quinta-feira, 7 de abril de 2011

Os Planos de Gestão da Bacia Hidrográfica e o Princípio da Precaução

  1. A Directiva n.º 2000/60/CE (Directiva-Quadro da Água - DQA) tinha por objectivos, grosso modo, conservar e melhorar o ambiente aquático na Comunidade, mediante o controlo quantitativo e qualitativo das águas (Considerando 19), procurar um bom estado para estas (Considerando 26) e conseguir a eliminação das substâncias poluentes (Considerando 27). Para tal, tinham-se por objectivos ambientais atingir no espaço de 15 anos (portanto até 2015), um bom potencial ecológico e (…) químico das águas de superfície e um bom estado das águas subterrâneas (art. 4.º/1-a)-iii e 4.º/1-b)-ii, respectivamente), sendo esses “bons estados” definidos nos termos do art. 2.º/20 a 26 e Anexo V da DQA.
  2. Transpondo a DQA, a Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro (Lei da Água - LdA), prevê no seu art. 29.º/1 a elaboração de planos de gestão de bacia hidrográfica (Planos). Estes Planos são instrumentos de planeamento das águas que, [visam] a gestão, a protecção e a valorização ambiental, social e económica das águas ao nível da bacia hidrográfica. Os parâmetros que delimitam o conteúdo dos Planos vêm previstos no mesmo art. 29.º/1, correspondendo às exigências do Anexo VII da DQA. O legislador previa, no art. 102.º/3 da LdA, que os Planos seriam aprovados até ao dia 31 de Dezembro de 2006 (art. 102.º/3 e 107.º).
  3. Quase seria escusado dizer que os Planos em questão não foram sequer aprovados nem sujeitos a consulta pública, não obstante a DQA exigir a sua publicação o mais tardar nove anos a contar da data de entrada em vigor da presente directiva (art. 13.º/6 da DQA), ou seja até dia 22 de Dezembro de 2009. Na sequência, a Comissão irá levar o caso ao Tribunal de Justiça da União Europeia (juntamente com a Bélgica, Dinamarca e Grécia), notícia avançada ontem pelo Público e cuja autenticidade podemos confirmar no sítio da Comissão.
  4. Seja como for, mais cedo ou mais tarde teremos os Planos os quais, nos termos dos art. 3.º/1-e) da LdA, estão sujeitos ao princípio da precaução, especialmente, diríamos, os programas de medida (art. 29.º/1 o) e 30.º da LdA). Assim, as medidas destinadas a evitar o impacte negativo de uma acção sobre o ambiente devem ser adoptadas, mesmo na ausência de certeza científica da existência de uma relação causa-efeito entre eles (art. 3.º/1-e) da LdA).
  5. Não nos vamos deter em reflexões mais detalhadas acerca do princípio da precaução (já feitas por outros colegas). Importa, porém, reter que é controversa a aplicação deste princípio, seja enquanto princípio autónomo face ao princípio da prevenção (como parece tender a LdA, no confronto das alíneas e) e f)), seja enquanto caracter de alcance mais amplo dentro do próprio princípio da prevenção (como parece aceitar o Prof. Vasco Pereira da Silva)
  6. O (sub) princípio da precaução é visto com muitas reservas especialmente por pressupor um ónus da prova demasiado exigente; só perante uma certeza (na medida em que o Homem pode ter certezas de alguma coisa) científica de que determinada(o) acção/acto não provocará impacto negativo no ambiente é que esta (e) será permitida(o). Diante de custo tão elevado, o agente económico retrair-se-ia e estaria bloqueado o desenvolvimento sócio-económico. Ainda para mais é um custo que pode quedar inglório, se no final do dia se chegar à conclusão de que a acção/acto pretendido é absolutamente neutral para o ambiente.
  7. Se há razões bastante fortes para que se rejeite o (sub) princípio da precaução penso, todavia, que este não deve ser rejeitado ad limine e que seria preferível uma aplicação casuística. Aliás, parece ser esse o sentido proposto pela Comissão Europeia na Comunicação da Comissão relativa ao princípio da precaução, de 2 de Fevereiro de 2000. Propõe a Comissão alguns princípios gerais de aplicação do (sub) princípio da precaução (pp. 18-22): proporcionalidade, não discriminação, coerência, análise económica do custo/benefício e evolução científica. É que, em primeiro lugar, parafraseando a Comissão, raramente há um risco zero para o ambiente. Mas se há determinados componentes naturais que suportam impactos negativos sem que se comprometa definitivamente a capacidade auto-regenerativa da natureza ou a saúde humana há, por outro lado, componentes para os quais qualquer erro pode ser fatal e não é sequer proporcional correr o risco. Penso, sobretudo, na questão da biodiversidade.
  8. Resta saber se, no que respeita à regulação da água, é justificável a aplicação deste (sub) princípio, sendo certo que os diplomas que temos vindo a analisar apontam nesse sentido, não obstante ser entendimento da doutrina expressa no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2-12-2009 (Freitas Carvalho) que não há suporte legal para o afirmar como princípio jurídico vigente na nossa ordem jurídica, devendo antes ser entendido como mera orientação política dos Estados, que o devem ter em conta nas suas opções políticas e legislativas.
  9. Sabendo que as águas, enquanto recurso natural, exigem longos períodos de tempo  para a sua renovação (Considerando 20 da DQA); que a sua escassez e falta de qualidade para o consumo poderão desencadear graves problemas para a saúde humana; e que as águas, especialmente as superficiais, são ecossistema de um número muito significativo de espécies, estaria inclinado para dizer que todo o cuidado é pouco, admitindo com isso a importância da precaução. Nesse sentido, simpatizo com a ideia exposta na decisão de base holandesa em matéria de ordenamento do mar dos Wadden (cfr. o Acórdão do TJCE de 7 de Setembro de 2004, Proc. C-127/02) segundo a qual resulta do princípio da precaução que, quando as melhores informações disponíveis deixarem subsistir uma dúvida manifesta relativa à inexistência de eventuais consequências negativas importantes para o ecossistema, o benefício da dúvida fará inclinar a balança a favor da preservação do mar dos Wadden.
  10. Não deve, todavia, ser abandonada a perspectiva mitigada da Comissão do (sub) princípio da precaução, como parece ser a vontade do Parlamento Europeu (Resolução n.º 2009/C 295 E/20). É que o princípio da precaução não pode deixar de ser princípio para passar a ser regra e por isso a proposta da Comissão parece ser aquela que encontra a solução mais Justa, nomeadamente por não perder de vista outros princípios fundamentais do Estado de Direito.

Sem comentários:

Enviar um comentário