quinta-feira, 28 de abril de 2011

Conflito entre o Direito ao Ambiente e o Direito à Família

É verdade que, pelo menos num futuro próximo, o problema não se coloca de todo no nosso pais. No entanto, daqui não se pode concluir pelo desinteresse do tema. Mais, parece-me essencial este tipo de análise, este tipo de confronto entre o direito ao ambiente e outros direitos protegidos constitucionalmente, que não o 61.º da CRP, pois essa visão é demasiadamente redutora. O ambiente, pela sua complexidade e abrangência é potencialmente conflituante com muitos outros direitos, entre os quais o direito à família. Aliás, do nosso ponto de vista, de acordo com o qual a protecção ambiental será sempre e essencialmente atingida a nível internacional, pois é um bem indivisível e pertencente a todos os Estados que compõe a comunidade internacional tal como a conhecemos, o problema da excessiva expansão demográfica, ainda que não no nosso país, ainda que em continente diverso do nosso, acaba por ser, a nível ambiental, nosso problema também.

O problema suscita diversas questões. A expansão demográfica põe em causa o direito ao ambiente? Está em causa a sustentabilidade dos recursos naturais? Natalidade, qual o fundamento para uma restrição licita, será esta a solução?

São estas as questões que sucintamente pretendemos abordar e se possível esclarecer.

1. Expansão demográfica: põe em causa o direito ao ambiente? Está em causa a sustentabilidade dos recursos naturais?

A noticia é de 25 de Janeiro de 2008, a fonte é o site brasileiro folha.com:

“Estudo divulgado pela Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados) nesta quinta-feira, véspera do aniversário dos 454 anos da cidade de São Paulo, alerta que o crescimento demográfico da cidade de São Paulo coloca em risco áreas de preservação ambiental e de protecção de mananciais, situadas nos extremos do município.

Segundo o levantamento, o crescimento absoluto registado na cidade de São Paulo dos anos de 2000 até 2008, foi de aproximadamente 477 mil pessoas, das quais 30% concentraram-se nos distritos de Marsilac, Parelheiros e Grajaú, que contêm extensas áreas de protecção ambiental ou de mananciais.

São cerca de 143 mil pessoas que todos os anos se estabelecem nessas regiões e, podem, potencialmente, interferir no ecossistema.

Em alguns distritos, entre eles Anhangüera (zona oeste), a taxa de crescimento foi de 7,9% ao ano, muito superior à média da cidade, que registou 0,56%.”.

O problema da excessiva expansão demográfica, que parece crescer de modo desenfreado tem afectado o Brasil, mas também os seus países vizinhos da América do sul, falando de outros países que não o paradigmático neste âmbito, a China. A América do Sul tem 380 milhões de habitantes. Espaços inabitados, como as florestas tropicais, o deserto de Atacama e as porções geladas da Patagónia, convivem com regiões de alta densidade populacional, como os centros urbanos de São Paulo, Rio de Janeiro, Buenos Aires, Lima, Santiago e as áreas entre as capitais da zona da matado nordeste.

Este problema põe, efectivamente, em causa o ambiente. Mais pessoas são sinónimo de maior uso de recursos naturais, pois só a exploração destes permite a sobrevivência dos primeiros e, de um modo geral, a expansão demográfica traduz-se igualmente em expansão urbana, a qual muitas vezes ultrapassa os limites de áreas protegidas ou com relevância ambiental. As áreas com património ambiental relevante têm sido afectadas nos países da América latina e diversas lagoas e canais têm sido poluídos por esgotos. O empreendedorismo imobiliário muitas vezes ganha face a interesses ambientais, incorporando nos seus planos a integração de espaços verdes e protecção da qualidade ambiental que muitas vezes não se verifica ou não é o suficiente para cobrir o que se perde. Tudo isto traduz-se em maiores consumos de energia, propagação de meios de transportes, bem como as vias nas quais estes circulam.

O resultado final são diversos desequilíbrios ambientais: poluição atmosférica, despejo de resíduos prejudicais em rios e no solo e ameaça de extinção das espécies.

Na conferência da ONU para o Ambiente em Estocolmo no ano de 1972 concluiu-se que se todos os países adoptassem o estilo de vida ocidental, com os mesmos níveis de consumo, o mesmo seria sinónimo da destruição do planeta. Os recursos disponíveis simplesmente não seriam os suficientes, mas também porque o planeta simplesmente não tem a capacidade necessária para processar toda a poluição que seria gerada.

Tudo isto é ainda mais assustador se pensarmos que apenas 10% da população mundial beneficia deste estilo de desenvolvimento económico! Ou seja, apenas com 10% da população perdemos 3.153.600.000 toneladas de terra submergida e deslocada, e é emitido um número semelhante de gases com efeitos de estufa, bem como uma área superior ao território da Áustria e Suíça em floresta, já para não falar da perda de inúmeras espécies de plantas e animais segundo os dados apresentados por Weizsacker.

2. Natalidade, qual o fundamento para uma restrição licita, será esta a solução?

A resposta a esta questão será dada apenas com base na nossa lei fundamental, ou seja, como seria se o problema da explosão demográfica se desenrolasse no nosso território.

De acordo com o artigo 36.º da Constituição da República Portuguesa, doravante CRP, todos têm o direito de constituir família. E da conjugação deste artigo, com o artigo 67.º resulta que a família não é apenas um valor fundamental, é também garantia institucional e elemento estruturante da vida em sociedade. Existe um dever efectivo por parte do Estado de proteger a família, sob pena de inconstitucionalidade por omissão, pela inércia, pelo silêncio de qualquer órgão do poder, de acordo com o artigo 283.º da CRP.

O artigo 36.º garante, assim, o direito à família, o que implica não apenas o direito a casar, mas também a ter filhos, ainda que esse direito não seja essencial, ao conceito de família, (no sentido de que nenhuma família precisa de ter filhos para ser verdadeiramente uma família na acepção constitucional). Como bem entendem os professores Gomes Canotilho e Vital Moreira, o direito a ter filhos, “compreende a liberdade de procriação, (não havendo lugar para a interdição de procriação, limites ao número de filhos e esterilização forçada, que de resto não são compatíveis com a dignidade da pessoa humana e autodeterminação pessoal que lhe é inerente)”. Reforçamos esta ideia com o que escreve o professor Jorge Miranda, as restrições ao direito a ter filhos podem até entrar em conflito com o direito à vida, fortemente protegido pelo artigo 24.º da CRP, pois dentro de um cenário deste tipo, o caminho mais lógico é que para respeitar uma lei de restrição de natalidade, se realizem muitos mais abortos, o que acaba por conectar-se com uma série de outros direitos fundamentais, tendo em conta que muitas vezes a mulher poderia estar contra essa possibilidade.

Uma breve referência para sublinhar que o direito a ter filhos acaba por ser também constitucionalmente protegido pelo artigo 68.º, pois é pressuposto implícito da paternidade e maternidade. E relativamente à conjugação deste artigo, com o 67.º/2, al. d) e o 36.º/1, todos da CRP, existe um Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, o parecer nº 223/79 do qual resulta o direito de os pais determinarem “livre e conscientemente a dimensão da sua família e o escalonamento dos nascimentos.

A enumeração exemplificativa do 67.º/2 demonstra perfeitamente a importância que a nossa lei fundamental atribui à família e a todos os direitos a esta associados, do artigo 67.º resulta ainda um dever de o Estado proteger positivamente a família.

Por ser o direito a procriar, um direito fundamental, o mesmo não é desenhado em termos absolutos, podendo ser alvo de limitações ou restrições , estando por outro lado estas sujeitas aos limites Constitucionais, nomeadamente ao princípio da proporcionalidade. Ou seja, apenas seria de restringir este direito se fossem efectivamente preenchidos os requisitos da adequação, da necessidade e do equilíbrio ou proporcionalidade em sentido estrito.

Inserindo-se o artigo 36.º da CRP, no titulo respeitante aos direitos, liberdades e garantias, nenhuma duvida se levanta quanto à possibilidade de aplicação do n.º 2 e do 3 do artigo 18.º da CRP, os quais consagram o estatuto global das leis restritivas. Apesar de serem permitidas restrições, os requisitos que estas devem preencher são severos e cumulativos. Assim,

a) quanto ao facto de a restrição ter que estar expressamente prevista, nº2, 1ª parte, do artigo 18.º da CRP, neste caso teríamos uma restrição não expressamente autorizada pela lei fundamental que teria que ser admitida para resolver conflitos entre bens ou direitos constitucionais;

b) relativamente ao n.º2, in fine, do artigo 18.º, nenhum problema seria levantado tendo em conta que o ambiente enquanto bem, e enquanto direito, aparece constitucionalmente protegido. Pretende-se com isto evitar sacrifícios desprovidos de verdadeira necessidade.

Importa especialmente, no contexto da situação considerada no presente trabalho, que se analisem os outros dois requisitos que se extraem do 18.º/2 e 3 in fine, nomeadamente a observância do principio da proporcionalidade e a ressalva do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.

Relativamente ao princípio da proibição do excesso, considerado nas suas três vertentes, podemos facilmente concluir, que a restrição ao direito de procriação, como acção destinada a proteger o ambiente não seria o meio ideal para salvaguardar os recursos que possuímos, ou para preservar zonas verdes potencialmente ameaçadas pela expansão urbanística. Assim, de acordo com o subprincípio da adequação, a salvaguarda do direito constitucionalmente protegido ao ambiente através da restrição do direito à procriação, não se apresenta como o meio mais adequado para a prossecução desse fim. Os meios mais adequados de salvaguarda do direito ao ambiente, passam por medidas de carácter técnico, cientifico e obviamente pela indicação de direcções politicas assertivas e regime jurídico apropriado. Com o que acabou de ser dito, encontramos relacionada a necessidade. Existem efectivamente meios menos penosos para proteger o ambiente e impedir a escassez de recursos, ou seja existem meios que, apesar de não onerarem tanto os direitos fundamentais, talvez sejam mais complicados de implementar a nível económico, organizacional e politico. Mas estas dificuldades são passíveis de serem ultrapassadas, não se justificando a restrição ao direito de procriação. Neste âmbito, acreditamos que a única vertente do principio que poderia ser efectivamente fundamentada, seria a do respeito pela proporcionalidade em sentido restrito. Não pensamos que a medida em si, se necessária e adequada, seja excessiva em relação aos fins que se pretende obter. Afinal, bem vista a situação, o equilíbrio ambiental e a existência efectiva de recursos naturais são condição, ou pressuposto implícito da vida, da renovação de gerações e manutenção das preexistentes. Hipoteticamente, a poluição do ar pode tornar-se tão carregada, que o simples facto de respirar se torne um problema, a poluição das água, pode alastrar de tal forma que deixe de poder sustentar vida marinha, deixando os recursos hídricos, fonte essencial de variadas industrias e recurso fundamental da vida humana, completamente arrasada…

Não pode haver vida num planeta assim, logo, justifica-se a restrição de uma série de outros direitos, não só para proteger o ambiente para nós, mas também de nós! No entanto essa restrição tem de ser adequada e necessária, e não achamos que essa correlação exista entre o direito à procriação inserido no direito à família, e o direito ao ambiente.

Última nota para falar ainda do alcance e conteúdo essencial dos preceitos constitucionais, 18.º/3, in fine, da CRP. Este é o núcleo do direito que já mais pode ser invadido, de modo a assegurar a sua utilidade constitucional. O direito à procriação não é elemento fundamental da família, não se restringindo o núcleo familiar apenas àquelas que têm filhos, mas é um direito fundamental da família, que pela sua essencialidade não parece poder ser restringido qualitativamente em determinado número de filhos.

Do nosso ponto de vista, restringir a natalidade, pondo em causa um direito tão importante como o direito à família, poderia, potencialmente, ser uma medida de ultimo recurso. Mas a mesma não se apresenta como a mais adequada, nem a mais necessária para salvaguardar o ambiente. Achamos que o ambiente, é mais facilmente protegido através do esforço humano efectivo, através da ciência, tecnologia e obviamente, do Direito, do que por este tipo de imposições. A expansão populacional deve ser controlada e não restringida, este controlo passa pela intervenção dos Estados, pelos esforços políticos e pela dedicação ao ambiente. Exemplo disto mesmo, é o Japão.

Este pais aparece classificado como aquele que detém a 10.ª maior população mundial, cerca de 128 milhões de habitantes, e Tóquio é a maior área metropolitana do mundo, com uns impressionantes 30 milhões de habitantes!

Apesar disto, o Japão pauta pelo equilíbrio entre as duas faces da moeda, ou seja, entre o tão desejado desenvolvimento económico e a protecção ambiental. Em 1970 o governo implementou uma série de leis de protecção ambiental e em 1971 criou o Ministério do meio ambiente. A crise do petróleo na década de 70, incentivou este pais a usar eficientemente a energia de que dispõe, uma vez que este povo não goza de recursos energéticos naturais.

O Japão encontra-se à frente da grande maioria dos países que se dedicam a desenvolver novas tecnologias amigas do ambiente, prova disso é o trabalho desenvolvido pelas fábricas Toyota e Honda, dedicadas a melhorar os sistemas híbridos e biocombustiveis. Estas fábricas pautam também pelo uso de matérias mais leves que permitem racionalizar o consumo dos veículos bem como a incessante investigação das melhores técnicas de engenharia.

Para além de anfitrião da conferência de 1997, o Japão é também parte do Protocolo de Quioto, comprometendo-se a reduzir as suas emissões de dióxido de carbono. O país aparece classificado como 20.º no mundo quanto ao Índice de desempenho ambiental de 2010!

A área florestal do Japão, intacta ou replantada cobre 70% do território nacional, preservação esta comparada apenas aos países escandinavos!

Apesar de tentar equilibrar a sua economia com o ambiente, o Japão é uma das grandes potências económicas a nível mundial, com a terceira melhor economia em PIB nominal e a terceira maior em poder de compra. O Japão possui um padrão de vida muito elevado, encontrando-se na 11.ª posição do Índice de desenvolvimento humano e tem a maior expectativa de vida no mundo, uma média de aproximadamente 80 anos.

Tudo isto demonstra que ainda que seja uma possibilidade, a restrição da natalidade não é o melhor meio para proteger o ambiente da expansão demográfica, já para não referir a natureza gravosa desta solução relativamente aos direitos fundamentais dos particulares. Pensamos que o Japão deve servir de exemplo para a América latina e outros países que se confrontam com o problema da excessiva densidade populacional.

Importante é criar os meios para delimitar as áreas naturais e condicionar certas actuações humanas. Necessário é promover o desenvolvimento sustentável, para que o desenvolvimento que visa corresponder ás necessidades do presente não comprometa a capacidade das gerações futuras, para que estas possam satisfazer as suas próprias necessidades.

Como referimos no inicio da exposição, acreditamos que o tema é muito interessante, e ainda que não tenha impacto directo a nível nacional, o ambiente é indivisível, e o facto de este se encontrar a ser exposto a riscos, independentemente de ser aqui, na China, na Índia ou nos países da América latina, diz-nos respeito a nós também!

_____________________

Bibliografia:

- Canotilho, J. J. Gomes - Moreira, Vital, Constituição da República anotada, volume I, Coimbra editora, 4ª ed revista, 2007

- Condesso, Fernando dos Reis, Direito do Ambiente, Almedina, Coimbra, 2001

- Miranda, Jorge - Medeiros, Rui, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra editora, 2005

A título de curiosidade, o Público emitiu uma noticia, recentemente, sobre a taxa de natalidade em Portugal:

Portugal é o segundo país da OCDE com a taxa de natalidade mais baixa

27.04.2011

Portugal é o segundo país da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) a apresentar a taxa de fertilidade mais baixa: 1,32 filhos por mulher, contra uma média de 1.74 filhos por mulher em idade fértil nos 31 países que integram aquela organização internacional.

A noticia pode ser encontrada na integra na seguinte ligação:

http://www.publico.pt/Sociedade/portugal-e-o-segundo-pais-da-ocde-com-a-taxa-de-natalidade-mais-baixa_1491491

Sem comentários:

Enviar um comentário