sábado, 21 de maio de 2011

Breve nota acerca da actualidade da expressão “défice processual de tutela do ambiente”

Se no nosso post Constituição do Ambiente em Revista abordámos a temática ambiental apresentando sugestões do que seriam, do nosso ponto de vista, alterações úteis da Constituição Ambiental, neste escrito pretendemos analisar se as efectivas alterações normativas, nomeadamente aquando da Reforma do Contencioso Administrativo de 2002/2004, conseguiram solucionar o que o Prof. VASCO PEREIRA DA SILVA apelidou de “défice processual de tutela do ambiente”. [1]

Primeiramente, cabe fazer uma breve menção à possibilidade de autonomização de uma jurisdição ambiental, isto é, a criação de uma nova categoria de tribunais a par das constitucionalmente consagradas no art. 209º/1 CRP. Apoiamos a posição defendida pelo Prof. VASCO PEREIRA DA SILVA nas suas lições: [2] de facto, a existir tal jurisdição, esta seria de carácter horizontal pois abarcaria relações jurídicas administrativas, a par das relações jurídicas privadas, e também o direito sancionatório ambiental. Nesse contexto, parece dificilmente defensável, e atrevemo-nos a dizer contraproducente, o surgimento de uma jurisdição separada das actuais, na medida da concentração de diferentes fontes e saberes jurídicos que tal criação acarretaria. Na ordem jurídica portuguesa, do modo como foi (re)configurada pela Reforma da Justiça Administrativa de 2002/2004, o lugar de excelência de tratamento dos litígios relacionados com matérias ambientais é a jurisdição administrativa e não uma jurisdição autónoma diversa.


Solução diversa seria consagrar, dentro da jurisdição dos tribunais administrativos, juízos de competência especializada, em linha do que vigora no Direito Alemão, de entre os quais se incluiriam os juízos de competência especializada em matéria ambiental, [3] solução que nos parece mais correcta. Ressalva-se o seguinte: se relativamente aos crimes ambientais podemos afirmar uma relevância aplicativa escassa, [4] o mesmo não se pode afirmar sobre as contra-ordenações ambientais, que são apreciadas em sede de tribunais comuns, melhor sendo que passassem para o âmbito de competência dos tribunais administrativos e fiscais, fazendo um paralelo com a ordem de vantagens por nós apontada ao longo do nosso Um olhar com cautela para a tutela penal do ambiente; no que toca aos litígios que redundem em aplicação do regime da responsabilidade civil ambiental, com regime plasmado no Decreto-Lei n.º 147/2008, de 29 de Julho, parece-nos que o tratamento destes deveria manter-se na jurisdição dos tribunais comuns, porquanto serão estes os tribunais materialmente mais habilitados a lidar com o regime da responsabilidade civil.


Feitas estas considerações, cabe-nos dar resposta à seguinte questão: deve ou não haver, em cada uma das jurisdições constitucionalmente previstas, meios processuais autónomos destinados à tutela ambiental?

Segundo o Prof. VASCO PEREIRA DA SILVA, haveria défice processual na medida da ausência de meios processuais específicos em matéria ambiental [5]

Salvo o devido respeito e, tendo em conta a altura e circunstâncias que levaram o Prof. a proferir tal posição, consideramos que hoje há uma efectiva tutela ambiental assegurada, ora vejamos: [6] primeiramente, os litígios que envolvam questões ambientais são preferencialmente apreciados ao nível da jurisdição administrativa, [7] que conheceu uma profunda alteração em 2002/2004, como acima já se havia constatado, no sentido da plenitude de tutela jurisdicional nos tribunais administrativos e fiscais, podendo assim afirmar-se que o campo de aplicação das acções previstas no CPTA é tão vasto que verdadeiramente nenhum cidadão ficará sem tutela; em segundo lugar, para além dos meios cautelares que o legislador tipificou, este igualmente abriu a possibilidade de requerimento de medidas cautelares inominadas ou atípicas (cf. art. 112º CPTA, em particular o seu nº2); em terceiro lugar, também se poderá lançar mão de meios principais urgentes, nomeadamente, a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias prevista no art. 109º e ss CPTA, se consideramos o direito constitucionalmente consagrado no art. 66º CRP como direito fundamental de natureza análoga, para efeitos de aplicação de art. 17º CRP; por fim, parece-nos que, também na jurisdição comum, a tutela dos cidadãos em matéria ambiental está bem acautelada, desde logo por respeito pelo princípio da adequação formal e pela máxima de que a cada pedido deve corresponder uma tutela.

Concluímos assim pela verificação do direito dos cidadãos ao processo de que falava o Prof. GOMES CANOTILHO, falando especificamente num caso concreto de necessidade de protecção ambiental. [8]

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[1] em VASCO PEREIRA DA SILVA, Verde cor de direito :  lições de direito do ambiente,   Coimbra,   Almedina,  2002, p. 231, o Prof. utilizou esta expressão quando a Reforma da Justiça Administrativa ainda não vigorava no ordenamento jurídico português e, consequentemente, sem vigorarem as profundas alterações de que o Contencioso Administrativo foi alvo

[2] idem p. 231

[3] o Prof. VASCO PEREIRA DA SILVA aponta vantagens como uma “maior racionalidade e eficácia no funcionamento do poder judicial”, vide Verde Cor… ob. cit. p. 232

[4] despendemos a nossa atenção sobre esta temática dos crimes contra o ambiente no trabalho para a cadeira intitulado Um olhar com cautela para a tutela penal do ambiente] para o qual remetemos assim como para a bibliografia ai citada
[5] em Verde Cor…ob. cit. p. 232, ressalvando a figura dos embargos ambientais que ainda assim seriam insuficientes e com regulação incompleta

[6] acompanhando o que a seguir se dirá veja-se a alteração substancial sofrida no art. 45º da Lei n.º 11/87, de 7 de Abril, Lei de Bases do Ambiente, por força da nova redacção conferida pelo artigo 6.º da Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, que aprova o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais:

Artigo 45.º Tutela judicial

1 - Sem prejuízo da legitimidade de quem se sinta ameaçado ou tenha sido lesado nos seus direitos, à actuação perante a jurisdição competente do correspondente direito à cessação da conduta ameaçadora ou lesiva e à indemnização pelos danos que dela possam ter resultado, ao abrigo do disposto no capítulo anterior, também ao Ministério Público compete a defesa dos valores

protegidos pela presente lei, nomeadamente através da utilização dos mecanismos nela previstos.

2 - É igualmente reconhecido a qualquer pessoa, independentemente de ter interesse pessoal na demanda, bem como às associações e fundações defensoras dos interesses em causa e às autarquias locais, o direito de propor e intervir, nos ternos previstos na lei, em processos principais e cautelares destinados à defesa dos valores protegidos pela presente lei.

O artigo 45.º da Lei n.º 11/87, de 7 de Abril foi alterado pelo artigo 6.º da Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, que aprova o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

A redacção inicial do artigo 45.º é a seguinte:

 Artigo 45.º Tribunal competente

1 - O conhecimento das acções a que se referem os artigos 66.º, n.º 3, da Constituição e 41.º e 42.º da presente lei é da competência dos tribunais comuns.

2 - Nos termos dos artigos 66.º, n.º 3, da Constituição e 40.º da presente lei, os lesados têm legitimidade para demandar os infractores nos tribunais comuns para obtenção das correspondentes indemnizações.

3 - Sem prejuízo da legitimidade dos lesados para propor as acções, compete ao Ministério Público a defesa dos valores protegidos por esta lei, através, nomeadamente, dos mecanismos previstos na presente lei."

[7] retira-se esta preferência pelo contencioso administrativo da norma do art. 4º/1l CPTA

[8] vide GOMES CANOTILHO, Constituição e défice procedimental, in Estudos sobre Direitos Fundamentais, p.71 e 83












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