terça-feira, 15 de março de 2011

Prevenção Vs Precaução

O princípio da prevenção determina que se impeça ou se refreie o desenvolvimento de uma actuação humana se esta comprovadamente lesar, de forma grave e irreversível, bens ambientais, postulando portando, uma lógica de intervenção anterior à ocorrência de danos, pois, mesmo sendo possível a reconstituição natural da situação anterior à sua ocorrência, é de tal modo onerosa, que esse esforço não pode ser exigido ao poluidor.
Por outro lado, nas palavras do Professor GOMES CANOTILHO (Introdução ao Direito do Ambiente, 1998), o princípio da precaução significa que “o ambiente deve ter em seu favor o benefício da dúvida quando haja incerteza, por falta de provas científicas evidentes, sobre o nexo causal entre uma actividade e um determinado fenómeno de poluição ou degradação do ambiente”, permitindo a antecipação da acção preventiva ainda que não se tenham certezas sobre a sua necessidade e legitimando a proibição de actuações potencialmente lesivas, mesmo que essa potencialidade não seja cientificamente indubitável.
A doutrina divide-se quanto à necessidade de autonomização deste segundo princípio em relação ao primeiro, havendo uma vertente doutrinária que lhe nega o estatuto de princípio jurídico devido à sua grande indefinição e controvérsia quanto à fixação do conteúdo dos seus corolários.
A autonomia do princípio da precaução apresenta como desvantagens, em primeiro lugar, a facilidade de confusão entre prevenção e precaução, já que estes são vulgarmente tidos como sinónimos. De facto, a linha que separa estes dois princípios é muito ténue, já que os critérios de distinção construídos pela doutrina (por exemplo, defesa contra um perigo (presente) vs evitação de um perigo (futuro); defesa contra um risco vs defesa contra um perigo) e os resultados a que conduzem nem sempre são claros e inequívocos, não havendo também, distinção estanque vertida na lei.
Em segundo lugar, a defesa da existência de uma inversão do ónus da prova ou de uma presunção que obriga quem pretende iniciar uma actividade potencialmente danosa a fazer prova que não existe qualquer perigo de lesão ambiental seria claramente excessivo, constituindo um impedimento a qualquer nova realidade, uma vez que é ilusório atingirmos um estádio de evolução em que a acção humana (e todas as actividades tradicionalmente tidas como ambientalmente prejudiciais a ela inerentes) não comporte qualquer risco para o ambiente.
Como benefícios da autonomização, é frequentemente referida a conveniência na uniformização deste conceito, em virtude da autonomização generalizada nos planos Comunitário, Internacional e no Direito interno da maioria dos Estados, de forma a evitar equívocos. Contudo, o argumento principal vai no sentido de a autonomização evidenciar que a protecção do ambiente não se basta com a prevenção dos danos, havendo que gerir os riscos. ANA GOUVEIA MARTINS (O Princípio da Precaução no Direito do Ambiente, 2002) chega a considerar que os dois princípios podem entrar em conflito directo, na medida em que o princípio da precaução se pode opor à adopção de determinadas medidas preventivas sempre que estas, sendo idóneas a evitar um determinado dano ambiental, se revelarem susceptíveis de implicar a assunção de riscos sérios e irreparáveis para outro bem ambiental ou conduzirem, a longo prazo, a uma degradação do ambiente.
No meu entender, no que concerne ao conteúdo do princípio da precaução, considero que será de rejeitar uma leitura fundamentalista ou extremista deste princípio, já que esta se traduziria num incremento de atitudes desnecessariamente alarmistas, importando restrições excessivas aos demais bens jurídicos constitucionalmente protegidos, prevalecendo sem qualquer teste exigido pelo princípio da proporcionalidade na sua tripla vertente de adequação, necessidade e justa medida. Esta leitura seria inadmissível na medida em que o valor ambiente não é um valor absoluto, coexistindo com os demais valores de consagração constitucional, não sendo legítima uma regra geral de presunção de prevalência do bem jurídico ambiente.
Deste modo, o princípio da precaução tem de ser temperado com critérios de racionalidade e de bom senso: o princípio da precaução só será invocável quando haja uma dúvida fundada sobre as consequências de uma determinada acção para o meio ambiente e as medidas adoptadas a título “cautelar” não poderão considerar-se definitivas, devendo ser revistas assim que for possível reunir as provas científicas em falta. Por outro lado, os critérios de racionalidade devem também reger a actuação da Administração: por exemplo, na ausência de certeza científica sobre o nexo de causalidade entre a actividade (ou a sua omissão) e a ocorrência de danos irreversíveis para o ambiente, a Administração só deverá optar pela proibição na impossibilidade de adoptar outra solução, ou seja, como medida de última ratio, concedendo autorizações parciais ou temporárias, conseguindo, deste modo conciliar interesses patrimoniais com interesses de protecção ambiental, numa lógica de proporcionalidade das restrições provocadas em virtude da protecção do meio ambiente.
Por outro lado, seguindo o entendimento da Professora CARLA AMADO GOMES (A Prevenção à Prova no Direito do Ambiente, 2000), a diferença entre a prevenção e a precaução está em que a precaução parte sempre de uma orientação preventiva, mas em contrapartida, a prevenção pode não se traduzir em precaução. Assim, o princípio da precaução traduzir-se-ia numa forma de prevenção agravada, decorrente de uma interpretação qualificada do princípio da prevenção, obrigando a uma ponderação agravada do interesse ambiental em face de outros interesses, nomeadamente económicos.
A questão que se coloca agora é a de saber quando e em que situações deve ter lugar essa ponderação favorecida a favor do ambiente, legitimando uma intervenção tendente a evitar determinado efeito, quando nem existe sequer certeza se pode haver lesão. Seguindo o exemplo de ALEXANDRA ARAGÃO (“Direito Administrativo dos Resíduos” in Tratado de Direito Administrativo Especial, 2009), no âmbito do Direito dos Resíduos, em matéria de gestão de resíduos (Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de Setembro), há lugar à aplicação do princípio da precaução quando se está perante uma operação que envolva riscos de danos graves e irreversíveis, ou quando se trate de resíduos excepcionalmente perigosos e haja dúvidas científicas, por exemplo quanto à natureza dos riscos ou dos danos, ou quanto ao nexo de causalidade. Este princípio é aplicável, por excelência, aos resíduos radioactivos, cujos níveis de risco são reconhecidamente elevados, não sendo de afastar a sua aplicação a outros resíduos menos perigosos, desde que a operação a que estão sujeitos comporte riscos de acidente ecológico com danos para o ambiente ou a saúde pública. Por outro lado, tem aplicação o princípio da prevenção quando sejam tomadas medidas destinadas a reduzir a quantidade e o carácter perigoso dos resíduos para o ambiente ou para a saúde, assumindo duas vertentes: prevenção de resíduos, na medida em que a regulação estadual se destina a aprovar mecanismos que incentivem a produção mais limpa, que prolonguem o tempo de vida dos produtos, que evitem a sobre-embalagem, que promovam a reutilização ou a reciclagem; e a prevenção de danos que se reporta à redução de perigos para o Homem e para o Ambiente, resultantes dos próprios resíduos, podendo esta redução ser alcançada através da alteração da composição dos próprios produtos ou através do controlo das operações de gestão.
Deste exemplo resulta uma justificação para a autonomização dos dois princípios assente na sua aplicação diferenciada aos vários domínios ambientais, consoante nesses domínios ou áreas de actuação do Direito do Ambiente, se lide com ameaças graves e de elevada perigosidade (princípio da precaução) ou de menor risco (princípio da prevenção).

Em suma, penso que ambos os princípios contribuem de modo semelhante para o reforço do nível de protecção dos bens ambientais, residindo a principal diferença no facto de a precaução partir sempre de uma lógica preventiva, enquanto a prevenção pode não se traduzir em precaução. Em termos práticos a diferença assume relevância nas situações de dúvida, pois, havendo incerteza, as decisões serão tomadas num sentido in dubio pro ambiente, com a consequência de inversão do ónus da prova, sendo esta de extrema importância já que na maioria dos casos é quem sofre a poluição ou quem, altruisticamente defende a natureza, que se vê sobrecarregado com o ónus de provar a causalidade entre a acção poluente e o dano, envolvendo esta prova, frequentemente, avultadas despesas.
No meu entender, o princípio da precaução deve ser lido enquanto forma qualificada do princípio da prevenção (temperado com critérios de racionalidade), devendo ser-lhe atribuídos âmbitos privilegiados de aplicação no quadro dos vários Direitos Especiais do Ambiente, consoante as características e as especificidades de cada uma dessas áreas de actuação. A delimitação dos âmbitos de aplicação da precaução e da prevenção traduziria o resultado da ponderação realizada entre o bem jurídico ambiente e os bens jurídicos também constitucionalmente protegidos que com ele entrem em conflito.

Nídia Mateus, Subturma 5

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