quarta-feira, 16 de março de 2011

Princípio da Precaução – dimensão europeia

Muito se tem discutido se deve ou não haver autonomização do princípio da prevenção do da precaução.
Contudo, antes de analisarmos detalhadamente esta questão, cumpre perceber em que circunstâncias surge o princípio da precaução na Europa Comunitária.
Em 1982, aquando do acidente industrial ocorrido na região de Seveso, surge a Directiva (82/501, 24 de Junho) Seveso que visou a prevenção de acidentes industriais graves que envolviam substâncias químicas perigosas.
Esta Directiva foi sendo alterada ao longo dos tempos, fruto de novos acidentes (explosão de gás no México e fuga de um gás tóxico na Índia) que iam ocorrendo.
Em 1996, surge a Directiva Seveso II com um âmbito mais alargado e tendo em especial consideração o ordenamento do território.
Anos mais tarde, a explosão numa fábrica de material pirotécnico nos Países Baixos, o rebentamento de um tanque com tóxicos numa mina de ouro na Roménia e a explosão de produtos químicos na França originaram novas alterações na Directiva referida.
Os instrumentos de prevenção de riscos ao nível comunitário foram-se multiplicando, surgindo em 2006 uma Directiva relativa à prevenção do risco de inundação.
Com esta breve análise histórica podemos concluir que a opção da União Europeia foi um tratamento conjunto dos riscos (naturais e humanos) e isso tem assento no artigo 196º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia .
Numa dimensão europeia o princípio da precaução tem expressão desde 1992 no artigo 130ºR, nº2 TCE (hoje, 191ºTFUE), enquanto que a nível nacional isso não acontece, estando apenas autonomizado na Constituição o princípio da prevenção (artigo 66ºCRP).
Será de referir que o Governo em comunicado de 24 de Fevereiro de 2011 refere que um dos pontos que consta da proposta de alteração da lei de bases do ambiente que irá ser apresentada é “(...) a autonomização do princípio da precaução face ao princípio da prevenção (...)”.
O princípio da precaução tem, no direito comunitário, uma enorme importância, dado que este princípio não se restringe apenas ao direito do ambiente, mas é visto como um princípio geral de direito europeu. Senão, vejamos a decisão do Tribunal Europeu de 1ªInstância no caso Artegodan ( “O princípio da precaução pode ser definido como uma princípio geral de Direito Comunitário que exige que as autoridades competentes tomem medidas para revenir determinados risco potenciais para a saúde pública, a segurança e o ambiente, dando precedente às exigências relacionadas com a protecção desses interesses em relação aos interesses económicos.”) .
O grande dilema surge quanto à aplicação deste princípio no direito interno, pois Portugal não autonomiza este princípio, tendo apenas consagrado o princípio da prevenção.
A doutrina diverge muito neste ponto.
O Prof. Vasco Pereira da Silva refere-nos que “ preferível à separação entre prevenção e precaução como princípios distintos e autónomos, é a construção de uma noção ampla de prevenção de modo a incluir nele a consideração tanto de perigos naturais como de riscos humanos, tanto a antecipação de lesões ambientais de carácter actual como de futuro, sempre de acordo com critérios de razoabilidade e de bom-senso”.
Para defender esta tese aponta argumentos de vária ordem:
• Elemento linguístico – No vocabulário português a distinção entre prevenção e precaução não existe, sendo expressões sinónimas. Esta distinção apenas fará sentido nos sistemas anglo-saxónicos, pois os termos prevention e precaution têm sentidos diferentes.
• Elemento material: Não considera adequado distinguir : prevenção em razão de perigos decorrentes de causas naturais e precaução em função de riscos provocadas por acções humanas, uma vez que nas sociedades pós-industrializadas, as lesões ambientais são o resultado de um concurso de causas em que não se afigura possível distinguir rigorosamente entre eles. Também não considera adequada a distinção ,em razão do carácter actual ou futuro dos riscos, uma vez que uns e outros se encontram interligados . O ónus da prova de que não vai haver nenhum risco, é excessivo “ não só em virtude do “risco zero” em matéria ambiental ser uma realidade inatingível, como também pelo facto de a consagração de tal exigência representar um factor inibidor de qualquer fenómeno de mudança, susceptível de se virar mesmo contra a própria tutela ambiental.
• Elemento relativo à técnica jurídica: O nosso ordemaneto jurídico eleva o princípio de prevenção a princípio constitucional não fazendo qualquer referência ao princípio da precaução autonomamente.
A Prof. Carla Amado Gomes refere que “o motivo do surgimento da ideia de precaução, foi a necessidade de travar os elevados níveis de poluição marinha, que os Estados provocavam na crença na tese da capacidade de assimilação, a qual assentava num pressuposto de tendencial capacidade de absorção dos poluentes”.
A diferença do princípio da precaução relativamente ao princípio da prevenção, é que a “prevenção lida com a probabilidade, a precaução vai além, cobrindo a mera possibilidade- e mesmo a descoberto de qualquer base de certeza cientifica”.
Não há assim razões para autonomizá-los. Conclui a Prof. Carla Amado Gomes que estamos na presença duma prevenção em sentido amplo.
H.Hey defende que há um reforço do princípio da prevenção, de perigos e riscos, “em que a imposição de restrições às actuações potencialmente lesivas do meio ambiente aumentam na medida da comprovabilidade dos danos e que se baseia numa atitude ponderativa de interesses em presença…”.
Para o Prof. Gomes Canotilho o princípio da precaução deve ser autonomizado face ao da prevenção pois esta é a ideia defendida no artigo 174º, nº 2 TCUE (hoje, artigo 191º TFUE).
Alan Doyle, Tom Carney e Alexandra Aragão defendem que independentemente de existir ou não consagração expressa deste princípio na ordem jurídica interna ele vigora e é directamente aplicável como princípio geral de Direito Europeu.
Esta última autora refere ainda alguns exemplos de consagração expressa deste princípio de forma autónoma em Portugal: Lei de Bases da Protecção Civil (artigo 5º c), Lei 27/2006, 3 de Julho) e Lei da Conservação da Natureza e Biodiversidade (artigo 4º, e) DL 142/2008, 24 de Julho).
Outra questão a debater diz respeito ao facto de os Estados-Membros poderem estabelecer níveis de protecção ambiental mais elevados, desde que através de medidas compatíveis com o Tratado (artigo 192º TFUE).
Alexandra Aragão refere-nos que esta prática (apelidada de Gold-Plating) poucas vezes acontece e quando acontece é mal aceite pela Comissão. Na esteira dos ensinamentos da autora referida, ilustraremos esta questão com alguns exemplos.
“Quando em 2003, a Aústria pretende poribir a produção agrícola de organismos geneticamente modificados na região de Oberosterreich, invocando o princípio da precaução e os riscos de contaminação de culturas por polinização cruzada, a Comissão Europeia proibe. Em 2007, o Tribunal Europeu apoia a Comissão por entender que a situação austriaca não revelava especifidades que justificassem para aquele estado, o estabelecimento de um regime diferenciado, no contexto europeu.
Quando os Cipriotas adoptam legislação, em 2006, que obriga as grandes superfícies a colocar os alimentos geneticamente modificados, em estantes separadas dos alimentos convencionais equivalentes, a Comissão não permite. Neste caso, por não ter havido contestação da decisão, o Tribunal não se pronunciou.”
Outros Estados como o Reino Unido adoptaram uma política de recusa ao Gold-Plating, ou seja, não vão além das exigências mínimas expressas nas Directivas.
Noutros Estado-Membros, ainda, houve a adopção da técnica de transcrição textual, que em bom rigor terá os mesmos efeitos que a anteriormente referida, é o caso de Portugal, Espanha e Finlândia.


Cátia Oliveira Subturma 1 Nº 17237