Muito se tem discutido se deve ou não haver autonomização do princípio da prevenção do da precaução.
Contudo, antes de analisarmos detalhadamente esta questão, cumpre perceber em que circunstâncias surge o princípio da precaução na Europa Comunitária.
Em 1982, aquando do acidente industrial ocorrido na região de Seveso, surge a Directiva (82/501, 24 de Junho) Seveso que visou a prevenção de acidentes industriais graves que envolviam substâncias químicas perigosas.
Esta Directiva foi sendo alterada ao longo dos tempos, fruto de novos acidentes (explosão de gás no México e fuga de um gás tóxico na Índia) que iam ocorrendo.
Em 1996, surge a Directiva Seveso II com um âmbito mais alargado e tendo em especial consideração o ordenamento do território.
Anos mais tarde, a explosão numa fábrica de material pirotécnico nos Países Baixos, o rebentamento de um tanque com tóxicos numa mina de ouro na Roménia e a explosão de produtos químicos na França originaram novas alterações na Directiva referida.
Os instrumentos de prevenção de riscos ao nível comunitário foram-se multiplicando, surgindo em 2006 uma Directiva relativa à prevenção do risco de inundação.
Com esta breve análise histórica podemos concluir que a opção da União Europeia foi um tratamento conjunto dos riscos (naturais e humanos) e isso tem assento no artigo 196º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia .
Numa dimensão europeia o princípio da precaução tem expressão desde 1992 no artigo 130ºR, nº2 TCE (hoje, 191ºTFUE), enquanto que a nível nacional isso não acontece, estando apenas autonomizado na Constituição o princípio da prevenção (artigo 66ºCRP).
Será de referir que o Governo em comunicado de 24 de Fevereiro de 2011 refere que um dos pontos que consta da proposta de alteração da lei de bases do ambiente que irá ser apresentada é “(...) a autonomização do princípio da precaução face ao princípio da prevenção (...)”.
O princípio da precaução tem, no direito comunitário, uma enorme importância, dado que este princípio não se restringe apenas ao direito do ambiente, mas é visto como um princípio geral de direito europeu. Senão, vejamos a decisão do Tribunal Europeu de 1ªInstância no caso Artegodan ( “O princípio da precaução pode ser definido como uma princípio geral de Direito Comunitário que exige que as autoridades competentes tomem medidas para revenir determinados risco potenciais para a saúde pública, a segurança e o ambiente, dando precedente às exigências relacionadas com a protecção desses interesses em relação aos interesses económicos.”) .
O grande dilema surge quanto à aplicação deste princípio no direito interno, pois Portugal não autonomiza este princípio, tendo apenas consagrado o princípio da prevenção.
A doutrina diverge muito neste ponto.
O Prof. Vasco Pereira da Silva refere-nos que “ preferível à separação entre prevenção e precaução como princípios distintos e autónomos, é a construção de uma noção ampla de prevenção de modo a incluir nele a consideração tanto de perigos naturais como de riscos humanos, tanto a antecipação de lesões ambientais de carácter actual como de futuro, sempre de acordo com critérios de razoabilidade e de bom-senso”.
Para defender esta tese aponta argumentos de vária ordem:
• Elemento linguístico – No vocabulário português a distinção entre prevenção e precaução não existe, sendo expressões sinónimas. Esta distinção apenas fará sentido nos sistemas anglo-saxónicos, pois os termos prevention e precaution têm sentidos diferentes.
• Elemento material: Não considera adequado distinguir : prevenção em razão de perigos decorrentes de causas naturais e precaução em função de riscos provocadas por acções humanas, uma vez que nas sociedades pós-industrializadas, as lesões ambientais são o resultado de um concurso de causas em que não se afigura possível distinguir rigorosamente entre eles. Também não considera adequada a distinção ,em razão do carácter actual ou futuro dos riscos, uma vez que uns e outros se encontram interligados . O ónus da prova de que não vai haver nenhum risco, é excessivo “ não só em virtude do “risco zero” em matéria ambiental ser uma realidade inatingível, como também pelo facto de a consagração de tal exigência representar um factor inibidor de qualquer fenómeno de mudança, susceptível de se virar mesmo contra a própria tutela ambiental.
• Elemento relativo à técnica jurídica: O nosso ordemaneto jurídico eleva o princípio de prevenção a princípio constitucional não fazendo qualquer referência ao princípio da precaução autonomamente.
A Prof. Carla Amado Gomes refere que “o motivo do surgimento da ideia de precaução, foi a necessidade de travar os elevados níveis de poluição marinha, que os Estados provocavam na crença na tese da capacidade de assimilação, a qual assentava num pressuposto de tendencial capacidade de absorção dos poluentes”.
A diferença do princípio da precaução relativamente ao princípio da prevenção, é que a “prevenção lida com a probabilidade, a precaução vai além, cobrindo a mera possibilidade- e mesmo a descoberto de qualquer base de certeza cientifica”.
Não há assim razões para autonomizá-los. Conclui a Prof. Carla Amado Gomes que estamos na presença duma prevenção em sentido amplo.
H.Hey defende que há um reforço do princípio da prevenção, de perigos e riscos, “em que a imposição de restrições às actuações potencialmente lesivas do meio ambiente aumentam na medida da comprovabilidade dos danos e que se baseia numa atitude ponderativa de interesses em presença…”.
Para o Prof. Gomes Canotilho o princípio da precaução deve ser autonomizado face ao da prevenção pois esta é a ideia defendida no artigo 174º, nº 2 TCUE (hoje, artigo 191º TFUE).
Alan Doyle, Tom Carney e Alexandra Aragão defendem que independentemente de existir ou não consagração expressa deste princípio na ordem jurídica interna ele vigora e é directamente aplicável como princípio geral de Direito Europeu.
Esta última autora refere ainda alguns exemplos de consagração expressa deste princípio de forma autónoma em Portugal: Lei de Bases da Protecção Civil (artigo 5º c), Lei 27/2006, 3 de Julho) e Lei da Conservação da Natureza e Biodiversidade (artigo 4º, e) DL 142/2008, 24 de Julho).
Outra questão a debater diz respeito ao facto de os Estados-Membros poderem estabelecer níveis de protecção ambiental mais elevados, desde que através de medidas compatíveis com o Tratado (artigo 192º TFUE).
Alexandra Aragão refere-nos que esta prática (apelidada de Gold-Plating) poucas vezes acontece e quando acontece é mal aceite pela Comissão. Na esteira dos ensinamentos da autora referida, ilustraremos esta questão com alguns exemplos.
“Quando em 2003, a Aústria pretende poribir a produção agrícola de organismos geneticamente modificados na região de Oberosterreich, invocando o princípio da precaução e os riscos de contaminação de culturas por polinização cruzada, a Comissão Europeia proibe. Em 2007, o Tribunal Europeu apoia a Comissão por entender que a situação austriaca não revelava especifidades que justificassem para aquele estado, o estabelecimento de um regime diferenciado, no contexto europeu.
Quando os Cipriotas adoptam legislação, em 2006, que obriga as grandes superfícies a colocar os alimentos geneticamente modificados, em estantes separadas dos alimentos convencionais equivalentes, a Comissão não permite. Neste caso, por não ter havido contestação da decisão, o Tribunal não se pronunciou.”
Outros Estados como o Reino Unido adoptaram uma política de recusa ao Gold-Plating, ou seja, não vão além das exigências mínimas expressas nas Directivas.
Noutros Estado-Membros, ainda, houve a adopção da técnica de transcrição textual, que em bom rigor terá os mesmos efeitos que a anteriormente referida, é o caso de Portugal, Espanha e Finlândia.
Cátia Oliveira Subturma 1 Nº 17237