A responsabilidade civil em matéria ambiental vem regulada no DL nº 174/2008 e diferencia dano ambiental de dano ecológico, aplicando ao primeiro a responsabilidade civil e ao segundo a responsabilidade administrativa, por este só poder ser prevenido e reparado em sede de direito público.
Em primeiro lugar cabe distinguir dano ambiental de dano ecológico, sendo que o primeiro resulta em prejuízos causados a pessoas e/ou coisas pelo meio ambiente em que vivem, representa a lesão de bens jurídicos concretos. Enquanto que o dano ecológico se verifica independentemente de causar prejuízos para as pessoas e propriedade, traduzindo-se numa tutela directa ou imediata dos componentes ambientais naturais, trata-se de uma lesão intensa causada ao sistema ecológico natural, sem que tenham sido violados direitos individuais. A tutela dos danos ecológicos só poderia então ser pública, dado tratarem-se de danos sem lesado individual, danos cujas consequências se podem revelar num futuro longínquo, de danos em que não existe um causador individualmente determinado.
A doutrina anterior ao decreto em questão defendia que a via mais adequada para a protecção da natureza é a que decorre da lógica da protecção jurídica individual, no sentido de integrar a preservação do ambiente no âmbito da preservação jurídica subjectiva, mediante o recurso aos direitos fundamentais. Também a jurisprudência seguiu este entendimento, aparecendo a protecção do ambiente apenas como forma de sustentar, do ponto de vista material ou objectivo, acções de responsabilidade que, na verdade, se destinam a ressarcir danos que não ambientais mas sim lesões puramente patrimoniais ou relativas a outros direitos ou bens jurídicos que não directamente relacionados com a tutela ambiental (v.g. Ac. STA de 28.11.2007). Aliás, este entendimento não foi ignorado pelo DL nº 174/2008, quando no seu preâmbulo diz que “um regime de responsabilização atributivo de direitos aos particulares constitui um mecanismo economicamente mais eficiente e ambientalmente mais eficaz do que a tradicional abordagem de mera regulação ambiental, comummente designada de comando e controlo.”.
A atribuição de direitos aos particulares, para que protejam os bens ambientais em sentido estrito tutela também os bens ecológico de modo reflexo, é o chamado free riding.
O ressarcimento de danos ambientais estritos, e não de modo indirecto, como vinha a ser feito antes da entrada em vigor do decreto, através da figura da responsabilidade civil implica algumas dificuldades, tais como:
- Apurar o nexo de causalidade entre facto e dano;
- Existir uma pluralidade de responsáveis de difícil determinação;
- Avaliação pecuniária dos bens ambientais;
- Determinar quais os titulares da indemnização;
- Avaliação pecuniária dos danos futuros (564º/2 CC);
Em relação ao nexo de causalidade, a doutrina mais moderna abandonou a teoria da causalidade adequada (onde é feito um juízo de prognose póstumo de modo a averiguar a probabilidade do facto constituir o dano) e adopta a doutrina do escopo da norma violada, imputando ao agente por intermediário da sine qua non (em que se “elimina” o facto verificando ou não a ocorrência do dado) os danos correspondentes às posições que são garantidas pela norma violada. MENEZES LEITÃO considera que este desenvolvimento é insuficiente em sede ambiental, dado as teorias em causa assentarem em situações estatísticas, muito limitadas em sede ambiental. Também ANA PERESTELO DE OLIVEIRA sustenta que as teorias clássicas da conditio sine qua non, causalidade adequada e teoria do escopo da norma falham a nível ambiental, pois assentam na causalidade naturalística que é impossível no domínio ambiental, defendendo então que a imputação objectiva deve assentar na conexão do risco, em que o facto é objectivamente imputável ao agente quando este tiver criado ou aumentado o risco de verificação do resultado lesivo e esse risco se tiver materializado num resultado.
MENEZES LEITÃO considera que, ainda que o art.5º do DL nº 174/2008 não consagre nenhuma presunção legal de causalidade, não deixa de ser possível ser feita uma presunção judicial de causalidade, art. 351ºCC. No que respeita à causalidade alternativa, em que se sabe que o causador do dano está entre vários agentes mas não é possível determinar a qual deve ser imputado, MENEZES LEITÃO refere a possível utilização das teorias anglo-saxónicas da responsabilidade segundo a quota de mercado (market-share liability), em que a responsabilidade é repartida segundo a presença de cada empresa no mercado, e da responsabilidade segundo o nível de emissões poluentes (polution-share liability), em que a repartição é feita de acordo com os níveis de emissões poluentes, sem necessidade de demonstrar qual foi a concreta emissão que conduziu ao dano.
Em relação aos casos de pluralidade de responsáveis, a legislação estabeleceu a repartição da mesma em partes iguais quando não é possível determinar o grau de culpa de cada um (art. 4º do DL nº 174/2008). Embora pudesse ter recorrido também às teorias anglo-saxónicas mencionadas, conjugadas com o Princípio do Poluidor-Pagador, em que cada um responde com base na sua poluição ou com base no seu peso de mercado, pois em matéria ambiental, como refere MENEZES LEITÃO, há uma presunção de culpa (493º/2 CC).
No que respeita aos problemas de avaliação pecuniária de bens ambientais e de danos futuros, embora seja uma questão complexa não é de todo impossível, assim como não é impossível avaliar o dano morte.
A última dificuldade apresentada, da determinação dos titulares da indemnização levanta maiores problemas ao nível do dano ecológico, pois em relação ao dano ambiental existe um lesado individual. O dano ecológico, mesmo sendo um dano sem lesado individual, permite a utilização da responsabilidade civil, dado que o dano é uma frustração de uma utilidade que é objecto de tutela jurídica – o meio ambiente. Não havendo um lesado individual não é possível identificar quem deve ser ressarcido pelo dano, pelo que a titularidade da indemnização deve ser dada a colectividades, a entes públicos ou a um fundo próprio para o efeito.
Da brevíssima análise feita podemos concluir que, ainda com algumas dificuldades, não é impossível aplicar a figura da responsabilidade civil a bens ambientais, resta saber, dado que o decreto ainda é recente, se a jurisprudência irá realmente ressarcir danos ambientais ou se continuará a reconduzi-los a outros direitos dos particulares mais fáceis de ressarcir.
Catarina Ruivo Rosa, nº 17221, subturma 9
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