domingo, 20 de março de 2011

Conformação jurídico-constitucional do direito ao meio ambiente

O meio ambiente deve ser olhado na dupla perspectiva de tarefa estadual (art. 9º alíneas d) e) da CRP) e direito fundamental ou interesse difuso( direito-dever) (art. 66º CRP) .
Além de incumbência constitucional , a lei fundamental traça para o ambiente uma outra dimensão subjectiva ,que prepassa do art 66º/1 CRP.

A primeira ideia que assalta desta consagração é a ideia de um direito subjectivo ao ambiente, porém esta questão está longe de ser pacífica na Doutrina portuguesa e comunitária.
A maior dificuldade, que leva alguns autores a rejeitar a ideia de direito ao ambiente como direito fundamental, reside na difícil conciliação de um bem cuja fruição pretence aos membros da comunidade em geral com a estrutura de direito subjectivo que pressupõe a existência de um substrato susceptível de apropriação individual.
O ambiente na versão ampla que resulta da Constituição é um bem jurídico público, imaterial e inapropriável e portanto na opinião de autores como CARLA AMADO GOMES, no fundo aquilo que a lei fundamental pretende com a indicação subjectiva é solidarizar os cidadãos com a promoção e manutenção de “um bom ambiente”, imputando-lhes um dever de conservação , muito mais importante do que o direito a possuir na esteira desta autora.
Considerando então que a melhor doutrina é aquela que vê no direito ao ambiente um direito-dever de utilização racional.

Autores como CARLA AMADO GOMES, que entendem o direito ao ambiente não como um direito fundamental ao ambiente mas como um direito-dever, será importante chamar à colação o conceito de “interesse difuso” nomeadamente para justificar ou delimitar a legitimidade dos sujeitos que possam ter interesse em demandar.
Estruturando-se o “interesse difuso” na definição de COLAÇO ANTUNES como “ um interesse pertencente a todos e a cada um dos componentes da pluralidade indeterminada de que se trate. Não é um simples interesse individual, reconhecedor de uma esfera individual e própria, exclusiva de domínio.
O interesse difuso é o interesse que cada indivíduo possui pelo facto de pertencer à pluralidade de sujeitos a que se refere a norma em questão. Tão pouco o interesse é próprio de uma comunidade constituída pela soma de interesses (ou alguns deles) dos indivíduos concretos que a compõem e, portanto, exclusivo.
O interesse difuso supõe um plus de protecção ou uma protecção diversificada de um bem jurídico; pública ,por um lado , e de cidadãos , por outro”.
É bastante elucidativa e exemplifica bem a realidade ambiental uma expressão deste mesmo autor “ é um interesse híbrido , que possuí alma pública e um corpo privado que transcende o direito subjectivo privado e se estende pelo público.”
A construção teórica do interesse difuso só ganha relevo perante a impossibilidade de , através da figura da legitimidade individual para defesa dos direitos subjectivos , almejar a tutela de uma situação que transborda o limiar da protecção subjectiva directa e pessoal.
A diferenciação clara destes títulos de legitimidade só revelará, em regra, quando a intervenção processual, visar não apenas a cessação da actividade lesiva do interesse individual e pararelamente geral, mas também a obtenção de um ressarcimento. ( art. 566º/1 2ª parte do CC e o art. 48º da Lei de bases do ambiente).
Uma vez que, em relação à tutela do bem jurídico ambiente, existem meios de defesa com legitimidade alargadas:
- art. 55º CPTA
- Lei nº 83/ 95 de 31 de Agosto –Lei de participação procedimental e de acção popular
- Decreto-Lei nº 147/2008 de 29 de Julho – Responsabilidade por danos ambientais
(…)

Continuando e nesta esteira o direito a um ambiente “ ecologicamente equilibrado”, não será, como refere CARLA AMADO GOMES, uma posição jurídica subjectiva, que se traduz na susceptibilidade de aproveitamento individual , mas antes na utilização desse bem aliado a um dever fundamental de utilização racional, numa perspectiva de solidariedade, quer com os restantes membros da comunidade actualmente considerada , quer com as gerações futuras ( art. 66º nº2 alinea d) CRP). Utilizando uma frase da autora ,” não existe um direito a pedaços de ambiente equilibrado, pertencentes a cada cidadão ”
Apesar de seguir este entendimento de direito ao ambiente enquanto “direito-dever” não obsta à dulpa dimensão do meio ambiente que inicalmente referimos, que é aliás uma questão pacífica na doutrina embora com contornos diferentes:

1) obter do Estado adequada protecção dos bens ambientais através de prestações normativas que previnam e sancionem actuações lesivas( e neste específico aspecto gozará então do regime dos direitos, liberdades e garantias ( art. 18º CRP ex vi do art. 17º CRP), nomeadamente da vinculação de entidades públicas e privadas, e da proibição da afectação do núcleo essencial;

2) a que o Estado desenvolva acções de preservação e de promoção de bens ambientais ( e nesta vertente enquanto direito económico, social e cultura ( que aliás resulta da sua integração sistemática na CRP e da sua implantação social suficiente)
Por fim e em suma, as normas constitucionais enunciadas obrigam os titulares da posição jurídica activa de uso dos bens ambientais a um dever genérico de preservação desses bens , numa lógica comunitária de presente e de futuro.
A contaposiçao entre direito de usar e direito de preservar é uma consequência da garantia de aproveitamento de um bem cuja fruição cabe a todos os membros da comunidade e pela qual todos devem responsabilizar-se.
Por outro lado como já tinha sido referido anteriormente, existe também doutrina que encara o direito ao ambiente, nomeadamente o direito a um ambiente de vida humano, sádio e ecologicamente equilibrado como um direito fundamental ( sem que se descure a tutela objectiva).


VASCO PEREIRA DA SILVA, outro autor sonante em matéria ambiental refere desde logo que “não devem ser confundidos os domínios dos direitos individuais com os da tutela jurídica objectiva.” Considera então que no Direito do ambiente tanto existem direitos subjectivos das pessoas relativamente ao meio ambiente( quadro das relações que tem como sujeitos passivos, entidades públicas e privadas) como a tutela objectiva de bens ambientais. Existe assim uma diferenciação clara entre:

1) direito das pessoas nas suas relações jurídicas ( públicas e privadas) de ambiente;

2) consideração das realidades ambientais enquanto bens jurídicos que implica necessariamente a existência de deveres objectivos ( actuação/abstenção) tanto de autoridades legislativas, administrativas e judiciais , como de privados.

Porém este autor autonomiza ambas as dimensões ( ou a dupla perspectiva de que temos vindo a falar) e acredita que a via mais adequada para a protecção da natureza é a que decorre da lógica da protecção jurídica individual e dai a necessidade de integrar a preservação do ambiente no âmbito da protecção jurídica subjectiva, mediante recurso aos direitos fundamentais e só este consagração considerada expressa ou implicitamente pode garantir a adequada defesa contra agressões ilegais, provenientes de entidades públicas ou privadas, na esfera individual protegida pelas normas constitucionais.
Uma tal perspectiva subjectivista para VASCO PEREIRA DA SILVA não apenas não é incompatível como deve ser acompanhada pela tutela objectiva dos bens ecológicos e mais , tal perspectiva permite também uma correcta ponderação de todos os valores em presença, fazendo radicar a protecção da ecologia na dignidade da pessoa humana e o reconhecimento da dimensão ético-jurídica das questões ambientais. E desta forma é também superada uma velha contraposição entre antropocentrismo e ecocentrismo , em nome da “realização intregrada e integral dos valores ambientais no domínio jurídico.”

Esta dualidade de perspectivas ou de tutelas é para este autor também visível nos arts. 9º alíneas d) e e) CRP e 66º nº1 CRP :

- A defesa da natureza e ambiente assim como a efectivação de direitos fundamentais constitui “ tarefa fundamental do Estado” e está ai em causa a consagração de um principio objectivo que se impõe a todo o ordenamento, estabelecendo finalidades de tutela ecológica a atingir. Trata-se de uma norma programática , que fixa o programa de actuação jurídico-estadual que deve ser concretizada através da actuação dos diferentes poderes do estado (legislativo, executivo e judicial) art. 9º alíneas d) e e) CRP

- Direito ao ambiente com direito fundamental , o que representa uma clara opção pela defesa do ambiente através da protecção jurídica individual, pois os direitos fundamentais constituem posicoes jurídicas substantivas de vantagem dos indivíduos dirigidas contra o Estado e poder púbico e também entidades privadas.
Seja qual a posição seguida ou assumida como a melhor e mais eficaz forma de tutelar e evitar lesões no bem jurídico ambiente a sua tutela hoje assegurada através de diversos mecanismos e a sua legitimidade assume também um conceito bastante amplo.


Artigo 9.º(Tarefas fundamentais do Estado)
São tarefas fundamentais do Estado:( …)
d) Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais; e) Proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território; (…)


Artigo 66º(Ambiente e qualidade de vida)
1. Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.
2. Para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos:
a) Prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão; b) Ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correcta localização das actividades, um equilibrado desenvolvimento sócio-económico e a valorização da paisagem; c) Criar e desenvolver reservas e parques naturais e de recreio, bem como classificar e proteger paisagens e sítios, de modo a garantir a conservação da natureza e a preservação de valores culturais de interesse histórico ou artístico; d) Promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica, com respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações; e) Promover, em colaboração com as autarquias locais, a qualidade ambiental das povoações e da vida urbana, designadamente no plano arquitectónico e da protecção das zonas históricas; f) Promover a integração de objectivos ambientais nas várias políticas de âmbito sectorial; g) Promover a educação ambiental e o respeito pelos valores do ambiente; h) Assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com protecção do ambiente e qualidade de vida.

CARLA AMADO GOMES, Textos dispersos de direito do ambiente( e matérias relacionadas) ,
II vol., Associação académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 2005

VASCO PEREIRA DA SILVA, Verde, Cor de Direito, Almedina, Coimbra, 2005

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