sábado, 30 de abril de 2011

Desenvolvimento sustentável: um verdadeiro princípio?

O princípio do desenvolvimento sustentável, enquanto princípio basilar do Direito do Ambiente encontra-se consagrado constitucionalmente no art. 66.º, nº2 da CRP, dispondo este preceito que ao Estado incumbe a realização das tarefas elencadas nas várias alíneas ali previstas como forma a “assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável”.

Este princípio nasceu na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano de 1972, em Estocolmo (que deu origem à Declaração de Estocolmo do mesmo ano) e, como refere o Professor Vasco Pereira da Silva, o que se pretendia com o seu surgimento era alertar para o facto de ser imprescindível a “(...) conciliação da preservação do meio-ambiente com o desenvolvimento sócio-económico”.

Ora, o que aqui está em causa é a tomada de consciência e a ponderação das consequências que as decisões dos entes públicos ao nível económico possam ter no meio-ambiente. Além disso, pretende-se ainda ter em conta o facto de, apesar de uma actividade nova contribuir para o desenvolvimento económico do país, essa mesma actividade pode ter e, e na maioria dos casos terá, consequências negativas para o ambiente, causando prejuízos de difícil reparação e muitas vezes até mesmo irreparáveis, que poderão pôr em causa o próprio desenvolvimento criado compensa.

Assim sendo, a Constituição impõe que o nosso direito ao ambiente seja assegurado, nas palavras do Prof. Vasco Pereira da Silva, através da “fundamentação ecológica das decisões jurídicas de desenvolvimento económico”, ponderando-se os benefícios e os prejuízos resultantes de uma determinada actividade económica.

Não é pacífico na doutrina qual o alcance e autonomia deste princípio. A favor da falta de autonomia do princípio do desenvolvimento sustentável está a Professora Carla Amado Gomes que entende que este princípio se fundamenta muitas vezes em considerações de oportunidade política, ficando desprovido de qualquer significado jurídico. A Professora afirma mesmo que “por um lado, a deriva formulativa de alguns alegados princípios de Direito do Ambiente – como o desenvolvimento sustentado ou a precaução – retira-lhes a natureza principiológica, quer circunscrevendo-os a uma aplicação casuística (nos termos de disposições concretas), quer remetendo-os a “sound bites” de sabor de considerações de oportunidade política. Por outro lado, o carácter ético de certas máximas despe-as de significado jurídico”.

Já o Professor Vasco Pereira da Silva entende que os princípios jurídicos ambientais devem ser considerados verdadeiros princípios de Direito, pois são, desde logo, princípios constitucionais, e o desenvolvimento sustentável não é excepção. Assim sendo, também os princípios ambientais são princípios autónomos que vinculam directamente a Administração Pública.

Ora, como todo e qualquer princípio jurídico, os princípios ambientais têm uma dupla dimensão: positiva, na medida em que são verdadeiros parâmetros que se devem impor aquando da tomada de decisões; e por outro lado, negativa, pois funcionam como limites à actuação da Administração, uma vez que os seus actos que desrespeitem estes princípios serão inválidos.

Embora não seja difícil de aceitar que este princípio encontra o seu fundamento em “considerações políticas”, tal não significa, necessariamente, que o princípio do desenvolvimento sustentável não tenha qualquer significado jurídico. É justamente devido àquela imposição constitucional de se assegurar o direito ao ambiente através de um desenvolvimento sustentável (tal como com base noutros princípios ambientais) que o legislador ordinário tem vindo a aprovar diversos regimes jurídicos com aquele objectivo, como são exemplos os regimes jurídicos da Avaliação de Impacte Ambiental e da Licença Ambiental.

Assim sendo, não posso concordar, com a Professora Carla Amado Gomes quando afirma que o princípio do desenvolvimento sustentável está desprovido de natureza principiológica, por a sua garantia não ser de uma certeza típica dos princípios tradicionais, meramente por se tratar de uma princípio novo e de conteúdo algo difuso. Dado o carácter fundamental que lhe foi atribuído com a sua tutela constitucional, este princípio, tal como os restantes princípios jurídicos ambientais ali consagrados, impõem-se por si só, ainda que a sua efectividade plena fique subordinada à sua concretização pelo legislador. Ora, como refere o Professor Gomes Canotilho, os princípios constitucionais são, por natureza, demarcados por um elevado grau de abstracção, pela necessidade de mediação por parte do legislador para aplicação ao caso concreto, tal como, pelo seu carácter de fundamento do sistema das fontes de Direito e não é por isso que deixam de ter natureza principiológica.

Além disso, a própria autonomização do Direito do Ambiente como disciplina jurídica deve-se em larga medida, à autonomização dos princípios deste ramo do Direito enquanto princípios jurídico-políticos orientadores do Direito.

Discordo ainda da afirmação de que, pelo facto de o princípio do desenvolvimento sustentável se circunscrever a uma aplicação casuística, não lhe poder ser atribuída uma força principiológica. É o próprio conteúdo deste princípio que impõe uma tal actuação casuística, na medida em que tal princípio exige uma ponderação entre a tutela do ambiente e o desenvolvimento económico, isto é, temo que ter em conta os custos ambientais causados por determinada actividade e os benefícios económicos que essa actividade produz para determinar até que ponto é admissível ou suportável. Implica, assim, a tal necessidade de “fundamentação ecológica” da decisão, levando a afastar as medidas que tenham custos insuportáveis para o ambiente. Naturalmente, um princípio com este conteúdo não poderá ser aplicado abstractamente, tendo que, caso-a-caso, serem analisados todos os dados relevantes para aquela ponderação.

Ainda assim, questiona-se se poderemos reconduzir este princípio minimamente a uma manifestação do princípio da proporcionalidade? Creio que não. O princípio da proporcionalidade é um princípio jurídico genérico e, por isso, a aplicável a todos os ramos do Direito, enquanto que o princípio do desenvolvimento sustentável é um princípio especial e privativo do Direito do Ambiente, pelo que terá uma concretização mais específica neste âmbito. Além disso, este princípio tem um conteúdo mais vasto do que apresentado anteriormente, na medida em que também consagra uma ideia de solidariedade ambiental intergeracional, isto é, procura-se satisfazer as necessidades da geração actual sem se comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades.

Se por um lado aceitamos que seja um facto de que os princípios de direito do ambiente possam reduzir-se, de certa forma, a “sound bites” de sabor de considerações de oportunidade política, cremos que tal também não lhe retira a natureza jurídica. A sociedade é uma realidade em constante mutação, quer pelo pensamento político e social presente em cada momento, quer pelas próprias pessoas que a constituem e isso torna necessário uma adaptação ou concretização do conteúdo daqueles princípios a cada momento político. Todavia, tal como isso acontece com os princípios ambientais, também ocorre com muitos outros princípios jurídicos, e tal como esses, também os princípios jurídicos ambientais não são totalmente voláteis, na medida em que a decisão em matéria ambiental está vinculada e terá de ser sempre fundamentada por estes princípios que são o fim último e máximo de protecção ambiental, ou seja, o seu núcleo essencial impõe-se e carece de ser respeitado, apenas podendo ser concretizado de forma diversa.

Assim, e respondendo à questão colocada com este post, cremos que efectivamente o desenvolvimento sustentável é um verdadeiro princípio do Direito do Ambiente, talvez o mais importante, na medida em que é o mais abrangente. Todavia, não sejamos ingénuos, o facto de o considerar um verdadeiro princípio, vinculante para todos, não significa que, na prática, a sua efectividade não esteja ainda enraizada na consciência da população. Verdadeiramente, urge uma mudança de mentalidade no sentido de não fazer prevalecer sempre o interesse económico, cada vez mais difícil dada a crise actual.

Bibliografia:
GOMES, CARLA AMADO, “Textos dispersos de Direito do Ambiente”, AAFDL, 2005.
SILVA, VASCO PEREIRA DE, “Verde cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente”, Almedina, 2005.
GOMES, CARLA AMADO, "Princípios jurídicos ambientais e protecção da floresta: considerações assumidamente vagas" in Revista de Ciências Empresariais e Jurídicas, n.º 9, 2006, pp. 148-149

Nair Cordas
Nº 17473, Subturma 1

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