terça-feira, 22 de março de 2011

Energias Renováveis - aspectos económicos e financeiros

A minha exposição vai consistir em chamar a atenção para a importância da aposta nas energias renováveis e em evidenciar as vantagens económicas e financeiras que a sua exploração traz. Aquilo que pressinto ser um grande entrave quanto a este tema, é o entendimento de que, pelo menos para já, as energias renováveis são muito dispendiosas e não trazem grande vantagem, não são atraentes aos investidores que vivem obcecados com lucros a curto prazo e não se apercebem da oportunidade perdida. Sobretudo no contexto actual de crise financeira à escala global, considero bastante pertinente assumir uma diferente abordagem do mercado, apostando em bens e factores de produção sustentáveis, e não olhar apenas para uma fórmula já esgotada.

Na minha exposição vou abordar:

1) o conteúdo do “Energy Report – 100% renewable energy by 2050, de Fevereiro de 2011, elaborado pela WWF[1], Ecofys[2] e OMA[3];

2) a temática dos auxílios de Estado em sede ambiental.

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1) Relatório:

As Energias Renováveis representam grandes oportunidades a longo prazo. Mas como obter o capital necessário?

Os Estados precisam pôr de parte, por ano, 1 trilião de dólares, de modo a auferirem 4 triliões/ano por volta de 2050 – é esta uma análise da Ecofys. Isto é apenas o que se pouparia caso se adoptassem esquemas de custos reduzidos a nível do petróleo. E também já sem ter em consideração os custos advenientes da mudança climática, que rondam 1/5 do GDP[4] global, segundo o Stern Review[5].

Temos que reduzir drasticamente a emissão de gases do efeito de estufa e mudar para uma fonte energética renovável. Pense-se porventura no valor adicional dos milhões de postos de trabalho criados ou dos benefícios sociais e de saúde, tais como a qualidade do ar e bem-estar.

Mas de modo a atingir este objectivo, deve ser investido um sério capital antes de vermos o seu retorno. A energia renovável deve ser instalada à escala massiva: modernizar a rede de electricidade, transformar as infra-estruturas dos transportes públicos e melhorar a eficiência energética dos nossos edifícios.

A despesa de capital global deve crescer à volta dos 3,5 triliões/ano durante 25 anos, mas não irá crescer acima dos 2% do GDP global. As poupanças vão começar a compensar as despesas em 2040.

Qual é o problema? O nosso sistema financeiro actual não está feito para adoptar o modelo do longo prazo. Os investidores esperam retornos num curto espaço de tempo.

Os novos empreendimentos de energia não podem ser completamente deixados ao mercado livre enquanto for mais barato construir uma central eléctrica a carvão ou gás, em vez de um parque eólico ou painel solar.

Precisamos de novos modelos de financiamento, tais como parcerias público-privadas de riscos compartilhados para incentivar o investimento a longo prazo. A legislação e um quadro político estável ajudam a estimular esse investimento.

As chamadas feed-in tariffs[6] são uma solução-chave. Nestes esquemas, serão garantidos pagamentos às famílias, empresas, comunidades e outras organizações que geram a sua própria electricidade através de fontes renováveis (seja por energia fotovoltaica ou energia eólica). Garantindo um retorno, estas taxas têm provado ser um modo efectivo de encorajar as pessoas a investir na energia renovável e estão a ajudar a baixar os custos de gerar electricidade a partir de fontes renováveis. Contudo, os persistentes subsídios à energia convencional têm diminuído o investimento em energia limpa. Um relatório recente da OCDE calculou o valor dos subsídios ao sector nuclear e aos combustíveis fósseis ao nível global em 700 biliões de dólares por ano.

O investimento nas energias renováveis poderia estimular o crescimento económico e criar bastantes postos de trabalho de “colarinho verde” no sector ambiental e ecológico. A solução passa por ultrapassar a afeição por lucros a curto prazo e reconhecer as oportunidades a longo prazo.

Por fim, o relatório adianta os seguintes conselhos:

- o apoio financeiro só será eficaz se garantir o livre acesso ao mercado e aos consumidores e se se contrariarem os apoios de tendência monopolista;

- melhoria e aumento de legislação;

- regimes de “cap-and-trade” (abordagem de mercado usada para controlar a poluição ao conceder incentivos económicos por se alcançar a redução da emissão de poluentes);

- negociações climáticas a nível global que se concentrem em fornecer financiamento e tecnologia para ajudar os países em desenvolvimento a construir capacidade geradora de energia renovável;

- os decisores políticos e as instituições financeiras devem desenvolver instrumentos financeiros que encorajem o investimento em energia renovável;

- os investidores devem comprar acções em empresas de energia renovável;

- os partidos políticos devem assegurar os investidores de que extensas políticas energéticas hão-de sobreviver às mudanças de governos;

- medidas legislativas no sentido de tornar as normas de eficiência energética juridicamente vinculativas;

- redução de IVA nos aparelhos de maior eficiência energética ou variar as taxas de imposto nos imóveis de acordo com a sua eficiência.

2) Sobre os auxílios de Estado:

Embora sejam genericamente proibidos pelo 87º/1 TCE, os auxílios de Estado são legitimados em sede ambiental através das “Orientações 2008” (sucedânea das de 2001) – é uma Comunicação da Comissão Europeia relativa ao Enquadramento Comunitário dos Auxílios Estatais a favor do Ambiente. A Comissão Europeia reconhece a importância que eles podem assumir no sector ambiental. No entanto, a Comissão alerta que devem ser poucos os auxílios admitidos, mas aqueles que o sejam devem ser significativos em termos de montante (“menos auxílios e mais orientados”).

Os auxílios de Estado seriam uma alternativa ao princípio do poluidor-pagador, visto que este esquema padece de algumas fragilidades… E é um “win-win opportunity”: Estados, empresários e consumidores só saem a ganhar.

As particularidades inovatórias dos auxílios de Estado em sede ambiental prendem-se com o surgimento do Regime Geral de Isenção por Categoria através do Regulamento CE 800/2008 de 6 de Agosto. Nele se inclui um tipo de auxílio – à protecção ambiental – que passa agora a beneficiar da isenção de notificação do auxílio à Comissão Europeia. Já há muito que certas entidades, como a INFORSE[7], exigiam uma simplificação administrativa a este nível.

Nas Orientações de 2008 é evidente a exigência de um benefício efectivo, ou seja, o nível de protecção do ambiente deve ser superior ao que existiria sem os auxílios. E o auxílio só pode ser concedido se se demonstrar que o investimento não se teria dado caso não houvesse auxílio, isto é, se o projecto por si só já apresentasse inequívocas vantagens económicas para o beneficiário do auxílio. Neste ponto, acompanho a crítica de Ana Rita Gomes de Andrade – esta é uma visão deturpada dos objectivos prosseguidos, pois é verdade que o objectivo da existência de auxílios é o facto de o beneficiário sozinho não se sentir atraído em suportar individualmente custos por externalidades negativas. Motivações exclusivamente ambientalistas não o vão demover por muito que hajam boas intenções… Não se vê qualquer problema em que, se possível, do auxílio advenham outros ganhos e benefícios para o beneficiário e para a sua actividade, conquanto isso possa melhorar o nível de protecção do ambiente. Não me parece correcto o entendimento de que “quanto mais atraentes forem os motivos para a empresa, menos atraentes serão enquanto candidatas a um auxílio”. Ainda que por vias menos altruístas, por assim dizer, se se cumpre o propósito almejado, não se compreendem estas exigências todas, que só parecem colocar entraves a um mecanismo que se pretende aberto e flexível.

Um outro aspecto do regime que é importante sublinhar: não serão concedidos auxílios destinados a apoiar as empresas a cumprir objectivos já estabelecidos em normas comunitárias, ou seja, os auxílios servem as empresas que querem alcançar metas mais ambiciosas que as já estabelecidas nas normas comunitárias. Por outro lado, podem apenas compaginar-se em atingir metas nacionais, mas desde que superem as metas comunitárias – um exemplo português é o Programa Eficiência 2015 do Ministério do Ambiente e Inovação que almeja um objectivo que supera a meta sugerida pela Comissão Europeia.

Em conclusão, parece-me que não faltam boas ideias que promovem em simultâneo a protecção do ambiente e o crescimento económico, ideias que contribuem para um desenvolvimento mais que sustentável, “juntando-se o útil ao agradável”. E parece-me que o caminho para alcançar estes dois factores em simultâneo passa pela aposta nas energias renováveis e passa pela mudança de mentalidades por partes dos investidores e dos decisores políticos. Deve começar a pensar-se num novo paradigma económico a nível energético. A “Era do Petróleo” já devia ter sido ultrapassada, no século XXI temos a tecnologia mais que suficiente para apostar no desenvolvimento das energias renováveis. Apenas temos que pensar que o investimento é dispendioso mas bastante frutífero – a longo prazo, sim. Mas é a perspectiva a longo prazo que me parece preferível, e a única viável, se queremos construir um futuro sustentável num contexto actual de crise financeira à escala global.

Ana Catarina Correia

Subturma 5, nº 17117

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BIBLIOGRAFIA:

- Energy Report – 100% Renewable energy by 2050 (acessível em assets.panda.org/downloads/101223_energy_report_final_print_2.pdf);

- Ana Rita Gomes de Andrade, Energias Renováveis – Uma Luz Verde aos Auxílios de Estado?, trabalho preparado para avaliação final da Pós-Graduação em Direito da Energia (2009), organizado pelo Instituto de Ciências Jurídico-Políticas, da Faculdade de Direito de Lisboa.



[1] WWF é uma das maiores organizações independentes de conservação. A sua missão é a de parar a degradação do ambiente e construir um futuro baseado na biodiversidade, evidenciando que a utilização de energias renováveis é sustentável.

[2] Ecofys é uma empresa de consultadoria em energia renovável, fundada em 1984, cuja missão é a de assegurar um fornecimento sustentável de energia para todos. Tem sido pioneira na poupança de energia e na elaboração de soluções para uma energia sustentável e de políticas climáticas.

[3] OMA é uma parceria líder internacional na prática de análise de arquitectura, urbanismo e cultura, em que uma das partes nesta parceria opera em várias áreas, dentro das quais, a energia.

[4] GDP – “gross domestic product” – produto doméstico bruto é o valor das mercadorias e serviços produzidos no mercado local.

[5] Relatório realizado para o governo britânico pelo economista Nicholas Stern, a Escola de Economia de Londres e o Instituto de Pesquisa sobre Ambiente e Mudança Climática de Gratham.

[6] Taxas avançadas renováveis/ Pagamentos de energia renovável – é uma política de encorajamento à adopção de fontes de energia renovável que visa acelerar o processo de chegar à “grid parity” (ponto em que os meios alternativos de gerar electricidade são pelo menos tão baratos como a energia de rede).

[7] Rede de organizações não governamentais independentes cuja missão é encontrar soluções para as energias sustentáveis.

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