sábado, 21 de maio de 2011

Precaução vs. Prevenção: uma questão de risco

NOTA: O presente trabalho não se destina tanto a um estudo das diferenças entre precaução e prevenção, mas sim a uma breve análise sobre a pertinência, apenas de um ponto de vista prático, da autonomização da precaução.

Segundo Eckard Rehbinder, “a política ambiental não se limita à eliminação ou redução da poluição já existente ou iminente (protecção contra o perigo), mas faz com que a poluição seja combatida desde o início (protecção contra o simples risco) e que o recurso natural seja desfrutado sobre a base de um rendimento duradouro”.

Geralmente, os danos ambientais são irreversíveis e irreparáveis, pois invariavelmente não há como retornar à situação anterior que se apresentava no momento do dano ambiental.

Por outro lado, após a ocorrência, os custos da reconstituição ambiental são mais onerosos quando comparados com os da antecipação do dano.

O princípio da prevenção tem como objectivo evitar lesões do meio ambiente, o que implica um juízo de prognose quanto às situações potencialmente perigosas. Ainda que a prevenção se possa associar à repressão, o que está em causa em primeira linha é a tomada de medidas destinadas a evitar a produção de efeitos danosos para o ambiente e não a reacção a essas eventuais lesões.

Ainda assim, nos últimos tempos, a tendência tem sido a de restringir o princípio da prevenção a um conteúdo mais restrito e autonomizar um princípio de precaução, este de conteúdo mais amplo.

Diferentemente do principio da precaução, no principio da prevenção os perigos ao meio ambiente são concretos e são conhecidas as suas causas e por isso devem ser eliminados ou minorados.

Já o principio da precaução exige uma actuação anterior ao principio da prevenção, pois ele actua antes de os possíveis impactos danosos acontecerem, incidindo antes da formação do nexo causal entre o possível efeito do dano com a comprovação cientifica absoluta da sua existência.

Daí, o princípio da precaução é adoptado quando ainda existe incerteza sobre os efeitos nocivos à saúde humana ou ambiente.

Neste contexto, não é apenas a autonomização de um princípio de precaução, face ao princípio da prevenção, que é alvo de criticas. Ademais, a própria noção de punição antes do estabelecimento de um nexo causal é objecto de duras objecções.

Isto porque a precaução, levada ao limite, é, não só irrealista em face da actual impossibilidade de alcançar certezas no plano cientifico, como “absolutista” na sua intenção de privilegiar o interesse ambiental em detrimento de quaisquer outros e de erradicar riscos benéficos em nome de uma lógica de risco zero, como, finalmente, se revela gravemente atentatória da soberania dos Estados que, em nome de meras dúvidas, vêem limitado o seu poder de decisão em matérias que envolvem interesses económicos e sociais de grande relevo.

No fundo, o principio da precaução vem dizer que devem ser os potenciais agressores a demonstrar que uma acção não apresenta riscos sérios ou graves para o ambiente, uma vez que são eles que pretendem alterar o status quo ambiental. Coloca-se então a questão de saber, em primeira linha, se constitui regra aplicável sempre que exista um risco ambiental ou se depende da sua gravidade e irreversibilidade e, num segundo momento, se é necessário demonstrar a inocuidade em relação ao ambiente ou se basta a mera plausibilidade de não ocorrência de efeitos ambientais adversos.

É sobretudo esta a razão que explica o surgimento das referências ao “princípio” em instrumentos de soft law, incapazes de lhe conferir força vinculante contra a vontade dos Estados. A ideia de precaução apresentar-se-ia, assim, mais como um directiva politica, moldável de acordo com aspectos conjunturais, do que como um padrão de comportamento obrigatório (o qual, de resto, está longe de ser, por força da variabilidade da sua formulação).

Em suma, e admitindo que se pode efectivamente traçar esta distinção de um ponto de vista teórico, então, na prática, a prevenção actuaria no sentido de inibir o risco de um dano potencial, ou seja, procuraria evitar que uma actividade sabidamente perigosa viesse a produzir os efeitos indesejáveis. Já, diferentemente, o principio da precaução actuaria para inibir o risco de perigo potencial, ou seja, o risco de determinado comportamento ou actividade perigosos abstractamente.

Assim, no principio da precaução, o perigo que se quer prevenir é potencial ou de periculosidade potencial, enquanto que no da prevenção o perigo deixa de ser potencial, para passar a ser certo (tanto quanto isso seja possível de se dizer). Neste, existem elementos concretos para afirmar que a actividade é efectivamente perigosa, de modo que não se pode mais buscar a prevenção contra um perigo que deixou de ser simplesmente potencial, mas real e actual. Na prevenção, a configuração do risco transmuta-se para abandonar a qualidade de risco de perigo e para assumir a do risco de produção dos efeitos sabidamente perigosos.

Pessoalmente, e tendo presente todas estas considerações sobre os efeitos práticos desta eventual distinção teórica, parece-me que é de aproveitar uma ideia levantada pela Professora Carla Amado Gomes, quando estabelece que a precaução, por irrazoável que é, deve ser vista como uma vertente do principio da prevenção, que seria limitada pelo principio da proporcionalidade, devendo antes entender-se como uma prevenção alargada, uma vez que um principio deve sempre possuir um significado jurídico.

De facto, em face da incerteza quanto ao grau de incerteza (passe a repetição), necessário para accionar a precaução, esta não deve ganhar autonomia em face da prevenção. Realce-se que, mesmo em documentos internacionais que avançam uma versão mais estrita de precaução, não se prescinde de uma razão para crer na superveniência de um efeito lesivo, o que esbate a linha separatória entre perigo e risco.

Assim, nas palavras do Professor Vasco Pereira da Silva, “preferível à separação entre prevenção e precaução como princípios distintos e autónomos é a construção de uma noção ampla de prevenção, adequada a resolver os problemas com que se defronta o jurista do ambiente.”

BIBLIOGRAFIA:

- Gomes, Carla Amado; A prevenção à prova no Direito do Ambiente em especial, os actos autorizativos ambientais; 2000; Coimbra Editora

- Silva, Vasco Pereira da; Mais vale prevenir do que remediar – Prevenção e precaução no Direito do Ambiente – Direito Ambiental Contemporâneo – Prevenção e Precaução, coord. João Hélio Ferreira Pés e Rafael Santos de Oliveira; 2009; Curitiba


Por: Raquel Nunes, 17511, subturma 1

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