sábado, 21 de maio de 2011

Breve Reflexão - A AAE e a decisão de sujeição a AAE pelas entidades competentes para a decisão de elaboração do plano

O Decreto-Lei n.º 232/2007, de 15 de Junho (RAAE), transpôs (quase três anos depois de decorrido o prazo) para o ordenamento jurídico português a Directiva n.º 2001/42/CE, do Parlamento e do Conselho, de 27 de Junho.
Dispõe o art. 1.º desta Directiva que ela visa «estabelecer um nível elevado de protecção do ambiente e contribuir para a integração das considerações ambientais na preparação e aprovação de planos e programas, com vista a promover um desenvolvimento sustentável. Para tal, visa garantir que determinados planos e programas, susceptíveis de ter efeitos significativos no ambiente, sejam sujeitos a uma avaliação ambiental em conformidade com o nela disposto.»
Além do RAAE, também o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro, foi alterado para passar a incorporar a avaliação ambiental estratégica no procedimento de aprovação e revisão dos planos de ordenamento do território.

Direito do Ambiente e Direito do Urbanismo são duas disciplinas jurídicas autónomas, mas que se interpenetram. O Direito do Urbanismo vive cada vez mais preocupado com o ambiente e o Direito do Ambiente tem cada vez mais preocupação com a cidade. A própria Constituição, ao estabelecer o direito ao ambiente numa perspectiva objectiva, prevê, na alínea b) do n.º 2 do art. 66.º, uma incumbência que impende sobre o Estado de ordenar e promover o ordenamento do território. Também as alíneas c) e e) manifestam essa interpenetração, ao impor a criação de parques e reservas naturais e a promoção da qualidade ambiental da vida urbana. Este preceito faz, nas palavras de FERNANDO ALVES CORREIA (A avaliação ambiental de planos e programas: um instituto de reforço da protecção do ambiente no Direito do Urbanismo, in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Manuel Henrique Mesquita, vol. I, Coimbra, 2009, p. 451), uma recepção da íntima convivência entre o Direito do Urbanismo e Direito do Ambiente, através da constitucionalização de um conceito de «Direito do Ambiente urbanístico» ou de um «Direito do Urbanismo ecológico»
A avaliação ambiental dos projectos e programas assume assim uma importância fundamental, pois manifesta e concretiza essa aproximação entre as duas disciplinas, acautelando problemas ambientais na fase de elaboração dos planos e programas.
Porém, o novo regime não é isento de críticas e questões. A presente reflexão tem por objecto a competência que é atribuída às entidades competentes para a decisão de elaboração dos planos quanto à sujeição dos mesmos a AAE.

O art. 3.º/1 do DL 232/2007 estabelece que «estão sujeitos a avaliação ambiental:
a) Os planos e programas para os sectores da agricultura, floresta, pescas, energia, indústria, transportes, gestão de resíduos, gestão das águas, telecomunicações, turismo, ordenamento urbano e rural ou utilização dos solos e que constituam enquadramento para a futura aprovação de projectos mencionados nos anexos I e II do Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio, na sua actual redacção;
b) Os planos e programas que, atendendo aos seus eventuais efeitos num sítio da lista nacional de sítios, num sítio de interesse comunitário, numa zona especial de conservação ou numa zona de protecção especial, devam ser sujeitos a uma avaliação de incidências ambientais nos termos do artigo 10.o do Decreto-Lei n.º 140/99, de 24 de Abril, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.o 49/2005, de 24 de Fevereiro;
c) Os planos e programas que, não sendo abrangidos pelas alíneas anteriores, constituam enquadramento para a futura aprovação de projectos e que sejam qualificados como susceptíveis de ter efeitos significativos no ambiente.», cabendo à entidade competente para a elaboração e aprovação do plano a averiguação da eventual sujeição daquele plano a avaliação ambiental» (n.º 2).
Havendo dúvidas sobre a sujeição, ou não, de determinado plano a avaliação ambiental, deve a entidade responsável pela elaboração do plano consultar as entidades com responsabilidades ambientais (art. 3.º/3 DL 232/2007).

No que aos planos territoriais respeita, estão, nos termos do RJIGT, sujeitos a AAE os planos sectoriais. Porém, a submissão a AAE de um plano sectorial em concreto depende de uma determinação nesse sentido no despacho do ministro competente em razão da matéria que decide da elaboração desse plano. Nesse sentido, o art. 38.º/4 RJIGT.
Não pode deixar de criticar-se esta solução. Os planos sectoriais «têm como objectivo (…) a programação e a concretização de diversas políticas com incidência ou repercussão na organização do território» (FERNANDO ALVES CORREIA, Manual de Direito do Urbanismo, v. I, 4.ª ed., Almedina, 2008, p. 370). Podem existir planos sectoriais na área dos transportes, da energia, dos recursos geológicos, etc. (v. art. 35.º/2, RJIGT). Não parece, por isso, fazer sentido permitir-se à entidade competente para a decisão de elaboração do plano, o ministro da área sectorial a que respeita o plano, que decida da sujeição do mesmo a AAE.
Mas há ainda soluções mais duvidosas.
Os planos regionais de ordenamento do território estão sujeitos a AAE, nos termos do art. 54.º/3 RJIGT.
Quanto aos planos intermunicipais de ordenamento do território, a sua sujeição a AAE também não é geral, ocorrendo apenas quando haja deliberação das entidades competentes para a determinação da elaboração desses planos nesse sentido – as associações de municípios ou os municípios associados para o efeito (art. 64.º/3 RJIGT).
No que aos planos municipais de ordenamento toca, as soluções de sujeição (ou não) a AAE divergem consoante o plano.
Os PDMs estão sempre sujeitos a AAE – art. 86.º/2, c) RJIGT.
O mesmo não acontece com os planos de urbanização e com os planos de pormenor, cuja sujeição a AAE ocorre quando não esteja em causa a utilização de pequenas áreas a nível local, salvo se se determinar que são susceptíveis de ter efeitos significativos no ambiente – art. 74.º/5 RJIGT. Nos termos do art. 74.º/6, é à Câmara Municipal que compete a qualificação dos planos de urbanização e planos de pormenor como preenchendo, ou não, as características que impliquem a sujeição a AAE.
Não se compreende por que razão se comete à entidade competente para a aprovação do plano esta decisão. Não faria mais sentido atribuir competência para esta decisão a uma entidade externa à competente para a elaboração do plano?
É certo que a aprovação dos planos municipais é da competência de entidade diversa daquela que determina a sua elaboração. A aprovação dos planos municipais, por exemplo, é da competência das assembleias municipais, mas duvida-se de que isso seja suficiente para assegurar que o plano será sujeito a AAE atentos os critérios legais e comunitários aplicáveis.

Quando assim não for, é premente permitir-se ao particular a instauração de acção administrativa especial de condenação à prática de acto legalmente devido, nos termos dos arts. 66.º ss CPTA. O acto administrativo devido será a sujeição daquele plano a AAE, atendendo a uma deficiente ponderação que possa ter ocorrido no juízo de sujeição.

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