Síntese cronológica dos factos, recolhida no Público:
• 1997 – É levantado o primeiro auto de notícia por contra-ordenação ao proprietário do terreno onde está localizado o aterro, tendo sido determinada a suspensão da movimentação de terras no local
• Na altura, os serviços da CMS entregaram ao PS um documento onde se referia que, apesar de pareceres desfavoráveis da autarquia, vários organismos do Estado haviam dado pareceres favoráveis à exploração do terreno
• 1998 – CMS emite licença de reflorestação do local
• 1999 – É revogada a licença
• O proprietário obtém uma licença da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR LVT) para exploração do local como pedreira de saibro. Nunca viu as suas pretensões aprovadas pela autarquia
• 2001 – A CMS emite um despacho, determinando que não autoriza «qualquer exploração de saibro» ou «qualquer deposição de terras de empréstimo» mas apenas a «recuperação da zona afectada pelos trabalhos anteriores com plantação de espécies adequadas»
• O proprietário move uma acção em tribunal para a suspensão de eficácia deste despacho, (indeferida e alvo de recursos judiciais que foram sempre contrários às suas pretensões)
• 2003 – Apesar do parecer desfavorável da autarquia, a Direcção Regional de Lisboa e Vale do Tejo remeteu informação à CMS onde atribuía uma licença de exploração para pedreira de saibro
• 2004 – a Divisão de Assuntos da CMS propõe que «deverá ser ordenada ao particular a cessação imediata das acções desenvolvidas no terreno»
• 2010 – Ana Gomes ameaça a apresentação de queixa à União Europeia
• Ao longo dos anos, o terreno é alvo de inspecções por parte da Inspecção-Geral do Ambiente e da CCDR LVT, e este assunto suscita reuniões entre CCDR LVT, Ministério da Economia, autarquia de Sintra e Provedoria de Justiça, mas o assunto permanece sem solução
• 2011 – A eurodeputada e vereadora da CMS Ana Gomes apresenta queixa à EU a fim de denunciar os despejos ilegais de toneladas de resíduos na Serra da Carregueira
Quid iuris?
Quanto ao aterro objecto da queixa:
Vejamos: o aterro permanece no local ilegalmente.
Ora, dispõe o art. 23.º do DL n.º 178/2006, que estabeleceu o regime geral da gestão de resíduos, em cumprimento da Directiva n.º 2006/12/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, que «as operações de armazenagem, triagem, tratamento, valorização e eliminação de resíduos estão sujeitas a licenciamento». O art. 66.º do mesmo diploma afirma que «constitui contra-ordenação, punível com coima de €1500 a €3740, no caso de pessoas singulares, e de € 7500 a € 44 890, no caso de pessoas colectivas (…) o exercício não licenciado das operações de gestão de resíduos a que se refere o artigo 23.º».
No âmbito do Direito do Ambiente (e do direito ao ambiente), tão ou mais importante será ainda a obrigação estabelecida pelo art. 69.º do referido diploma, que determina que ao infractor compete a remoção das causas da infracção (aqui, o próprio aterro) e a reconstituição da situação anterior à sua prática. Esta disposição vai ao encontro do conteúdo do despacho de 2001 da CMS.
O art. 72.º do diploma prevê ainda a possibilidade de accionamento de medidas cautelares por parte dos ministros do Ambiente e/ou Saúde em caso de perigo grave para o ambiente e/ou saúde públicos.
Situando-se o aterro relativamente próximo do empreendimento Belas Clube de Campo, em plena Serra da Carregueira, não será difícil concluir pela necessidade de tal medida…
Nenhum destes mecanismos foi accionado, segundo o que resulta do levantamento de notícias que pude fazer.
A Eurodeputada e Vereadora da CMS Ana Gomes apresentou uma queixa às entidades comunitárias. Fê-lo porque diversas directivas em matéria ambiental estão a ser violadas em virtude desta estrutura.
Como poderíamos reagir nas instâncias nacionais?
Além das entidades públicas, qualquer um de nós pode também insurgir-se junto dos tribunais administrativos, uma vez que um particular pode reagir «contra a violação ou a ameaça de violação, por parte de outro particular, de deveres que para ele resultem de normas, actos ou contratos administrativos, sem que as autoridades administrativas competentes, solicitadas a intervir, tenham adoptado as providencias adequadas para impedir ou pôr cobro a tal situação» (MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, Almedina, Coimbra, 2010, p. 63). A esse propósito, veja-se o art. 37.º/3 do CPTA. Além disso, poderia requerer uma providência cautelar de forma a fazer cessar mais rapidamente a actividade do aterro, até à obtenção da decisão de mérito na acção principal (art. 112.º/1 e 2, f) CPTA).
Quanto à exploração da pedreira:
O proprietário do terreno pretende iniciar uma exploração de massas minerais no local. A actividade de exploração de pedreiras é regulada pelo DL n.º 270/2001, que aprovou o regime da revelação e aproveitamento das massas minerais, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 340/2007.
Segundo consegui apurar através do PDM de Sintra, disponível aqui, a área em que se encontra o aterro está classificada como área para indústria extractiva (alerto para o facto de a informação que ora transmito poder ser incorrecta, uma vez que não possuo quaisquer conhecimentos especializados na área da interpretação dos planos urbanísticos… Se assim não for, hipotetize-se).
Nessa medida, a emissão de uma licença de exploração de uma pedreira deve ser precedida de um parecer favorável da CMS, nos termos do art. 9.º do DL 270/2001.
Algo que me intrigou: o art. 11.º do DL 270/2001 afirma que, conforme a espécie de pedreira em causa, a competência para a atribuição de licenças de pesquisa e exploração é da Câmara Municipal ou da Direcção Regional de Economia. Como surge então a CCDR LVT a emitir uma licença de exploração?
Parece de considerar que o que a CCDR emitiu não foi uma licença, mas antes um parecer favorável… É, inclusivamente, isso que resulta de um documento que sistematiza o processo de atribuição de licenças de exploração de pedreiras elaborado pela CCDR LVT e disponível aqui.
É sabido que o PDM, um plano municipal, vincula os particulares, podendo ser-lhes oposto, mas podendo ser também por eles oposto às entidades públicas (arts. 11.º LBOTU e 3.º RJIGT). Dotados de eficácia plurisubjectiva, os planos municipais definem os modos de ocupação dos solos, servindo de parâmetro à prática de actos administrativos de gestão urbanística.
Ainda assim, a CMS não poderá ser obrigada a licenciar aquele projecto concreto de exploração de recursos minerais, pois uma série de elementos haverão de ser ponderados, atendendo às características concretas do plano que o proprietário apresente, às características específicas da área, etc.
Outra hipótese que poderá ser levantada é a de a CMS não proceder ao licenciamento em virtude do facto de estar actualmente em curso a revisão do PDM por eventualmente ter aprovado uma medida cautelar de suspensão da concessão de licenças durante a revisão do PDM. É dado de que não disponho.
O problema não parece fácil de resolver.
Uma área florestal que deve ser preservada está em jogo. O concelho de Sintra, um dos mais populosos do país, com maior diversidade de contextos sociais e geográficos, precisa deste espaço.
Esperemos que as instâncias europeias actuem na defesa dos direitos e legítimos interesses de todos nós e que do novo PDM resulte uma planificação urbanística que não possa pôr em causa as necessidades de fauna e flora que cada vez mais se fazem sentir.
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