quinta-feira, 24 de março de 2011

Do Princípio do Poluidor Pagador (PPP): algumas considerações



De entre os vários princípios que informam o regime jurídico da responsabilidade por danos ambientais – estabelecida na União Europeia desde 2004, pela Directiva 2004/35, de 21 de Abril de 2004 e, entre nós, desde 2008, pelo D.L. 147/2008, de 29 de Julho – a saber, os princípios do desenvolvimento sustentável, da prevenção, da correcção na fonte e o da integração, é o princípio do poluidor pagador (PPP) considerado o princípio fundamental inspirador deste regime. Tal consideração, pode-se dizer, resulta claramente do Preâmbulo da citada Directiva, onde se afirma: “O princípio fundamental da presente directiva deve portanto ser o da responsabilização financeira do operador cuja actividade tenha causado danos ambientais ou a ameaça iminente de tais danos, a fim de induzir os operadores a tomarem medidas e a desenvolverem práticas por forma a reduzir os riscos de danos ambientais” (cfr. considerando 2).

I – Breve história do nascimento e evolução do PPP na Europa

O PPP nasceu com o primeiro programa comunitário de acção em matéria de ambiente (1) , em 1973. Todavia, foi através da Recomendação do Conselho nº 75/436, de 3 de Março de 1975, relativa à imputação dos custos e à intervenção dos poderes públicos em matéria ambiental, que o PPP ganhou, com a clarificação das condições da sua aplicação a situações mais complexas (como são os casos da poluição cumulativa e das cadeias de poluidores), novo fôlego, ao mesmo tempo que via a sua densidade normativa reforçada. Em 1989, por via do Acto Único Europeu, que instituiu a política comunitária do ambiente, definindo os objectivos e princípios fundamentais da mesma, o PPP conquistou dignidade constitucional. Nesta fase, o princípio adquiriu força legiferante, traduzindo-se esta na sua consagração em múltiplos regulamentos e directivas sectoriais.
A nível judicial, a sua aparição nos julgamentos dos Tribunais Europeus é frequente, sobretudo para controlar a conformidade de certas taxas ou impostos nacionais com carácter extra-fiscal (2) com a política ambiental europeia. Só para se ter ideia da relevância deste princípio a nível europeu, recentemente o mesmo dói considerado pela advogada-geral alemã junto do Tribunal de Justiça, Juliane Kokott, como um “princípio directos da directiva sobre a responsabilidade ambiental” (3).
A nível interno, a importância dada ao PPP resulta do D.L. 147/2008, de 29 de Julho, que constitui a transposição para o nosso ordenamento jurídica da Directiva 2004/35.

II – O conteúdo do PPP
Muitas dúvidas têm sido suscitadas quanto ao conteúdo normativo do PPP. Para o Prof. Vasco Pereira da Silva, por exemplo, deve ser feita uma interpretação mais restritiva do princípio como “corolário necessário da norma do artigo 66º, nº2 h) da Constituição, que impõe ao Estado a tarefa de «assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com ambiente e qualidade de vida» ”, analisando, sobretudo, a execução do PPP por meio de instrumentos financeiros como sejam os impostos (directos ou indirectos), taxas, políticas de preços e benefícios fiscais (4).
Todavia, consideramos ser mais fácil identificar quais as linhas estruturantes que decorrem do PPP, do que saber qual a interpretação a dar ao mesmo. Nestes termos, cumpre referir, em primeiro lugar, que o PPP é um princípio de internalização de custos, o agente poluidor deve pagar os custos da poluição a que deu origem, em conformidade com regras de justiça, eficácia e evitando distorções de mercado.
De facto, se o objectivo do regime legal fosse somente prevenir a ocorrência de danos ambientais, minimizá-los e repará-los quando não pudessem ser evitados, as preventivas e reparatórias poderiam ser levadas a cabo pelo Estado e não, forçosamente, pelo poluidor. Porém, não foi essa a opção da directiva que deliberadamente colocou as medidas de prevenção e de reparação a cargo do poluidor (5). Pode-se inclusive falar numa preferência, explicada por razões de equidade, por fazer o poluidor suportar directamente essas medidas, correspondendo tal situação à filosofia típica do PPP, i. é, uma filosofia de internacionalização dos custos, como já foi supra referido, acabando por se mostrar como o regime mais justo e, na maior parte das vezes, mais eficaz do ponto de vista ambiental.
Posto isto, importa responder a três questões relevantes para a compreensão do PPP:


1 – Quem é poluidor que deve pagar?
Na Directiva e na lei nacional - artigos 2º, nº6 e 11º, nº1 1), respectivamente – o poluidor é apenas identificado com o “operador” de uma “actividade ocupacional”, reconduzindo-se esta a “qualquer actividade desenvolvida no âmbito de uma actividade económica, de um negócio ou de uma empresa, independentemente do seu carácter privado ou público, lucrativo ou não” (cfr. art. 2º, nº 7 da directiva, correspondente ao art. 2º nº 1 do D.L. 147/2008). Este conceito parece estar de acordo com o conceito doutrinal de poluidor-que-deve-pagar, entendido como sendo quem tiver uma posição de controlo da poluição, sendo, neste contexto, legítimo falar na função de iniciativa da responsabilidade ambiental.

2 – O que deve pagar o poluidor?
A esta questão responde a Directiva, no seu art. 8º, defendendo que o operador deve pagar os custos de prevenção e de reparação dos danos, afirmando, todavia, que “também se justificando que os operadores custeiem a avaliação dos danos ambientais ou, consoante o caso, da avaliação da sua ameaça iminente” (cfr. considerando 18 do Preâmbulo). Para Catherine Thibierge (6), trata-se de instituir uma espécie de “responsabilidade do futuro” ou, nas palavras de Jean Duren (7), “evitar um enriquecimento sem causa do poluidor”.
No que toca às medidas de prevenção e de reparação, é de referir que entre elas vigora, como seria expectável, a regra da subsidiariedade, primeiro devendo ser adoptadas as medidas de prevenção e só a posteriori, se não for possível ou suficiente a prevenção, as de reparação (cfr. artigos 5º e 6º da Directiva quanto ao elenco das medidas de prevenção e reparação, respectivamente).
De salientar que o facto de o regime comportar uma dimensão reparatória não significa nem pode sequer levar à conclusão de que o PPP seja uma compra do direito a poluir. Com efeito, o que se pretende é que o pagamento do imposto pelo possuidor tenha efeitos dissuasores. O poluidor paga para que a poluição não aconteça ou, pelo menos, não aconteça novamente. É neste aspecto que, podemos dizer, reside a diferença entre o PPP e a responsabilidade civil pura, visto que esta visa unicamente a reparação, primeiramente através da reconstituição in natura, se possível (o que a nível ambiental pode, não raras vezes, não ser possível), e depois através de um sucedâneo. Por isso, é de salientar que a principal distinção entre o PPP e a responsabilidade se encontra no momento em que cada um deles é chamado a intervir, sendo que o PPP tem um campo de actuação muito mais vasto, visto que é chamado a priori, como forma de evitar o dano ambiental e, caso esse objectivo falhe, actua a posteriori, visando minimizar os danos e, em última instância, repará-los.

3 – Como paga o poluidor?
Para responder a esta questão podemos aqui invocar a Recomendação do Conselho nº 75/436, que em muito contribuiu para a consolidação do PPP no seio da então Comunidade Europeia. De facto, a partir da mesma, podemos concluir que os principais instrumentos à disposição dos poderes públicos para evitar a poluição são as normas e as taxas.
Por sua vez, o Prof. Vasco Pereira da Silva apresenta um leque mais variado destas formas de pagar, falando na execução do PPP por meio de instrumentos financeiros como sejam os impostos (directos ou indirectos), taxas, políticas de preços e benefícios fiscais.
A propósito da eficácia dos instrumentos utilizados, é de referir aqui a posição da Drª Cláudia Dias Soares (8) que, chamando a atenção para o facto de que ao mesmo tempo que existe um conjunto de instrumentos cujo objectivo número um é claramente o de produzir uma alteração de comportamentos (o que será o caso dos impostos ambientais em sentido próprio), existem outros que relegam para segundo plano aquela que deve ser a principal via de tratamento do problema ecológico, a saber a prevenção, referindo, neste último caso, aos impostos ambientais em sentido impróprio, que são aqueles cujo objectivo primeiro é a obtenção de receitas a aplicar em projectos de defesa ecológica (9).

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(1) Aprovado pela Declaração de 22 de Novembro de 1973 do Conselho das comunidades Europeias e dos Representantes dos Governos dos Estados –membros, reunidos no Conselho.

(2) Vejam-se os recentes Acórdãos do Tribunal de Justiça: de 11 de Setembro de 2003, sobre o sistema de ecopontos para veículos pesados de mercadorias em trânsito pela Áustria (processo C-445/00); de 17 de Novembro de 2009, sobre legislação regional da Sardenha, que cria um imposto sobre as escalas turísticas das aeronaves destinadas ao transporte privado de pessoas, bem como das embarcações de recreio, e que onera unicamente os operadores com domicilio fiscal fora desse território regional (processo C-169/08) e o de 22 de Dezembro de 2008, relativo a um imposto ambiental sobre os granulados no Reino Unido (processo C-487/06).

(3)Processos apensos C-378/08, C-379/08 e C-380/08, reenvios prejudiciais no âmbito de processos instaurados por empresas ligadas a industria química, de plásticos, refinarias e embalagens, contestando medidas de contenção de danos impostas pelas autoridades competentes italianas.

(4) Cfr. Verde Cor de Direito, Almedina, Coimbra, 2005, p. 74 e 75.

(5) O artigo 5º nº4 estabelece que ” a autoridade competente deve exigir que as medidas de prevenção sejam tomadas pelo operador. Se o operador não cumprir as obrigações previstas no nº 1 ou nas alíneas b) ou c) do nº 3, não puder ser identificado ou não for obrigado a suportar os custos ao abrigo da presente directiva, pode ser a própria autoridade competente a tomar essas medidas”.

(6) Citada por Francois Guy Trebulle, ≪Les fonctions de la responsabilite environnementale : reparer, prevenir,punir≫ in: La responsabilité environnementale, prévention, imputation, réparation, Dalloz, 2009, p.31.

(7) «Le pollueur-payeur: L'application et l'avenir du principe», in: Revue du Marché Commun, 1987, p. 144.

(8) «A resposta do imposto ecológico», in ROA, Ano 61, Abril 2001, p.1108 e 1109.

(9) Constitui um exemplo desta espécie de imposto ambiental o tributo que, a nível comunitário, já se considerou fazer incidir sobre o custo total dos pacotes turísticos, como forma de obter receitas a aplicar na preservação e recuperação do equilíbrio ecológico em zonas turísticas.


Essas são, portanto, as considerações que queria aqui deixar relativamente ao PPP, esperando que com isto tenha incutido em todos os que a elas tiverem acesso a vontade de aprofundar os conhecimentos sobre este que constitui um dos mais importante princípios em sede de Direito do Ambiente.

Ângela Maria Varela, subturma 1

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