente – análise do regime da responsabilidade por actos de gestão pública

O problema:

A problemática da responsabilidade civil da Administração Pública ou do Estado no âmbito do ambiente é de grande relevância actual, uma vez que a defesa do ambiente se tornou, ao longo dos tempos, uma tarefa inevitável d Estado, daí se considerarem de forma autónoma as questões da responsabilidade ambiental. Os novos âmbitos do Direito do Ambiente levam, por outro lado, à reavaliação obrigatória das soluções já construídas e à criação de outras novas.
Actualmente, a CRP ocupa-se destas questões, tanto de uma forma subjectiva – enquanto direitos fundamentais-, como de uma forma objectiva – enquanto bens jurídicos essenciais que incumbem o Estado de certos deveres. É, para mais, através da primeira perspectiva que se justificam as relações multilaterais que se criam no âmbito do Direito do Ambiente. Pelo contrário, a questão da responsabilidade civil neste domínio é caracterizada por uma fragmentação a dois níveis:
                                
                    - do regime jurídico, já que se trata de forma diferente a responsabilidade civil da Administração e  dos particulares, para além da regulação da responsabilidade administrativa, já de si, não ser uniforme; há então uma multiplicidade de fontes de direito quanto à responsabilidade civil ambiental, já que a regulação está dispersa, por exemplo, pela CRP, DL n-.º 48051, Lei de Bases do Ambiente, CC e, finalmente, Lei da Acção Popular; parece então apropriado tecer-se a crítica, como o faz o Prof. Vasco Pereira da Silva, de que a regulação da matéria é demasiado parcelar e fragmentada, dificultado a tarefa de caracterizar este instituto.
                      - do tribunal competente já que esta questão tanto é da competência da jurisdição comum como da jurisdição administrativa, com consequentes problemas de conflito de jurisdições, agravados, no âmbito do ambiente, por deixar casos  sem solução, impedindo a reparação dos danos.
                Apesar de tudo isto, o Prof. Vasco Pereira da Silva apontou uma sistematização da problemática com três vectores, que o autor retira da forma como o legislador tratou a matéria nos vários diplomas acima indicados:
             
                  - o regime da responsabilidade por actos de gestão
                  - o regime da responsabilidade por actos de gestão provada
                  - o regime especial de responsabilidade comum a actos de gestão pública e privada) sempre que esteja em causa o actor popular.
              
              Ocuparemo-nos, nesta análise, apenas da questão da responsabilidade por actos de gestão pública, já que é este tipo de responsabilidade que parece levantar maiores problemas.

A responsabilidade civil por actos de gestão pública:

Como já aflorámos, o ordenamento jurídico português ocupa-se da matéria da responsabilidade administrativa no âmbito do ambiente, de acordo com uma lógica de dualidade: do tratamento legislativo e da jurisdição competente. Assim sendo, pelos danos causados no desempenho de actividades de gestão privada, a Administração responde segundo o Direito Civil perante os tribunais judiciais e pelos danos causados no desempenho de actividades de gestão pública a Administração responde, segundo o Direito Administrativo perante os tribunais administrativos.
É a já referida distinção entre actos e gestão pública e privada que está na base desta dualidade, sendo que, anteriormente, eram de jurisdição comum todas as formas de actuação que não correspondessem ao exercício de poderes de autoridade. No entanto, essa já não é realidade hoje em dia, devido:
- às transformações produzidas na noção de acto administrativo, que já não é visto como a manifestação da Administração autoritária, mas sim numa lógica de Administração Prestadora e de fins públicos, podendo agora os actos ser finais, intermédios, definitivos ou transitórios.
- à perda de protagonismo do acto administrativo, que deixa de ser “a” forma de actuação da Administração, para passar a ser só mais uma forma de actuação da Administração.
                Perante tudo isto, parece já não fazer sentido distinguir entre actuações administrativas de gestão pública e privada. Com a ideia da Administração Prestadora, mesmo as actuações e carácter técnico deixam de se reconduzir a uma ideia de gestão pública, não se distinguindo mais de actividades desempenhadas no âmbito de entidades privadas.   As actuações de carácter técnico são, como já se referiu as que mais problemas causam neste âmbito. Se para estas a distinção não faz mais sentido, não o fará para quaisquer outros. Por isto mesmo, o Prof. Vasco Pereira da Silva propõe uma unificação de todas as acções de responsabilidade administrativa. Assim, ao invés da solução do art. 212.º n.º 3 da CRP, deveria remeter-se todos os litígios nesta matéria para os tribunais administrativos, de forma a acabar de vez com os conflitos de jurisdições.
               
Análise do direito vigente:
               
           A matéria da responsabilidade administrativa por actuação de gestão pública é regulada pelo DL n.º 48051 de 21 de Novembro de 1963. De acordo com o diploma, este tipo de responsabilidade por assumir três modalidades:
                
                - responsabilidade  por facto ilícito culposo
                - responsabilidade pelo risco
                - responsabilidade por actos ilícitos
               
         A primeira é uma responsabilidade subjectiva baseada na culpa que assenta nos clássicos pressupostos de facto ilícito, culpa do agente, prejuízo e nexo de causalidade.
               
          - facto ilícito: o art. 6.º enuncia uma definição de facto ilícito, de onde se retira que poderão ser factos ilícitos tanto as actuações jurídicas danosas (como, por exemplo, a decisão de construção de uma central nuclear), como as de carácter técnico que lesem o ambiente (por  exemplo, a lesão ambiental provocada pela laboração de uma empresa pública)
O facto ilícito tanto pode ser uma acção como uma omissão, que surgem no âmbito das relações jurídicas multilaterais, podendo constituir fonte autónoma de responsabilidade civil pelos danos causados.
               
            - culpa: este conceito é definido, em matéria de ambiente, como a imputação de um facto a um sujeito administrativo
                
            - prejuízo: a natureza dos bens ambientais gera dificuldades na quantificação do dano (por exemplo, no caso de um incêndio florestal, para além do dano de destruição da floresta, haverão outros como o de destruição da paisagem), daí a necessidade de traçar a fronteira entre os danos admissíveis e os danos inaceitáveis, sendo que, no cenário europeu, a reparação integral tem vindo a ceder ligar à indemnização razoável do prejuízo, conferindo grandes poderes de apreciação ao juiz.
               
             - nexo de causalidade: este pressuposto apresenta várias dificuldades. Por um lado, é de grande dificuldade identificar uma única causa geradora de um dano ambiental, verificando-se uma regra de concurso de causas. Por outro, os factos podem agir isoladamente, ou em conexão ou colisão com outros, dependendo ainda de condições externas, como, por exemplo, as condições meteorológicas do momento. A solução para esta questão parece passar pelo estabelecimento, por via legal, doutrinária, bem como jurisprudencial, de presunções de causalidade, como já o fizeram o legislador francês e alemão. Não havendo, no direito português, qualquer norma a este respeito, a solução só poderá ser, no nosso caso, doutrinária ou jurisprudencial. Esta solução atribui amplos poeres de decisão ao juiz, que verifica a aptidão dos factos para o dano. Parece-nos ser esta uma desvantagem desta solução, já que esses poderes parecem ser demasiado amplos. Como alternativa, aponta-se a consideração da necessidade de uma certa flexibilidade na aplicação das regras de causalidade, recorrendo a regras de probabilidade. De resto, esta é uma solução apontada numa Proposta de Directiva da EU acerca da produção de detritos.
                O art. 8.º do DL consagra a responsabilidade administrativa pelo risco, particularmente adequada para casos de actuações lesivas do ambiente produzido por empresas ou serviços públicos susceptíveis de pôr em risco o ambiente.  Já o art. 9-º deste mesmo decreto consagra a responsabilidade administrativa por actos ilícitos.
                Terminada a análise dos vários pressupostos, resta acrescentar que a responsabilidade ambiental tanto pode dar origem a uma sentença de reconstituição natural da situação anterior, como a uma indemnização por sucedâneo pecuniário. (art. 48.º da Lei da Bases do Ambiente)
                Em conclusão, parece-nos que o regime da responsabilidade administrativa é susceptível de tutelar devidamente os direitos dos particulares em matéria de responsabilidade administrativa ambiental,  conseguindo resolver de forma adequada os problemas que se apresentam,  enquanto se aguarda por um regime que englobe toda a matéria da responsabilidade civil em matéria do ambiente (e que nos parece ser, ainda assim, bastante necessário).

Bibliografia:

VASCO PEREIRA DA SILVA “Verde Cor de Direito”
VASCO PEREIRA DA SILVA “Verdes são Também os Direitos do Homem”
JOÃO PEREIRA REIS “Lei de Bases do Ambiente – Anotada e Comentada”

Suzan Marras Timuroglu, aluna no. 17570 subturma 1


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