sexta-feira, 22 de abril de 2011

O nexo de causalidade na responsabilidade civil ambiental

Os crescentes danos ecológicos que um pouco por todo o mundo se têm feito sentir, acompanhados de uma maior consciencialização e preocupação ambiental, fizeram surgir a questão da responsabilidade civil ambiental.

Em primeiro lugar é necessário referir que, ao nível das agressões ao ambiente, a preocupação primacial que existia prendia-se com os danos ambientais em sentido estrito, ou seja, aqueles em que os danos são provocados a pessoas e bens através do ambiente. Esta forma de ver as coisas assentava numa visão antropocêntrica, que encarava o Homem como o centro das preocupações ambientais. Contudo, a necessidade de salvaguardar as gerações futuras e a ideia de desenvolvimento sustentável implicam inevitavelmente a busca por um equilíbrio ambiental, surgindo a questão dos danos ecológicos e da sua responsabilização. Assim, enquanto nos danos ambientais em sentido estrito o dano se repercutia na esfera jurídica do sujeito, no que toca aos danos ecológicos a situação é diversa, pois estão aqui em causa lesões directas ao próprio ambiente, a bens ambientais naturais. De qualquer forma vamos, por agora, abordar a questão da responsabilidade civil ambiental, tendo em conta uma concepção ampla de dano ambiental que abarca tanto os danos ambientais stricto sensu, como os danos ecológicos.

Saliente-se ainda que uma das maiores dificuldades no que respeita à responsabilidade civil ambiental prende-se com a própria fisionomia típica do dano ambiental, onde muitas vezes se conjugam diversos factores (situações de concurso de causas), quer de carácter natural (como a influência dos ventos na emissão de poluentes, por exemplo) quer de carácter humano, bem como as dificuldades provenientes da dilação temporal entre facto e dano. Estes problemas fazem surgir a questão de se será a responsabilidade civil ambiental um meio possível de tutela (reintegradora ou reparatória por oposição à tutela preventiva) do ambiente e se, sendo, como deve então ser imputado o dano ao agente.


No que diz respeito à primeira questão, não cremos que sejam as dificuldades encontradas um motivo para se considerar que a responsabilidade civil ambiental deva ser negada. De facto, estando ligada à ideia de conservação do ambiente, a responsabilidade civil ambiental tem uma função ressarcitória, nomeadamente por permitir a reconstituição natural (o que no domínio ambiental apresenta uma particular importância, pois só assim se conseguirá colmatar o dano provocado e restabelecer o equilíbrio que fora afectado). Para além disso, tem igualmente um carácter preventivo pois o agente que potencialmente poderá provocar o dano estará de sobreaviso quanto aos prejuízos a que as suas condutas poderão conduzir pois sabe que as suas acções terão consequências. Nesta responsabilização está assim também presente o princípio do poluidor-pagador.


Como tal, a solução para os problemas acima referidos passará por se encontrar forma de contornar as dificuldades de imputação do dano ambiental ao agente – estamos assim perante um problema relativo ao nexo de causalidade da responsabilidade civil ambiental.


No que diz respeito a esta problemática, é necessário primeiramente referir os diversos critérios que existem quanto ao modo de aferir o nexo de causalidade:


- Teoria da causalidade adequada – Para esta teoria só pode haver imputação do dano ao agente quando o facto, para além de ser em concreto conditio sine qua non do dano, seja, em abstracto, adequado a produzi-lo. Como tal, o facto tem não só de ser imprescindível para a produção do dano, mas, para além disso, tem de, segundo um juízo de probabilidade, ser idóneo a produzir o dano.


- Teoria do fim da norma – Segundo esta teoria, só deveriam ser imputados ao agente os danos por este provocados que correspondessem à “frustração das utilidades que a norma visava conferir ao sujeito através do direito subjectivo ou da norma de protecção”, como explicita o Prof. MENEZES LEITÃO (1) .


- Teoria do Market-share-liability – Nesta teoria não existe uma verdadeira imputação do dano ao agente, dado que a responsabilidade é aferida proporcionalmente à quota de mercado que determinada empresa possui.


- Teoria da causalidade estatística – Aqui a imputação do dano seria aferida tendo em conta os danos que estatisticamente seriam aptos a ser causados por determinado agente.


- Teoria da conexão do risco – A imputação do dano ambiental ao agente ocorreria quando a conduta deste levasse à criação ou ao aumento de um risco não permitido pela fattispecie legal, sendo o resultado ou evento danoso materialização ou concretização desse risco, como defende a Dra. ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA (2) . Como tal, esta criação ou aumento do risco, só daria lugar a responsabilidade civil se a conduta do agente fosse susceptível de provocar danos nos bens jurídicos tutelados pelas normas jurídicas em causa.


Contudo os problemas relativos ao nexo de causalidade não terminam aqui pois, quer se adopte uma ou outra teoria, existem grandes dificuldades no que toca à prova do nexo causal.


A primeira questão que se coloca prende-se com o grau de prova exigido no que diz respeito ao dano, existindo quanto a este aspecto duas grandes opiniões:


- Uma pugna pela adopção de critérios de verosimilhança, de probabilidade razoável. É a opinião de CUNHAL SENDIM (3), que considera que não se deve exigir nas situações de danos ambientais uma prova stricto sensu, que é aquela que vigora no nosso ordenamento quanto à responsabilidade civil e que significa que o juiz só deve considerar o dano provado se estiver convicto da sua verificação. Para este autor, adoptar este critério poderia levar, na prática, a uma inviabilização da imputação pois muitas vezes o lesado não conseguiria gerar esse grau de convicção no juiz. Como tal, dever-se-ia adoptar critérios de verosimilhança e probabilidade e havendo assim, no que toca à responsabilidade civil ambiental, uma atenuação do grau de prova exigido face à responsabilidade civil dita normal.


- Esta segunda opinião rejeita a possibilidade de se atenuar o grau de prova exigido, como o faz a primeira acima referida. Aqui a Dra. ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA (4) , no seguimento da adopção da teoria da conexão do risco, como acima explicitado, afirma que a convicção que se exige ao tribunal não diz respeito à conditio sine qua non, mas sim à criação ou aumento do risco, o que é totalmente diferente. Por outro lado, e no seguimento do Prof. VASCO PEREIRA DA SILVA (5) , defende a adopção de presunções de causalidade que, em certas situações e estando verificada a previsão legal, permitiriam presumir a imputação de certo dano. Para além disso, em termos de repartição do ónus da prova defende que ao lesado deve-se exigir a prova da criação ou aumento do risco e, feita tal demonstração, o juiz deveria presumir a materialização do risco – haveria aqui, neste segundo momento depois de feita a demonstração, uma inversão do ónus da prova.


Cabe agora analisar o regime do art. 5.º (que consagra o modo de imputação do dano ao agente) do DL 147/2008, referente à responsabilidade civil ambiental.


O art. 5.º, sob a epígrafe de nexo de causalidade, afirma que:


“A apreciação da prova do nexo de causalidade assenta num critério de verosimilhança e de probabilidade de o facto danoso ser apto a produzir a lesão verificada, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto e considerando, em especial, o grau de risco e de perigo e a normalidade da acção lesiva, a possibilidade de prova científica do percurso causal e o cumprimento, ou não, de deveres de protecção.”

Em primeiro lugar, saliente-se que o critério que foi adoptado corresponde à teoria da causalidade adequada, pois afirma-se no art. 5.º que “…o facto danoso deve ser apto a produzir a lesão verificada”. Como tal, e como explicámos, considera-se que para haver imputação o facto danoso tem não só de ser imprescindível para a produção do dano mas ainda idóneo a produzi-lo.


Por outro lado, o grau de prova exigido assenta num critério de verosimilhança e de probabilidade, que deve ser aferido com base no caso concreto, o grau de risco, a normalidade da acção lesiva, a possibilidade de prova científica do percurso causal e o cumprimento ou não de deveres de protecção.


A Professora CARLA AMADO GOMES (6) critica o conteúdo deste artigo, pois considera que se deveria ter adoptado a via da presunção de causalidade e possibilitado a inversão do ónus da prova, pois esta seria já uma decorrência lógica do princípio da prevenção.


Cumpre agora dar a minha opinião sobre esta matéria.


Em primeiro lugar, devo pronunciar-me sobre a adopção do critério da causalidade adequada. Ora estando aqui em causa o ambiente e sabendo-se de antemão as dificuldades que surgem na imputação de um dano ecológico ao agente, não creio que o critério adoptado tenha sido o melhor. De facto, a teoria da causalidade adequada pressupõe que o facto se apresente como imprescindível ao dano. Contudo, o problema encontra-se precisamente em conseguir encontrar o facto sem o qual o dano não se produziria pois em diversas situações, quer pela fisionomia típica do facto, como se referiu, quer pela multicausalidade ou concurso de causas, tal não será possível. Pergunta-se então se não se estará já no campo da prova e não no da teoria que deverá ser adoptada. Concordamos aqui com a Dra. ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA (7) quando afirma que primeiro “há que definir o que provar antes de se discutir quando e como se há-de tomar por provado o facto”. Na verdade a questão da prova surge apenas depois de ter sido feita a imputação do dano ao agente. Só depois, num segundo momento, é que se faz a sua prova. Ou seja, num caso de causalidade adequada, o lesado afirma que determinado facto se apresenta como imprescindível ao resultado danoso, sendo idóneo a produzi-lo e posteriormente (ainda que muitas vezes estes dois momentos se confundam) é que provará essa indispensabilidade e ainda a idoneidade para a sua produção.


É certo que o DL 147/2008 tempera este critério da causalidade adequada com outros factores, como seja as circunstâncias do caso concreto, que poderiam de facto ajudar na procura de qual o facto imprescindível e idóneo à verificação do dano. Crê-se, contudo, que seria bem mais vantajoso adoptar a teoria da conexão do risco. De facto, a análise das circunstâncias do caso concreto em nada nos ajuda na imputação, pois nos casos acima referidos (nas situações de concurso de causas por ex.) muitas vezes não se conseguirá mostrar a imprescindibilidade – é aí precisamente que reside a rejeição da teoria da causalidade adequada. Quanto ao grau de risco e de perigo e a normalidade da acção lesiva já estaremos perante uma maior utilidade mas então pergunta-se o porquê de não adoptar logo a teoria da conexão do risco e permitir a imputação quando haja a criação ou o aumento do risco. Na verdade, se se utiliza estes indícios na selecção de quais os factos que devem ser valorados porque não utilizá-lo com critério geral? O grau de risco não dá por si a resposta que a teoria da causalidade adequada visa, podendo quanto muito fornecer um mero indício de qual será o facto imprescindível e provavelmente idóneo a produzir o dano, devendo posteriormente ser conjugado com os outros factores. Assim, por um lado abre-se portas à ideia de risco, mas volta-se logo a fechá-las pois esta, nos moldes da teoria da causalidade adequada, acaba por se tornar pouco operativa. No que diz respeito à possibilidade de prova científica do percurso causal, cremos que esta se insere já no âmbito da prova da imputação e não na imputação propriamente dita. De facto, não percebemos como pode a possibilidade de prova científica permitir ou relevar para a imputação. A possibilidade de prova não tem nada que ver com a faculdade de imputar o dano ao agente. A prova será importante sim num segundo momento, mas apenas quando se procurar provar a referida imputação. Não é por não se conseguir provar o percurso causal que não há imputação. Pode haver imputação sim, simplesmente pode não se conseguir prová-la. Por fim, no que toca ao cumprimento, ou não, de deveres de protecção, mais uma vez estamos apenas perante um mero indício que, por ex. nas situações em que haja uma dilação temporal entre o facto e o dano, pode nem sequer relevar como tal. E mesmo quando releve não passará disso mesmo, um indício. Assim sendo, apesar do esforço do legislador, crê-se que teria sido mais vantajoso adoptar a teoria da conexão do risco, que dispensa a imprescindibilidade e provável idoneidade do facto, bastando (o que não significa que seja pouco), para que haja imputação, que exista uma criação ou aumento do risco por parte do agente apontado pelo lesado.


No que diz respeito ao grau de prova, adoptou-se aqui um critério de verosimilhança e de probabilidade, ao invés de se ter adoptado as referidas presunções de causalidade e a inversão do ónus da prova. Cabe-me agora pronunciar sobre esta opção do legislador. No que respeita a esta problemática, o prof. VASCO PEREIRA DA SILVA (8) afirma que a opção por uma ou por outra solução não conduzirá a resultados muito diferentes. Não obstante isso, e apesar de não nos chocar de todo a opção do legislador, consideramos que teria sido preferível adoptar a outra solução referida, ao invés de se atenuar o grau de prova exigido (o que acaba por ir de encontro à prova stricto sensu que é a regra), até porque assim tal não seria necessário.


Apesar de tudo aprecia-se o esforço do legislador, representando este uma clara viragem das mentalidades e uma crescente preocupação com o meio ambiente.






Bibliografia:

Gomes, Carla Amado, A responsabilidade civil por dano ecológico: reflexões preliminares sobre o novo regime instituído pelo decreto-lei n.º 147/2008 de 29 de Julho, Actas das Jornadas de Direito do Ambiente, 2009;


Leitão, Luís Manuel Teles de Menezes, Direito das Obrigações, vol. I, Almedina, 2008;

Oliveira, Ana Perestrelo de, Causalidade e imputação na responsabilidade civil ambiental, Almedina, 2007;


Sendim, José de Sousa Cunhal, Responsabilidade civil por danos ecológicos, Almedina, 2002;


Silva, Vasco Pereira da, Verde cor de direito : lições de direito do ambiente, Almedina, 2002.



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(1) Cfr. Prof. MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. I, Almedina, 2008, p. 349.
(2) Cfr. ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA, Causalidade e imputação na responsabilidade civil ambiental, Almedina, 2007, p. 75.
(3) Cfr. CUNHAL SENDIM, Responsabilidade civil por danos ecológicos, Almedina, 2002, pp. 45.
(4) Cfr. ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA, Causalidade e imputação na responsabilidade civil ambiental, Almedina, 2007, p. 89.
(5) Cfr. VASCO PEREIRA DA SILVA, Verde cor de direito : lições de direito do ambiente, Almedina, 2002, p.261.
(6) Cfr. CARLA AMADO GOMES, A responsabilidade civil por dano ecológico: reflexões preliminares sobre o novo regime instituído pelo decreto-lei n.º 147/2008 de 29 de Julho, Actas das Jornadas de Direito do Ambiente, 2009, p. 272-273.
(7) Cfr. ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA, Causalidade e imputação na responsabilidade civil ambiental, Almedina, 2007, p. 64.
(8) Cfr. VASCO PEREIRA DA SILVA, Verde cor de direit : lições de direito do ambiente, Almedina, 2002, p.262.








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