quarta-feira, 16 de março de 2011

Portugal abusa de pesticidas

A comercialização de pesticidas ilegais começa a assumir uma dimensão preocupante e Portugal está no topo da lista dos países europeus que mais têm adiado a proibição do uso de substâncias poluentes na agricultura. Um cenário que mostra bem que o País está mal preparado para a nova directiva para um uso sustentável dos pesticidas na agricultura que tem de ser transposta este ano.
Versão integral na edição papel do jornal «água&ambiente» de Março de 2011

A utilizção de pesticidas em Portugal é uma prática recorrente e encarada com toda a naturalidade por quem os utiliza, dizendo que é necessário combater as pragas animais ou vegetais que constituem uma ameaça para as suas culturas.
Contudo, a utilização destes produtos pode ter um de três fins possíveis:
a) acumulação no solo;
b) degradação total ou parcial por determinados agentes (luz, calor, produtos químicos...)
c) infiltração ou escoamento nas águas.
Qualquer um destes fins vai estabelecer uma ruptura com os ciclos normais do solo e causam invariavelmente poluição.
O DGPC disponibilizou alguns gráficos, que apesar de antigos, são reveladores do aumento da venda de pesticidas, principalmente fungicidas.
Para fazer frente a este fenómeno que tanto prejudica o ambiente e a saúde pública, a União Europeia elaborou algumas directivas, para serem transpostas para os vários estados-membros.
Nesta esteira Pedro Amaro, do Instituto Superior de Agronomia, elaborou um estudo bastante completo acerca de “ A Política de redução dos riscos dos pesticidas em Portugal”.Este autor fez uma análise cuidada dos vários instrumentos europeus e respectivos decretos-lei de transposição portugueses, que passamos a apresentar muito brevemente:
1 –“A CEE deu início à regulamentação sobre substâncias perigosas em 27 de Junho de 1967, através da Directiva 67/548/CEE, e à regulamentação dos pesticidas em 29 de Julho de 1978, pela Directiva 78/631/CEE. A especificidade dos pesticidas não impediu que, no art. 6.º desta Directiva, se determinasse a utilização de frases de risco e de segurança ou outros dados toxicológicos adoptados na legislação das substâncias perigosas.
2. A Política de Redução dos Riscos dos Pesticidas Agrícolas da UE foi iniciada pela Directiva 91/414/CEE de 15 de Junho de 1991 e complementada por outros diplomas, como a Directiva 97/57/CE dos Princípios Uniformes, a Directiva 2003/82/CE (frases de risco e de segurança) e, em particular, pela Directiva 1999/45/CE de 31 de Maio de 1999, que determinou que toda a regulamentação das substâncias perigosas abrange os pesticidas agrícolas e exigiu a obrigatoriedade da inclusão, nos rótulos e nas fichas de dados de segurança, da informação toxicológica e ecotoxicológica mais relevante. A intensificação desta Política na UE admite-se que ocorrerá em 2008, com o novo Regulamento que substituirá a Directiva 91/414/CEE e a Directiva do Uso Sustentável dos Pesticidas, cujos projectos da Comissão foram debatidos e submetidos a 1.ª votação, no Parlamento Europeu em 23/10/07. Estes diplomas, a par de numerosas medidas de restrição ou proibição dos pesticidas de mais elevado risco, determinam a obrigatoriedade da prática da protecção integrada na UE até 1/1/2014.
3. Os conceitos de protecção integrada e de produção integrada da OILB/SROP não são adoptados com rigor e foram frequentes as acções de “resistência”, a nível oficial em Portugal, aguardando, por exemplo, há mais de 12 anos, a correcção de evidentes erros e omissões e também há três anos a actualização em relação à 3.ª Edição da OILB/SROP de 2004. A prática destes sistemas de produção, fomentada, em Portugal, desde 1994 pelas Medidas Agro-Ambientais, através de mais de 225 milhões de euros, abrangeu o financiamento, em 2005, de cerca de 24 000 agricultores, em 240 000 ha de várias culturas agrícolas, envolvendo 443 técnicos de 112 organizações de agricultores. São conhecidas as deficiências do sistema e a “resistência” das entidades oficiais e privadas que impediram a consolidação desta evolução em condições mais favoráveis. É indispensável uma clara mudança e a adopção de uma Política que garanta a desejável qualidade da protecção integrada/produção integrada. Mas, para atingir este objectivo, é essencial confirmar oficialmente o diagnóstico de todas as acções de resistência e adoptar as medidas de política para impedir a sua continuidade.
4. Em Portugal, havia: em 1970, 130 substâncias activas; em 1980, 170 s.a.; e em 1984, 186 s.a.; entre 1984 e 2007 (263 s.a.) verificou-se o aumento de 41% no número de s.a., o que evidenciou que a redução de 7% no número de s.a., ocorrida entre 2003 e 2004, não é significativa e anula a justificação para a
Campanha da DGPC da “desgraça” das proibições de pesticidas, causadas pela Directiva 91/414/CEE. Por outro lado, esta Directiva possibilitou, que nos últimos cinco anos, se tenha procedido a 148 autorizações para usos maiores e 581 autorizações para usos menores.
5. A homologação dos produtos fitofarmacêuticos teve início em Portugal pelo Decreto-Lei 47 802 de 19 de Julho de 1967, através da intervenção do Laboratório de Fitofarmacologia e também da Comissão de Toxicologia dos Pesticidas (criada pelo Decreto-Lei 48 998 de 8 de Maio de 1969). A adesão à CEE justificou a revisão do sistema de homologação dos pesticidas, pelo Decreto- Lei 294/88 de 24 de Agosto, para adoptar os princípios constantes nas directivas comunitárias neste domínio. Com a publicação do Decreto-Lei 94/98 de 15 de Abril, foi dado início em Portugal à adopção da Política de Redução dos Riscos
dos Pesticidas Agrícolas da UE. Após a entrada em vigor na UE, em Julho de 1993, da Directiva 91/414/CEE e em coincidência com a substituição da CTP pela CATPF em 11 de Novembro de 1994, o CNPPA e depois a DGPC desenvolveram uma política de resistência às reformas da UE, e traduzida nos tabus dos pesticidas em Portugal:
• Designação pesticida;
• Classificação toxicológica dos pesticidas com efeitos específicos na saúde
humana e de outros pesticidas de maior perigosidade e das frases de risco;
• É proibida a proibição de pesticidas.
6. O uso dos pesticidas com risco aceitável, determinado pelo Decreto-Lei 94/98 (como base para a autorização da homologação), implica o completo conhecimento das características toxicológicas e ecotoxicológicas dos pesticidas e a exigência da prática de adequadas e, por vezes, indispensáveis medidas de segurança e a rigorosa selecção dos pesticidas. Este objectivo é com muita frequência impossibilitado por graves deficiências de formação de técnicos e de agricultores, em consequência da política adoptada, simultaneamente, pelas entidades oficiais (CNPPA, DGPC, DGADR) e pelas empresas de pesticidas, bem evidenciada pela ausência de adequada informação transmitida por estas entidades.
Além do sistemático atraso na publicação da legislação, tem sido evidente, nos últimos 13 anos, a política de deficiente e insuficiente comunicação do risco dos pesticidas, “escondendo” sistematicamente, informação relativa a importantes características toxicológicas e ecotoxicológicas dos pesticidas e frases de risco e de segurança. Incapazes de ultrapassar conceitos, sempre preferidos, como a boa prática fitossanitária e o uso seguro dos pesticidas, estas entidades têm ignorado as exigências do risco aceitável dos pesticidas e as orientações, já conhecidas desde 2002, do uso sustentável dos pesticidas e , a correcta prática da protecção integrada/produção integrada;
7. Perante as perspectivas, para 2008, da UE intensificar a Política de Redução dos Riscos dos Pesticidas , é essencial ultrapassar as “resistências” das entidades oficiais e das empresas de pesticidas , e que colocaram Portugal na cauda da Europa na política de proibição dos pesticidas e na comunicação do risco dos pesticidas.”
A mais recente Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho data de 21 de Outubro de 2009 e deve ser transposta até Dezembro de 2011.
Todavia, a grande questão que se coloca é “Estará Portugal preparado para a transposição deste directiva ainda este ano?” Iremos tentar dar resposta a esta difícil questão.
No ponto 23 da Directiva diz-se que “(...)A presente directiva visa, nomeadamente, promover a integração de um elevado nível de protecção ambiental nas políticas comunitárias, em conformidade com o princípio do desenvolvimento sustentável (...)”
Estarão os agricultores portugueses disponíveis a uma utilização menos frequente de pesticidas? Ou estarão dispostos a utilizar pesticidas menos agressivos para o ambiente, mesmo que isso acarrete um aumento de custo dos mesmos?
Parece-me que não. Portanto, isto ou levará a um desrespeito pela lei portuguesa ou levará ao abandono da actividade agrícola. Ambas as opções são de rejeitar. A solução aparentemente mais aceitável seria a adopção de pesticidas menos agressivos para a natureza serem comercializados ao mesmo preço que os demais e terem a mesma eficiência no combate às pragas. Será isto possível?
Conciliar um elevado nível de protecção ambiental e um desenvolvimento sustentável afigura-se bastante complexo e difícil.
Já no artigo 11º, nº2 faz-se referência à criação de zonas tampão e ainda à redução ou mesmo eliminação do uso de pesticidas em determinadas zonas, com vista à protecção do ambiente aquático e da água potável.
Apesar desta medida aparentemente pretender proteger o ambiente aquático, na realidade o que ela visa é a protecção em primeira linha da saúde pública.
Finalmente, no artigo 17º refere-se as sanções aplicáveis em caso de desrespeito “ (...)As sanções devem ser efectivas, proporcionadas e dissuasivas.”
Resta saber se as sanções aplicáveis são dissuasivas o suficiente para não ser mais vantajoso para o poluidor pagar a sanção e continuar a poluir, como tem acontecido com alguma frequência.
Na Holanda, Ruud Cino, que trabalha no Departamento Holandês de Remediação dos Solos, refere que o governo disponibiliza um determinado orçamento às entidades locais que se encarregarão da sua utilização.
“Com a actual política, não só são os poluidores que vão pagar a descontaminação, como os donos dos locais e outras partes interessadas, como construtoras. O princípio do poluidor-pagador não funcionava, por isso, passámos para o lógica do beneficiador”, refere o mesmo autor.
Em Portugal, este assunto ainda continua a ser encarado como um assunto menor, não se verificando grandes esforços neste sentido.

Cátia Oliveira Subturma 1 Nº 17237

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