terça-feira, 15 de março de 2011

O nuclear: solução ou maldição?

A energia é uma questão essencial dos tempos modernos. O seu debate coloca problemas económicos e ecológicos tendo tanto de polémico como de importante. Parece, aliás, ser uma das áreas onde a dicotomia ambiente/actividade económica é mais patente, algo que é exacerbado pelos extensos exemplos de calamidades ambientais que a esta actividade económica tem causado, mais concretamente (e mais mediaticamente) na área da extracção, transformação e transporte de petróleo e seus derivados (todos nos lembramos do desastre do Petroleiro "Prestige" em 2002 na vizinha Galiza ou do sucedido no ano transacto na plataforma petrolífera da BP no Golfo do México, para dar exemplos que nos são mais próximos, geográfica e temporalmente).
As questões energéticas sempre foram e sempre serão questões da maior importância para o Direito do Ambiente, pois para além dos exemplos negativos citados acima, tem sido uma área onde alguns dos maiores progressos jus-ambientais têm sido conseguidos, como é exemplo o crescente surgimento de automóveis cada vez mais ecologicamente eficientes, que gastam menos combustível e poluem menos.
É uma área onde o interesse económico e o interesse ecológico estão em permanente confronto, sendo também uma das áreas onde os agentes económicos estão sujeitos a maior controlo ao nível dos impactos ambientais das suas actividades, o que não os livra de serem um dos alvos mais apetecíveis das acções das organizações "eco-fundamentalistas".
Os combustíveis fósseis são tidos como sendo os menos amigos do ambiente, não só pelos inúmeros acidentes ambientais que costumam causar, como pelas emissões que a sua transformação e utilização provocam e ainda pelos extensos dejectos poluentes que deixam.
Como contraponto, as energias renováveis são consideradas as mais amigas do ambiente pois não causam tragédias ecológicas e são susceptíveis de causar poucos ou nenhuns dejectos e emissões.
A energia nuclear é normalmente encarada como estando num patamar intermédio em relação a ambas: é menos onerosa para o ambiente que as energias fósseis e é menos cara que as renováveis.
Contudo, um acontecimento recente e ao qual ninguém ficou indiferente, veio reavivar o debate sobre a energia nuclear. Falo, como é óbvio do terramoto e maremoto ocorridos na costa oriental do Japão no dia 11 de Março, que atingiu os 8,9 graus na escala de Richter e que provocou milhares de mortos e milhões de iénes de prejuízo.
Como todos sabemos, uma das "vítimas" desta catástrofe foi a central nuclear de Fukushima que registou até ao momento três explosões nos seus reactores e que ameaça transformar o norte do Japão num novo Chernobil, já que as radiações nucleares se encontram actualmente num nível 10 vezes superiores ao normal, pelo que se já ultrapassou o desastre de Three Miles Island ocorrido em 1979 na Pensivânia onde as radiações foram "apenas" 8 vezes maiores que o normal.
Em Portugal o debate esteve adormecido até à cerca de quatro ou cinco anos. Nessa altura, como ainda não havia crise económica e financeira e ainda se falava de grandes obras para o país , houve um aceso debate sobre se Portugal deveria ou não enveredar pela via do nuclear. A crise financeira que se abateu em 2008 sobre o país, arrefeceu grandemente esse debate.
Na altura grandes nomes das ciências em Portugal como Carlos Varandas e José Carvalho Soares consideraram a energia nuclear como "limpa, potente, economicamente competitiva e com combustíveis abundantes na Terra", sendo os seus riscos " cada vez mais reduzidos", uma vez que tem sido "promovida uma cultura de segurança que não existia há duas décadas atrás". Consideraram também que se se optasse por reactores de fusão seria " ainda mais segura (em caso de avaria nunca pode haver grande libertação de energia devido a reacções descontroladas) e mais amiga do ambiente, uma vez que não cria resíduos".
O debate prosseguiu e no final pôde-se reunir os seguintes argumentos a favor: diminuição da dependência dos combustíveis fósseis (com evidentes benefícios económicos e ambientais); diminuição da emissão de gases causadores do efeito estufa; obtenção de uma energia barata ao mesmo tempo que se criaria emprego; o nuclear é seguro pois é utilizado em muitos países europeus sem que se tenham registados grandes problemas.
Por outro lado, foi possível agregar os seguintes argumentos contra: o nuclear não deixa de ser uma energia não renovável e Portugal tem elevado potencial nas energias renováveis; acarreta enormes custos iniciais para a montagem de uma central nuclear; potencial destruição de ecossistemas com a poluição térmica causada pelo lançamento nos rios de águas utilizadas para arrefecer os reactores; ausência de um processo eficaz e ecologicamente próprio para lidar com os resíduos; problemas de segurança e saúde pública se ocorrer alguma falha humana, natural ou técnica.
Com estas conclusões se conclui o debate e com o estalar da crise económica e financeira, a questão da energia nuclear desapareceu em Portugal. Agora renasce e renasce pelos piores motivos.
Os acontecimentos dramáticos ocorridos no Japão suscitaram reacções diversas nos países que recorrem presentemente à energia nuclear: por um lado a Alemanha suspendeu o processo de renovação das licenças das centrais nucleares que findam em 2022; a Suíça suspendeu a construção de uma nova central nuclear. Por outro lado a França e a Itália reiteram a sua confiança neste tipo de energia, realçando que é uma energia barata e amiga do ambiente .
A tecnologia evolui muito desde Three Miles Island ou desde Chernobil. As centrais nucleares são hoje mais seguras do que eram nessa altura. Os protocolos de segurança estão mais apertados. A legislação mais exigente. Mas o desastre de Fukushima vem demonstrar que a energia nuclear pode não ser sempre tão segura como apregoam. Esta questão remete-me instantaneamente para a discussão em torno do Princípio da Prevenção vs Princípio da Precaução.
Como sabemos tem sido defendido na nossa doutrina que o direito do ambiente está ancorado no princípio da prevenção (Gomes Canotilho, por exemplo) que tem um cariz mais imediato ou actualista e que aparece ligado à ideia de perigo: o agente económico deverá actuar de modo evitar que os concretos perigos ecológicos que a sua actividade acarreta se concretizem.
Contrapõe-se a este princípio um princípio mais ligado ao risco e mais abstracto ou incerto: o princípio da precaução que leva a que o agente económico demonstre que a actividade que desenvolve não trás qualquer risco para o ambiente.
Tradicionalmente tem-se entendido que é preferível o princípio da prevenção no Direito do Ambiente e que a precaução é demasiado onerosa e provoca uma situação de quase probatio diabolica, já que é manifestamente difícil prever todas as consequências ecológicas de todas as acções humanas e a precaução leva a uma prevalência total do ambiente sobre todos os outros interesses.
Ainda que não se concorde com a existência destes dois princípios autonomizados um do outro e que se afirme existir apenas um princípio da prevenção mas com carácter amplo que englobe os dois (como defende o Professor Vasco Pereira da Silva), no meu ponto de vista é de admitir que um mero princípio da prevenção não seja suficiente quando colocados perante a questão da energia nuclear, em face do ocorrido em Fukushima, pois, como se afirma acima, a prevenção existia e até era mais rigorosa do que outrora mas o desastre aconteceu à mesma.
O princípio da prevenção (ou a vertente restrita deste princípio, na concepção do Professor Vasco Pereira da Silva) pode não bastar para evitar estes incidentes, que embora raros, têm consequências apocalípticas para as pessoas e para o ambiente. Creio que, pelo menos na questão das centrais nucleares deva prevalecer o princípio da precaução (ou a vertente ampla da prevenção, de acordo com o Professor Vasco Pereira da Silva), por mais oneroso que seja para os agentes económicos.
A catástrofe de Fukushima e as suas consequências ambientais e humanas encaixam como uma luva no debate prevenção/precaução e devem colocar de novo a questão da energia nuclear na ordem do dia. Mas desta vez, numa versão mais crua: o Nuclear é solução ou maldição?
Ilídio Monteiro Alves, n.º 16634, subtruma 1

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