segunda-feira, 21 de março de 2011

O DIREITO AO MEIO AMBIENTE NA CONSTITUIÇÃO ESPANHOLA



O DIREITO AO MEIO AMBIENTE NA CONSTITUIÇÃO ESPANHOLA

O Direito, sensível aos apelos e às necessidades sociais, tem vindo ao longo dos tempos, no domínio do ambiente, a dar respostas jurídicas. É essa a história, nomeadamente, dos direitos fundamentais, divididos por várias gerações, ordenadas de modo cronológico, representando as ambições crescentes das populações.
A preocupação jurídica em Espanha relativamente ao ambiente é recente e o seu processo ou  a sua consagração enquanto direito fundamental não se encontra concluído. A doutrina espanhola tem-se mostrado dividida neste debate: se os especialistas, ambientalistas, elevam-no à categoria dos direitos fundamentais e defendem a sua positivação como tal, a verdade é que a doutrina maioritária, na opinião do Professor Catedrático da Universidade do País Basco, DEMETRIO LOPERENA ROTA[1], não tem seguido o mesmo entendimento.
A argumentação utilizada pela tese ambientalista, encontra apoio no panorama internacional, tanto em relação às convenções internacionais, como em relação a outros ordenamentos jurídicos de países próximos.
A nível de instrumentos internacionais, refira-se o art. 25º n.º1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem,  1948 (“toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar”), o art. 12º do Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, de 1966, que faz depender do gozo de uma saúde física e mental saudáveis, o “ melhoramento em todos os aspectos da higiene do trabalho e do meio ambiente” (art. 12º n.º 2 al. b)), a Convenção Europeia de Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, que, apesar de não se poder alegar directamente o direito a um meio ambiente adequado, pode-se, no entanto, alegar a sua protecção em conexão com outros direitos protegidos; também, a Declaração das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, 1972, e, não menos importante (antes pelo contrário), a cimeira do Rio de Janeiro de 1992 (conhecida também pela Cimeira da Terra), em que a questão ambiental foi colada perante 170 países representados e e 117 chefes de Estado, tendo sido assumido como princípio primeiro, o direito dos seres humanos a uma vida saudável e produtiva em harmonia com a Natureza.
Entrando no domínio do Direito Comparado, muitos Estados consagram o direito ao ambiente como um direito fundamental, ainda que conexos com outros direitos positivados.
É o exemplo de Itália, onde na Constituição de 1948 não há referência expressa ao ambiente, tendo este colhido consagração por via jurisprudencial e através da protecção do património histórico e artístico da nação, através do direito à saúde, o interesse da colectividade e a iniciativa económica.
No caso alemão, a Constituição só veio a consagrar tal direito após a sua teorização jurisprudencial e após as emendas à Lei Fundamental,nomeadamente, a de 27 de Outubro de 1994, no seu art. 20º, associando tal direito a uma ideia de responsabilidade do Estado em proteger as condições naturais indespensáveis à vida para com as gerações futuras
A Constituição grega de 1975, consagra no art. 24º n.º 1 o dever do Estado em proteger o meio ambiente através de medidas especiais, preventivas, repressivas ou com o fim da sua conservação.
Na nossa Constituição, o art. 9º e 66º, visam, na opinião do Senhor Professor VASCO PEREIRA DA SILVA, consagrar as vertentes objectiva e subjectivas, considerando a tutela do ambiente “componente dos princípios e valores fundamentais da ordem jurídica portuguesa… como integrando o núcleo duro da Constituição, aquele conjunto de princípios e valores essenciais caracterizadores do Estado-comunidade…”[2]
No mesmo sentido, aponta o Senhor Professor DEMETRIO ROTA, seguem os países da Europa do Leste, onde é notória a positivação do direito ao ambiente no âmbito constitucional, embora os conceitos não apresentem, por comparação, contornos muito precisos.

EM ESPANHA
A dimensão constitucional do direito ao ambiente surge no art. 45º da Constitucíon Española, integrando-se, do ponto de vista sistemático, dentro do Título I, dos “Direitos e Deveres Fundamentais”, e Capítulo III “Dos Princípios Orientadores da Política Social e Económica”.
A integração de tal artigo no Capítulo III leva a doutrina a considerar[3] que o direito ao ambiente não é reconhecido como um direito fundamental e que, como tal, não está sujeito a reserva de lei orgânica (do art. 81º), nem sequer ao princípio da reserva de lei ou de garantia do seu conteúdo essencial. Porque quis o constituinte seguir esta construção jurídica? São dois os motivos apontados: i) o legislador ordinário goza, assim, de maior liberdade de configuração legal; ii) a sua regulação pode ser feita por regulamentos independentes.
O valor normativo da norma, tal como se encontra, não pode, no entanto, deixar de ser valorizado. Não se trata de uma mera ideia do legislador constitucional, influenciado pelas correntes actuais e ecológicas. A sua consagração tem importância prática. Por estar consagrado constitucionalmente, o direito do ambiente actua como parâmetro de constitucionalidade das leis e de limite à arbitrariedade dos regulamentos, além de contribuir para a interpretação da Norma Jurídica. Esse limite, exerce-se, também em relação a outros direitos, tal como tem afirmado a jurisprudência: em relação ao desenvolvimento económico, ao direito de propriedade, ao direito de exploração económica da indústria e energia, para declaração de bens do domínio público, entre outros.  Además, serve de critério habilitante para a intervenção estatal.
Qual o conteúdo deste art. 45º?
Não parecem resultar dúvidas quanto aos seguintes elementos:
  •        O desenvolvimento da pessoa humana;
  •        Os recursos naturais;
  •        A qualidade de vida;
  •        O próprio meio ambiente.
Alguma doutrina vai mais longe (MARTÍN REBOLLO, PÉREZ MORENO, TRNZADO RUIZ, GÁLVEZ MONTES) e defende que nos elementos relativos ao desenvolvimento da pessoa humana e da qualidade de vida estão presentes, também, o meio ambiente social e cultural. Outra doutrina, onde se encontram os especialistas em Direito do Ambiente (MARTÍN MATEO, LÓPEZ RAMÓN, LARUMBE BIURRUN, QUINTANA LÓPEZ) o meio ambiente a que se refere o art. 45º restringe-se ao ambiente natural.
Outros elementos ou direitos normalmente associados parecem estar excluídos devido ao seu tratamento distinto no próprio Capítulo III: referimo-nos ao progresso social e económico (art. 40º), à saúde (art. 43º), cultura (art. 44º), etc.
O próprio meio ambiente viu o seu âmbito alargado em virtude de um acórdão, particularmente importante (Tribunal Constitucional, 102/1995, FJ6), no qual se dizia que “o meio ambiente estaria composto pelos recursos naturais, conceito menos preciso hoje que outrora devido à investigação científica cujo avanço permitiu, por exemplo, o aproveitamento dos resíduos e do lixo, antes descartáveis…”. Identificou a flora e fauna, os minerais e os monumentos (tal como a paisagem), como os elementos estruturais que, no tempo e no espaço, com o devido equilíbrio, formam um ecossistema.  Juntos, diz-nos o TC Español, formam “los tres reinos clásicos de la Naturaleza com mayúsculas, en el escenario que suponen el suelo y el agua, el espacio natural” [4].
O preceito no art. 45º, ao procurar determinar o conteúdo do direito ao meio ambiente, visa delimitar o sujeito consitucionalmente titular do mesmo direito e que  não os seres vivos no seu conjunto ou as espécies, mas sim o ser humano[5].
Seja pessoa física ou colectiva, tem lêgitimidade processual perante os Tribunais Administrativos, quem for detentor de um direito ou interesse legítimo. Através da acção popular é possível preencher o mesmo pressuposto processual. Recusa-se é a restrição para intervir processualmente, apenas a quem for titular do direito lesado. Tal posição afastaria quem fosse titular de um “interesse legítimo”, restringindo o número de sujeitos processuais.
O direito ao ambiente é considerado por DEMETRIO ROTA[6], como um direito vinculado à própria vida humana, como algo de inerente à sobrevivência humana. Neste ponto, aproxima-se da consagração alemã, ao defender que como acção colectivo, o direito do ambiente (neste caso, o dever de o proteger) apresenta uma dimensão ético-política que se revela nos laços de solidariedade que a protecção do seu correlativo (dever) oferece às gerações futuras, como corolário do princípio do desenvolvimento sustentável.
Apesar de ser considerado um parâmetro chave do desenvolvimento civilizacional, o debate em torno do direito do ambiente permanece vivo e longe, parece, da sua consensualização ou, melhor, do consenso em torno da conceptualização. Há, porém, um mínimo comum que releva a importância do ambiente na inserção normativa da legislação ordinária ou em grau superior – Constituição ou convenções internacionais. Esta bondade, pelo menos do ponto de vista ético e jurídico, aponta para uma maior sensibilização da sociedade para com um direito cuja protecção vem sendo reclamada com maior intensidade, para benefício da Humanidade mas também, evidentemente, em benefício da Natureza (com maíscula).


João Luís Mendonça Gonçalves (Subturma 8 - Nº 17362)



[1] LOPERENA ROTA, Demetrio, “Los Derechos al Medio Ambiente adecuado y a su protección”, http://huespedes.cica.es/aliens/gimadus/loperena.html
[2] PEREIRA DA SILVA, Vasco, “Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente”, Almedina, Lisboa, Janeiro 2005.
[3] ORTEGA ÁLVAREZ, Luis, “Lecciones del Derecho del Medio Ambiente”, Lex Nova, Valladolid, 2000.
[4] Pela força e beleza da expressão, mantêmo-la no original, embora possa traduzir-se, sem grande rigor, por estas palavras: Os três reinos clássicos da Natureza com maíuscula, no cenário que supõem o solo e a água, o espaço natural.
[5] Assim, ORTEGA ÁLVAREZ, Luis, “Lecciones del Derecho del Medio Ambiente”, Lex Nova, Valladolid, 2000.
[6] LOPERENA ROTA, Demetrio, “Los Derechos al Medio Ambiente adecuado y a su protección”, http://huespedes.cica.es/aliens/gimadus/loperena.html

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