sábado, 23 de abril de 2011

Protecção ambiental e Propriedade Privada-O novo paradigma

Nos dias de hoje a compatibilização da proteção ambiental com outros direitos constitucionais é de extrema necessidade. Ao lado do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 66.º CRP), a Constituição da República Portuguesa consagra os princípios da propriedade privada e da livre iniciativa económica (art. 61.º e 62.º CRP.)
A ordem económica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, com os limites resultantes da: . propriedade privada; . função social da propriedade; . defesa do meio ambiente.


Os princípios de que falamos, constituem porém mandatos de optimização( ROXIN), que se caracterizam por poderem ser cumpridos em diversos graus, em que a medida concreta de seu cumprimento não depende apenas das possibilidades fáticas mas também das possibilidades jurídicas.
Evidentemente, ao contemplar no mesmo plano os princípios do meio ambiente ecologicamente equilibrado e da supremacia do interesse público na proteção ambiental e os princípios da propriedade privada e da livre iniciativa econômica, a Constituição não admite que o valor ambiental seja colocado ao lado com privilégio face aos demais direitos. Há que se compatibilizar, sempre e a todo custo, os princípios. E, em caso de conflito real, há que se efectuar uma ponderação de interesses, para que não haja sacrifício total de um ou de outro.

A respeito do tema, surge o entendimento de FRANCISCO GARRIDO PEÑA, que vislumbra a transformação da propriedade num "usufruto ecológico", de caráter difuso, cujos limites e condições se fundamentam na manutenção de um conjunto de condições que garantam um uso do bem natural que permita sua gestão sustentável, que não crie obstáculos a usos de maior rentabilidade social, que tenha um modo de gestão democrático e seja deixado em condições seguras para as futuras gerações. Refere que "no estamos tanto ante una res nullius, sino ante una 'nuda propiedad' cuyo propietario es un sujeto difuso que es la biosfera dentro del cual hay que englobar como tutor a la especie humana, em cuanto especie histórica (incluyendo alas generaciones pasadas e futuras)" .


Parece ter-se elaborado uma concepção de "função social ambiental" da propriedade, ou um “direito privado de interesse publico”."A função social ambiental “não constitui um simples limite ao exercício do direito de propriedade como aquela restrição tradicional por meio da qual se permite ao proprietário, no exercício de seu direito, fazer tudo que não prejudique a coletividade e o meio ambiente. Diversamente, a função social e ambiental vai mais longe e autoriza até que se imponha ao proprietário comportamentos positivos, no exercício do seu direito, para que a sua propriedade concretamente se adeque à preservação do meio ambiente.

O entendimento do meio ambiente como uma res communes omnium, que pode ser composta por bens pertencentes ao domínio público ou ao domínio privado, impõe a distinção entre o meio ambiente globalmente considerado, como bem incorpóreo, imaterial, dos elementos corpóreos que o integram, tais como a flora, fauna, solo, rios , e o meio ambiente na sua dimensão difusa. Apropriáveis são os elementos corpóreos e, mesmo assim, conforme limitações e critérios previstos na lei, e desde que essa utilização não leve à apropriação individual (exclusiva) do meio ambiente, como bem imaterial.
Nesta óptica, não pode o proprietário dos "microbens" utilizá-los de forma a colocar em risco o equilíbrio ecológico, cuja titularidade é difusa. Justamente neste aspecto reside o cerne do conteúdo da função sócio-ambiental da propriedade.

O conteúdo da função ambiental da propriedade é especificado pela legislação ordinária, de acordo com os bens ambientais protegidos legalmente. São exemplos de leis que explicitam a função ambiental da propriedade:

Lei de Bases do Ambiente - Lei n.º 11 /87, de 7 de Abril
Prevenção e Controlo Integrados da Poluição -Decreto-Lei n.° 173/2008, de 26 de Agosto
Prevenção de Acidentes Graves que Envolvam Substâncias Perigosas - Decreto-Lei n.° 254/2007, de 12 de Julho
Regime de Exercício da Actividade Industrial - Decreto-Lei n.° 209/ /2008, de 29 de Outubro
Regime de Exercício da Actividade Pecuária - Decreto-Lei n.° 214/2008, de 10 de Novembro
Planos de Ordenamento da Orla Costeira - Decreto-Lei n.° 309/93, de 2 de Setembro
Planos de Ordenamento dos Estuários - Decreto-Lei n.° 129/2008, de 21 de Julho
Regimes Jurídicos Sectoriais
1 - Conservação da Natureza2 - Ar3 - Alterações Climáticas4 - Água5 – Ruído Directiva n.º 2002/49/CE, de 25 de Junho/ Decreto-Lei n.º 278/2007, de 1 de Agosto6 – Resíduos Decreto-Lei n.º 178/2006 de 5 de Setembro
(…)
Nestes ditames, encontram-se positivados os princípios da prevenção e do desenvolvimento sustentável, já que a produtividade é desejada sem que haja prejuízo da qualidade ambiental e do equilíbrio ecológico. O livre exercício do direito de propriedade privada é garantido na medida em que o proprietário atenda a essa função sócio-ambiental, pelo que se pode concluir que o conteúdo do próprio direito de propriedade se modifica com o advento da imposição de preservação ambiental.
O Direito Ambiental supõe uma reformulação global e radical do sistema jurídico moderno e, consequentemente, também dos seus conceitos centrais, sobretudo no que toca ao conceito de
propriedade privada. Alertam todos eles para a necessidade de uma redefinição da ideia de liberdade que contenha um duplo limite: o social e o ambiental.

Neste sentido, para além da expropriação e requisição (art. 62.º nº2 CRP e art. 1308.º e 1309.º C.C), importa referir como importantes restrições de utilidade pública, os planos municipais de ordenamento do território (PMOT) que definem a política municipal de gestão territorial de acordo com as directrizes estabelecidas pelo programa nacional da política de ordenamento do território, pelos planos regionais de ordenamento do território, e pelos planos intermunicipais, caso existam.
Os PMOT e os planos intermunicipais de ordenamento devem acautelar a programação e a concretização das políticas de desenvolvimento económico, social e de ambiente, com incidência espacial, promovidas pela administração central, através de planos sectoriais.
Os PMOT são instrumentos de natureza regulamentar, aprovados pelos municípios que estabelecem o regime de uso do solo, através da classificação (solo urbano e solo rural) e da sua qualificação, definindo modelos de evolução previsível de ocupação humana e de organização de redes e sistemas urbanos, parâmetros de aproveitamento do solo e garantia da qualidade ambiental.

Decorrente da legislação em vigor os PMOT são os seguintes:
Plano Director Municipal (PDM);PDM – estabelece a estratégia de desenvolvimento territorial, a política municipal de ordenamento do território e de urbanismo e outras políticas urbanas, articulando e as orientações estabelecidas pelo Instrumentos de Gestão Territorial (IGT) de âmbito nacional e regional, estabelecendo assim, o modelo de organização espacial do território, ao nível do município.
Plano de Urbanização (PU);PU – concretiza numa determinada área do território, a política de ordenamento do território e urbanismo, estabelecendo um quadro de referência para a aplicação das políticas urbanas e definindo a estrutura urbana, o regime de uso do solo e os critérios de transformação do território.
Plano de Pormenor (PP) - Modalidades específicas:PP – Desenvolve e concretiza as propostas de ocupação de uma área do território municipal, estabelecendo regras sobre a implantação das infra-estruturas e o desenho dos espaços colectivos, a forma da edificação e a sua integração paisagística, a localização e inserção de equipamentos colectivos e a organização espacial de outras actividades.
Plano de intervenção em espaço rural;
Plano de pormenor de reabilitação Urbana;
Plano de pormenor de salvaguarda.


Também a Reserva Ecológica Nacional ( REN) é uma restrição de utilidade pública, à qual se aplica um regime territorial especial que estabelece um conjunto de condicionamentos à ocupação, uso e transformação do solo, identificando os usos e as acções compatíveis com os objectivos desse regime nos vários tipos de áreas.
Desta forma, por meio da Política de Desenvolvimento Urbano, a cargo do poder público municipal, advém o estabelecimento das regras para cumprimento da função social da propriedade, as quais devem traçar os critérios necessários e incluir disposições legais sobre protecção ao meio ambiente, como planeamento de uso do solo, abrangendo aspectos sociais, económicos, culturais e ambientais

O Estado enquanto regulador, deve harmonizar o direito à propriedade privada e à livre iniciativa económica com a protecção ambiental, de forma a não permitir que os primeiros se sobreponham a esta última, privilegiando uns e lesando o Ambiente e a qualidade de vida de outros.
A reformulação global e radical do sistema jurídico moderno de que falámos, sobretudo no que toca ao conceito de propriedade privada é visível em toda a jurisprudência:

Acórdão nº 457/01 Proc. nº 189/97 2ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito


«A Serra da Arrábida contem em si um alto valor nacional que urge preservar. E foi por isso que se reconheceu a necessidade de se tomarem medidas eficazes de protecção, restringindo-se, na medida do necessário, os direitos dos cidadãos que ali têm interesses. Daí que só excepcionalmente e com a autorização da direcção do Parque nele possam ser levadas a efeito construções.

Mesmo quando se entenda que o direito a construir (...) é uma dimensão do direito de propriedade, as proibições decorrentes dos planos urbanísticos (...) resultam da necessidade de resolver as situações de conflito entre o direito de propriedade e as exigências de ordenamento do território. E os conflitos de direitos ou bens jurídicos resolvem-se, harmonizando esses direitos ou bens jurídicos em toda a extensão em que tal seja possível ou, quando o não for, fazendo que uns prevaleçam sobre outros, que, desse modo, são em parte sacrificados.

Significa isto que a especial situação da propriedade (...) importa uma vinculação também especial (uma vinculação situacional), que mais não é do que uma manifestação da hipoteca social que onera a propriedade privada do solo. E, por isso, essa proibição, sendo, como é, imposta pela própria natureza intrínseca ou pela situação da propriedade, não pode ser havida como inconstitucional."

Partindo desta fundamentação concluiu-se naquele acórdão que "não pode considerar-se que a demolição de obras tidas como ilegais - por não terem sido autorizadas - ofenda qualquer dos três subprincípios do princípio da proporcionalidade mesmo, como se disse, "quando se entenda que o direito a construir (...) é uma dimensão do direito de propriedade."

Esta argumentação é inteiramente transponível para o caso dos autos, conduzindo agora - como ali - à conclusão de que a estatuição da obrigação de demolição de obras construídas ilegalmente, por falta da necessária autorização, não constitui uma limitação desproporcionada do direito de propriedade.»



Ac. 13-02-2001 Tribunal Constitucional Descritores: expropriações; Contra-ordenações(Meios de tutela e institutos jurídicos); Coimas e multas(Meios de tutela e institutos jurídicos); Monumento(Património Cultural);

O Monumento Natural aqui em questão insere-se no Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros, criado pelo Decreto-Lei n.º 118/79, de 4 de Maio, o que justificou a sua classificação como monumento natural, visando a sua criação preservar o achado de uma das mais importantes jazidas conhecidas de pegadas de dinossáurio, "tornado-o um polo de interesse das populações, com ênfase na sua interface ambiental".
A criação do Monumento Natural – uma das modalidades de áreas protegidas, como decorre da disciplina jurídica da Rede Nacional das Áreas Protegidas – teve como consequência o estabelecimento de alguns condicionamentos e de várias interdições na área abrangida pelo Monumento e definida no diploma criador.

É do âmbito excessivo da interdição prevista na alínea c) do nº2 do artigo 4º, enquanto torna inviável a continuação da exploração da pedreira que o arguido já explorava antes da criação do Monumento Natural e que agora se vê impossibilitado de continuar a explorar que o recorrente se queixa, considerando que ela impede "todo e qualquer uso ou actividade das e nas propriedades privadas existentes no perímetro do Monumento Natural (...)", estando-se assim, segundo o recorrente, perante uma expropriação de facto que não de direito.

Como se referiu antes, o diploma que instituiu as áreas protegidas de âmbito nacional, regional e local estabeleceu que o decreto regulamentar de classificação de uma área protegida pode fixar condicionamentos ao uso, ocupação e transformação do solo, bem como interditar no interior da área protegida as acções e actividades susceptíveis de prejudicar o desenvolvimento natural da fauna e da flora ou das características da área protegida, nomeadamente a introdução de espécies animais ou vegetais exóticas, as quais, quando destinadas a fins agro-pecuários, devem ser expressamente identificadas, as actividades agrícolas, florestais, industriais, minerais, comerciais ou publicitárias, a execução de obras ou empreendimentos públicos ou privados, a extracção de materiais inertes, a utilização das águas, a circulação de pessoas e bens e o sobrevoo de aeronaves (artigo 13º, n.º6, do Decreto-lei n.º 19/93).

Uma das actividades interditas que constitui contra-ordenação é a realização de "alterações à morfologia do solo, nomeadamente modificações do coberto vegetal, escavações, aterros, depósitos de sucata, areias ou outros resíduos sólidos que causem impacto visual negativo ou poluam o solo ou o ar".

Porém, esses condicionamentos e interdições decorrentes da situação dos prédios e da exploração industrial em causa nos autos têm de respeitar os princípios constitucionais relevantes em matéria de direito de propriedade.

No caso em apreço, é manifesto que não se verificou nenhuma expropriação por utilidade pública: efectivamente, quer o decreto regulamentar que cria o Monumento Natural quer o diploma legal que o classifica como área protegida de interesse nacional, como se viu atrás, se, em geral, se limitam a fixar condicionamentos ao uso e ocupação do solo dentro da área protegida, todavia, estabelecem interdições relativamente a certos actos ou actividades.

Assim, de acordo com o diploma regulamentar na área abrangida pelo Monumento Natural fica proibida a realização de quaisquer obras de construção civil, nomeadamente urbanísticas, industriais, viárias ou de saneamento que não sejam as necessárias à instalação de equipamento para a valorização do património icnofóssil ou para apoio da investigação científica ou da educação ambiental relacionada com o Monumento (alínea a) do nº2 e c) do n.º1).


Fica também proibida a exploração de recursos e a colheita ou detenção de exemplares geológicos e paleontológicos (alínea b), do n.º2 do artigo 4º), bem como a alteração da morfologia do solo e do coberto vegetal, nomeadamente mediante escavações, aterros, depósitos de inertes e o vazamento de entulhos, resíduos, lixos ou sucata, com excepção das operações imprescindíveis ao estudo e valorização da jazida de icnofósseis (alínea c), do n.º2).

Porém, a proibição de alteração da morfologia do solo e do coberto vegetal, designadamente mediante escavações, por si só ou quando considerada em conjunto com a proibição de instalação de linhas eléctricas ou telefónicas e de condutas de água ou saneamento tornam absolutamente impossível o prosseguimento da actividade de exploração da pedreira a que o recorrente se dedicava e é a sua única fonte de rendimento.

No caso dos autos, o decreto regulamentar que estabelece tais interdições não prevê qualquer indemnização como compensação para as proibições ou interdições estabelecidas.

Assim, a norma do artigo 4º, n.º2, do Decreto Regulamentar n.º 12/96, de 22 de Outubro, ao não prever a fixação de uma indemnização como compensação para o estabelecimento das interdições que prevê quando a sua aplicação inviabilize a continuação da exploração de uma pedreira pré-existente ao Monumento Natural, única fonte de rendimento do seu proprietário, é inconstitucional por violar o artigo 62º, nº2 da Constituição da República Portuguesa.


Acórdão de 02/06/1999 Tribunal Constitucional Descritores: urbanismo; Plano de Ordenamento da Orla Costeira(Demarcação Territorial);
«Desde logo, sendo o jus aedificandi uma faculdade integrante do conteúdo do direito fundamental de propriedade privada garantido pelo artigo 62º, nº 1 da Constituição, enquanto direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdade e garantias, qualquer restrição ao direito de construir ou de edificar comporta sempre, por definição, também uma restrição ao exercício do direito de propriedade privada;

Ora, determinando o nº 2 do Despacho Conjunto dos Ministros do Planeamento e da Administração do Território e do Comércio e Turismo, de 15 de Dezembro de 1992, restrições à construção de estabelecimentos hoteleiros através da imposição de limites máximos à altura e ao número de pisos, verifica-se que estamos diante de uma verdadeira restrição ao exercício do direito de propriedade privada sem que tivesse sido respeitada a reserva de lei exigida pelo artigo 18º, nºs 2 e 3, da Constituição;
Os empreendimentos nas zonas de ocupação turística, e na ausência de instrumento de planeamento aprovado, ficam sujeitos a um conjunto de normas transitórias fixadas por despacho conjunto dos Ministros do Planeamento e da Administração do Território e do Comércio e Turismo onde se explicitem as densidades de ocupação, índices da área susceptível de construção e, a título indicativo, os princípios contratuais entre as autarquias e o promotor com vista à salvaguarda dos requisitos indispensáveis a este sector de actividade.

O Despacho Conjunto dos Ministros do Planeamento e da Administração do Território e do Comércio e Turismo, de 15 de Dezembro de 1992, estabeleceu que "os estabelecimentos hoteleiros a que alude o número anterior não poderão ter uma altura superior a 8 m e um máximo de dois pisos quando se situem a uma distância inferior a 350 m do litoral da margem das águas do mar ou das respectivas zonas adjacentes como tal classificadas". Tal prescrição poderia constar do próprio plano regional de ordenamento do território e, consequentemente, pertenceria ao objecto do decreto regulamentar, para o qual remete o Decreto-Lei nº 367/90.

Mas violar-se-á, por isso, a própria reserva de decreto regulamentar prevista no Decreto-Lei nº 367/90? Por outras palavras, pretenderia o Decreto-Lei nº 367/90 impor uma reserva absoluta de decreto regulamentar relativamente a todas as matérias concretas a que um plano de ordenamento do território se poderia referir, de modo que a integração de qualquer lacuna do mesmo decreto regulamentar não poderia ser realizada pela autoridade administrativa? E todo e qualquer critério de concretização dos princípios gerais definidos no plano de ordenamento do território deveria estar explicitada no mesmo? A própria remissão para um instrumento de planeamento aprovado ofenderia a reserva de decreto regulamentar?

Uma resposta afirmativa conduziria, na realidade, a um excessivo alargamento dos fins da própria reserva de decreto regulamentar que se prevê no caso presente. Com efeito, referindo-se a reserva de decreto regulamentar à previsão dos planos regionais de ordenamento do território, não tem que incluir todos os aspectos técnicos suscitados em situações concretas do ordenamento do território na execução dos mesmos, mas apenas os critérios e princípios gerais que devem orientar a Administração, exprimindo as grandes opções nessa matéria. A função do decreto regulamentar é exactamente fixar esses critérios gerais a seguir no ordenamento do território, permitindo simultaneamente uma aplicação uniforme e previsível da lei, não podendo ser entendida como absoluta limitação da avaliação técnica das situações pelas entidades administrativas.

Pelo contrário, o decreto regulamentar é a fonte dos critérios normativos que hão-de conduzir e facilitar a actuação das entidades administrativas na aplicação da lei e no cumprimento de certos objectivos de interesse público, conferindo uma maior solidez às expectativas dos particulares no seu relacionamento com a Administração. Ora, esse desiderato é alcançado, em zonas de ocupação turística em que não haja instrumento de planeamento aprovado, por normas transitórias fixadas por despacho conjunto dos Ministros do Planeamento e da Administração do Território e do Comércio e Turismo, onde se explicitem, nomeadamente, as densidades de ocupação e os índices da área susceptível de construção.

O decreto regulamentar fornece critérios gerais de protecção ambiental e paisagística [artigo 11º, nº 2, alínea b)], impedindo a autorização de acções e empreendimentos que "causem degradação das condições naturais, paisagísticas e do meio ambiente", e impõe que haja regras relativas à densidade de ocupação e à área susceptível de construção, que são instrumentais da aplicação dos critérios gerais. Impõe, por conseguinte, que haja ordenamento sem, todavia, estipular o conteúdo dessas regras perante situações concretas de ordenamento que exigem uma avaliação técnica e delega nos Ministros que tutelam o planeamento do território e o turismo a competência para determinar o conteúdo de tais regras em tais situações.»



Exposto isto, podemos afirmar que se verifica a constitucionalização do regime jurídico da propriedade, mediante a consagração do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e a exigência do cumprimento de uma função social. O perfil individualista e liberal da propriedade foi superado pela concepção de interesses sociais preponderantes.Desta superação de paradigma, decorre a necessidade de se compatibilizarem os princípios constitucionais mediante a ponderação de valores, sendo que o valor ambiental, por ser de interesse público e difuso, não pode ser suplantado pelos interesses privados do proprietário. Destes esforços de integração do sistema jurídico, decorrem os princípios do desenvolvimento económico sustentável e da função sócio-ambiental da propriedade, que, em última análise, visam prevenir a degradação da qualidade ambiental. A elevação do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado à categoria de direito fundamental, entendido como bem de uso comum do povo, inclusive das futuras gerações, ensejou a visualização da autonomia do bem ambiental com relação aos seus bens integrantes. A titularidade da qualidade ambiental é difusa, inapropriável e indisponível para os proprietários dos "microbens" que integram o meio ambiente, sendo também difusa a obrigação de todos preservarem o meio ambiente.Assim, ao titular dos "microbens" é atribuída verdadeira função ambiental, consistente na preservação dos recursos naturais, garantindo a prevenção de danos ambientais e o desenvolvimento sustentável. Nesta óptica, são plenamente legítimas as restrições impostas pela ordem pública ao exercício da propriedade privada, bem como as obrigações positivas para que o imóvel se adeque à defesa e preservação do meio ambiente, pois o proprietário não pode usar de seus bens em detrimento da qualidade ambiental e da capacidade de assimilação natural dos processos produtivos, tendo o dever de, ao lado do Estado, garantir a prossecução. da dignidade humana e da natureza em si mesma considerada.




Fernadez, Maria Elizabeth Moreira, Direito ao ambiente e propriedade privada, Coimbra Editora, 2001
Figueiredo, Guilherme José Purvin de, A Propriedade no Direito Ambiental, Editora Revista dos Tribunais, 2008
Silva, Vasco Pereira, Verde Cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente, Almedina, 2002;

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