sábado, 21 de maio de 2011

A DIA, quanto às matérias nela vertidas e ali consolidadas, configura acto administrativo susceptível de impugnação?

Primeiramente refere-se que, no âmbito do CPTA, acto administrativo impugnável é o acto dotado de eficácia externa, actual ou potencial, neste último caso desde que seja seguro ou muito provável que o acto irá produzir efeitos. Sendo que, a lesividade subjectiva constitui mero critério, mas talvez o mais importante, de aferição da impugnabilidade do acto administrativo, coloca a sua impugnabilidade sob a alçada da garantia constitucional, e confere ao autor pleno interesse em agir.

A nossa Lei Fundamental garante aos administrados o direito a impugnarem junto dos tribunais administrativos quaisquer actos ou condutas desenvolvidos pela Administração Pública que os lesem na sua esfera jurídica e independentemente da sua forma (art. 268.º, n.º 4 da CRP).
Presente o quadro legal decorrente da Reforma do Contencioso Administrativo 2002/2003 verificamos que se manteve, entre nós, um regime de “duplo dualismo processuale como refere Sérvulo Correia tal repartição “… forma a base de uma matriz bipolar, que tem como colunas os dois meios processuais principais de tramitação não urgente: a acção administrativa comum e a acção administrativa especial (…)”.
A acção administrativa especial - 46.º e segs. do CPTA – “constitui um meio processual principal do contencioso administrativo através do qual são efectivados ou tutelados alguns dos direitos subjectivos das relações jurídicas administrativas, sendo que provisoriamente e para assegurar a utilidade e eficácia do que ali venha a ser decidido faculta o legislador aos interessados a possibilidade de dedução de procedimentos cautelares (arts. 2.º, n.º 1, e n.º 2, als. d) e m), 46.º e segs. e 112.º e segs. do CPTA)”. Nos termos do n.º 1 do art. 46.º do CPTA seguem a forma de acção administrativa especial os processos relativos a pretensões emergentes da prática ou da omissão ilegal de actos administrativos ou de normas que tenham ou devessem ter sido emitidas ao abrigo de disposições de direito administrativo, sendo que os pedidos principais legalmente admissíveis, por força do previsto no n.º 2 do mesmo normativo, continuam a ser os de anulação/nulidade ou inexistência de actos administrativos e o de declaração de ilegalidade de normas com força obrigatória geral, alargando-se agora ao pedido de condenação à prática de acto legalmente devido e, bem assim, ao de declaração de ilegalidade de norma em casos concretos e de declaração de ilegalidade por omissão de regulamento.

Assim, tal como refere Vieira de Andrade, Mário Aroso de Almeida, entre outros, a «acção para impugnação de actos administrativos constitui uma “subespécie” da acção administrativa especial e mostra-se disciplinada, em termos de disposições particulares, nos arts. 50.º a 65.º daquele Código, regendo-se a acção de condenação à prática do acto legalmente devido, a outra “subespécie” da acção administrativa especial, pelos arts. 66.º a 71.º enquanto preceitos específicos».
O meio contencioso judicial relativo à pretensão impugnatória, face ao regime conjugado que decorre dos arts. 46.º, 47.º e 95.º do CPTA, tem como objecto de litígio toda a relação jurídica administrativa em questão (“ilegitimidade jurídica” do acto impugnado) e não apenas a “mera anulação” do acto administrativo nos estritos que haviam sido vertidos no articulado inicial».

Relativamente a esta matéria, resulta do art. 17.º do DL n.º 69/2000, de 03.05, relativo ao “conteúdo” da DIA, que a “… decisão sobre o procedimento de AIA consta da DIA, a qual pode ser favorável, condicionalmente favorável ou desfavorável e inclui os seguintes elementos: a) Pedido formulado pelo proponente; b) Resumo do conteúdo do procedimento, incluindo dos pareceres apresentados pelas entidades consultadas; c) Resumo do resultado da consulta pública, expressando as preocupações e opiniões apresentadas pelo público interessado e forma como essas considerações foram tidas em conta na decisão; d) Razões de facto e de direito que justificam a decisão …” (n.º 1) e que a mesma “especifica ainda as condições em que o projecto pode ser licenciado ou autorizado e contém obrigatoriamente, quando necessário, as medidas de minimização dos impactes ambientais negativos que o proponente deve adoptar na execução do projecto …” (n.º 2).
E, por sua vez, decorre do art. 20.º do mesmo DL, sob a epígrafe de “força jurídica”, que o “… acto de licenciamento ou de autorização de projectos sujeitos a procedimento de AIA só pode ser praticado após a notificação da respectiva DIA favorável ou condicionalmente favorável ou após o decurso do prazo necessário para a produção de deferimento tácito nos termos previstos no n.º 1 do artigo anterior …” (n.º 1), que em “… qualquer caso, o licenciamento ou a autorização do projecto deve compreender a exigência do cumprimento dos termos e condições prescritos da DIA ou, na sua falta, os elementos exigidos no n.º 5 do artigo 19.º do presente diploma …” (n.º 2) e que são “… nulos os actos praticados com desrespeito pelo disposto nos números anteriores, bem como os actos que autorizem ou licenciem qualquer projecto sujeito ao disposto no artigo 28.º sem o prévio cumprimento do disposto nesse artigo …” (n.º 3).
Munidos deste quadro legal atentemos ao que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a entender neste âmbito, quer em termos da caracterização do acto quer da sua impugnabilidade.
Assim, sustenta Vasco Pereira da Silva que “(…) sempre que uma qualquer decisão administrativa possa afectar direitos fundamentais - como será por exemplo (…) se se tratar de actos em matéria (…) de ambiente - ela deve ser tomada na sequência de um procedimento administrativo, de modo a que os particulares, que possam vir a ser por ela afectados, tenham a possibilidade de proteger preventivamente os seus direitos perante a Administração (…)”. O mesmo Professor, após caracterizar as relações administrativas ambientais como “relações jurídicas multilaterais” (relações em que existem várias partes nas quais “… a Administração e os diferentes particulares se envolvem numa rede de ligações jurídicas, de que resultam direitos e deveres recíprocos …”), defende, reportando-se já ao regime legal decorrente do DL n.º 69/2000, que “(…) o procedimento administrativo de avaliação do impacto ambiental destina-se a verificar as consequências ecológicas de um determinado projecto, procedendo à ponderação das respectivas vantagens e inconvenientes em termos de repercussão no meio-ambiente. (…) a avaliação do impacto ambiental é um meio jurídico ao serviço da realização dos fins ambientais, e em particular do princípio da prevenção (…)”, tal como é “(…) ainda um instrumento de realização dos (…) princípios do desenvolvimento sustentável e do aproveitamento racional dos recursos disponíveis (…)”, sustentando, então, quanto ao conteúdo e força jurídica da “DIA”, que a mesma se trata “(…) de um acto administrativo que integra uma relação jurídica duradoura e que resulta de um procedimento complexo, constituindo um pressuposto da prática de actos jurídicos posteriores, que ficam por este condicionados, quer no que respeita à sua existência, quer ao seu conteúdo (…)” que é “(…) um acto administrativo que é pressuposto de um futuro acto licenciador, sendo estas duas formas de actuação condição uma da outra, no quadro de um procedimento administrativo complexo e faseado, onde vão sendo produzidos sucessivos actos jurídicos autonomamente relevantes. A avaliação de impacto ambiental não é, por isso, um mero acto opinativo, um simples parecer, mas sim uma decisão jurídica de ponderação de interesses, que procede a uma análise dos custos/benefícios de determinada actividade em razão de critérios ambientais.
… A decisão de avaliação de impacto ambiental é um acto administrativo recorrível, que se insere numa relação jurídica administrativa duradoura, e que resulta de um procedimento faseado, no âmbito dos quais ele constitui simultaneamente condição de existência e de determinação do conteúdo de outro(s) acto(s) administrativo(s) posterior(es). A «vinculatividade» do acto de avaliação interna não se coloca, portanto, ao nível interno, do relacionamento entre actos de procedimento, mas sim ao nível externo, de actos produtores de efeitos lesivos, ainda que integrados numa mesma relação jurídica duradoura.
(…) Está-se aqui perante uma manifestação de um fenómeno, típico da Administração infra-estadual dos nossos dias, de «faseamento do processo de decisão», e que conduz ao surgimento de «decisões prévias» …, que são de considerar como uma modalidade de actos administrativos (…). Tal é o caso da decisão de avaliação de impacto ambiental que é uma decisão prévia, na medida em que é uma «decisão final sobre questões isoladas das quais depende a atribuição da autorização global» (…). Consistindo assim num «acto administrativo com uma eficácia limitada àquela parte da decisão que foi regulada em 1.º lugar» pelo que pode «ser impugnado pelos interessados» …
No âmbito do anterior regime legal em matéria ambiental, também Colaço Antunes, caracterizando a “AIA” como um procedimento paralelo e não um procedimento absorvente ou subprocedimento, sustentava que a sua decisão final (o parecer da “AIA” ou a “DIA”) era um acto administrativo final parcial contenciosamente recorrível. No mesmo sentido, e já no âmbito do DL n.º 69/2000 encontramos Pedro Portugal Gaspar sustentando que “(…) com a introdução do parecer vinculativo em sede de A.I.A. eliminou-se a possibilidade de melhoramento progressivo da vontade inerente ao juízo final, uma vez que há desde logo uma vontade prévia e determinante, a qual pode de imediato, após a realização do respectivo procedimento, colocar um ponto final no procedimento subsequente.
... De forma inequívoca … houve um reforço da tutela ambiental, que o procedimento de A.I.A. ganhou uma autonomia total em relação ao procedimento principal, surgindo como um verdadeiro procedimento paralelo, uma vez que o seu resultado determina directamente o procedimento principal, também dito autorizativo.
… passou agora a ser claro que há, de forma indiscutível, uma sindicabilidade autónoma do parecer emitido em sede de A.I.A., ou seja, independentemente do designado procedimento principal …
”.
A jurisprudência nacional confrontada com a questão em análise teve já oportunidade de tomar posição: o STA no seu douto acórdão de 5/4/2005 defendeu quanto à impugnabilidade relativamente a uma “Declaração de Impacte Ambiental” negativa ou que haja imposto condições. Depreende-se da fundamentação do aludido acórdão, que se aqui se acolhe, o seguinte: “… E este STA no domínio de vigência do DL 186/90, de 6.6 no Ac. de 18.04.2002, P. 46058, decidiu que o parecer sobre a avaliação de impacte ambiental era instrumental do acto final “sem envolver de per si a definição autoritária de uma situação jurídica, não provocando por isso, efeitos lesivos na esfera jurídica dos particulares”. Também o TCA Norte, sobre a questão e o concreto acto administrativo em presença, embora em sede cautelar, veio tomar posição no seu acórdão de 12.06.2008. Para o efeito argumentou-se nos seguintes termos “… é nosso entendimento, que assiste razão à recorrente, no que concerne ao carácter impugnável do acto consubstanciado na Declaração de Impacte Ambiental - DIA.
Na verdade, se numa primeira análise poderíamos propender para sufragar, na parte sindicada, a tese sustentada na sentença recorrida, aliás, de acordo com a jurisprudência do STA - acórdãos que nela são referidos, atinentes ao processo de co-incineração, cuja decisão e âmbito são, aliás, diferentes dos patenteados nestes autos - após atentarmos nas especificidades técnico científicas constantes do Anexo que integra a DIA - … - e depois de analisada a questão em toda a sua abrangência, socorrendo-nos essencialmente de doutrina acerca desta matéria, com a qual, no essencial, concordamos, concluímos que o acto em causa, constituindo um acto final parcial de um procedimento especialíssimo que define, desde logo, condicionalismos específicos que vinculam a fase posterior do Projecto em causa, o procedimento de licenciamento/autorização final, constitui um acto perfeitamente impugnável, independentemente de se poderem questionar judicialmente ou não os actos finais de licenciamento, sejam a cargo do Município de Mira, seja do Ministério da Agricultura, ou outras entidades.
… A Declaração de Impacte Ambiental - … - prevista nos arts. 17.º e ss. do Dec. Lei 69/2000, …, que constitui a decisão sobre o procedimento da Avaliação de Impacte Ambiental - … - que tem que conter as especificações previstas no art. 17.º do referido Dec. Lei …, mostra-se dotada de autonomia em relação ao procedimento decisório de aprovação do acto de licenciamento ou de autorização de projectos sujeitos - como é o caso dos autos - a procedimento de AIA, constituindo um “Parecer” autónomo em relação aos actos de licenciamento/autorização, mas que é decisivo para a sua formação, até por que estes só podem ser praticados após notificação da respectiva DIA favorável ou condicionalmente favorável ou após o decurso do prazo necessário para a produção de deferimento tácito - art. 20.º do Dec. Lei 69/2000.
Trata-se de “Parecer” vinculativo para as entidades a jusante, devendo determinar materialmente o conteúdo do acto licenciador/autorizativo, pelo que, deste modo, assume carácter vinculativo para essas entidades e para o promotor, que resulta da conjugação de três factores, a saber:
- Importância dos elementos técnico-científicos coligidos na fase instrutória;
- Participação dos cidadãos, decisiva para a colocação de alternativas - audiência pública; e,
- Ponderação de todos os interesses em jogo - a supremacia da defesa do ambiente, do interesse público em contraponto com os interesses privados, económicos interessados na realização de determinado projecto.
… A DIA será, assim, um acto com conteúdo próprio, constituindo uma verdadeira decisão final, de natureza substantiva, um acto-condição do acto final, que conclui o procedimento especial de análise impacto ambiental, autorização preliminar parcial, em relação ao acto autorizativo final.
… A DIA configura uma autorização prévia e instrumental à decisão final de licenciamento; tal parecer vai aferir a qualidade ambiental do acto conclusivo do procedimento principal, destinado a autorizar ou não a realização do projecto - o licenciamento final.
Numa perspectiva material o “parecer” de impacto ambiental é uma autorização, adquirindo a natureza de acto-condição; está-se perante um “acto administrativo final parcial”, pois que encerra a análise das preocupações ambientais, ainda que integrado num todo mais vasto que culminará com o licenciamento/autorização administrativas. … Como salienta Colaço Antunes, …, a DIA é uma declaração materialmente resolutiva, uma vez que corresponde ao terminus da intervenção ambiental, ainda que formalmente precária, por estar inserida num procedimento mais vasto e ainda não concluso; reveste não uma simples apreciação técnica mas uma verdadeira declaração de vontade sobre a defesa dos valores ambientais. Aliás, o STA já entendeu no processo referente à localização da unidade de tratamento de resíduos industriais em Estarreja, in: Ac. de 7/12/95, onde se sumaria que “No "procedimento administrativo excepcional", em que a própria Administração tomou a iniciativa de realizar estudos de impacte ambiental relativamente a cinco possíveis localizações da unidade de tratamento de resíduos industriais, tendo em vista a tomada de uma decisão sobre essa localização, o despacho que homologou o parecer da comissão de avaliação daqueles estudos e que decidiu a localização da unidade em Estarreja, pode ser entendido como tendo posto termo a uma fase bem demarcada desse procedimento administrativo, em termos tais que jamais haverá que reapreciar a decisão tomada. «Assim sendo, é defensável a tese de não estarmos perante um mero acto preparatório, contenciosamente irrecorrível”. … Mas se esta ténue possibilidade da admissibilidade destes actos seria mais questionável à luz do anterior ordenamento, agora com a reforma do contencioso administrativo, operada em 2004, dando positividade ao princípio da tutela efectiva, consagrado no art. 268.º, n.º 4 da CRP, a questão tem de entender-se como definitivamente decidida no sentido da recorribilidade desse procedimento especial e autónomo, materialmente vinculativo, atento o acento tónico que é colocado na lesividade do acto e não na sua definitividade».
Em suma, “prescrevendo o art. 20.º do Dec. Lei 69/2000 o carácter vinculativo da DIA, esta mais se pode subsumir a um parecer vinculativo que, sendo actos administrativos imediatamente lesivos dos direitos dos particulares podem, desde logo, ser contenciosamente impugnados, sem prejuízo da possibilidade de recurso da decisão tomada com base neles …”. (sublinhado meu)

Ac. TACN 24-09-2009


Ana Cláudia Outeiro Soares - nº 17124 - subturma 1

Sem comentários:

Enviar um comentário