sábado, 21 de maio de 2011

Algumas considerações sobre o REAP

Algumas considerações sobre o Regime de Exercício da Actividade Pecuária (REAP).



O REAP foi aprovado pelo D.L. 214/2008 de 10 de Novembro e em muito foi aplaudido uma vez que, pelo seu âmbito de aplicação vasto, permitiu um único e uniforme regime de licenciamento para as explorações pecuárias, uma vez que previamente à existência deste diploma, podíamos encontrar regulações dispersas de tipos específicos de gado. Contudo, alguns autores (entre eles, a Prof. Dinamene de Freitas) apontam para a não total uniformização da legislação e alguns problemas que ainda permanecem.
O objectivo último do REAP é de facto o de estabelecer um enquadramento comum para todas as actividades pecuárias, quer tenham estas lugar em explorações pecuárias, em entrepostos ou em centros de agrupamento (Art. 1º REAP).
O Art. 3º do referido diploma pretende concretizar alguns conceitos-chave nesta sede, sendo de destacar o da alínea a) que define “Actividades pecuárias” como todas as actividades de reprodução, produção, detenção, comercialização, exposição e outras relativas a animais das espécies pecuárias. Para compreender de facto quais as espécies em causa, cumpre analisar o Art. 3º c): “Animal de espécie pecuária” é qualquer “espécimen vivo bovino, suíno, ovino, caprino, equídeo, ave, leporídeo (coelhos e lebres) ou outra espécie que seja explorada com destino à sua reprodução ou produção de carne, leite, ovos, lã, pêlo, pele ou repovoamento cinegético bem como a produção pecuária de animais destinados a companhia, de trabalho ou a actividades culturais ou desportivas”. De facto, o objecto do REAP é vastíssimo, permitindo recair sobre todo e qualquer tipo de produção de produtos animais ou reprodução dos mesmos. É, contudo, de ressalvar, que o REAP não se aplica a situações de “detenção caseira” (Art. 3º j)) que são definidas como as de detenção de um número reduzido de espécies pecuárias, considerando que a posso desses animais tem o objectivo de lazer ou auto-abastecimento dos seus possuidores. Discordando respeitosamente da Prof. Dinamene de Freitas[1], desde logo, compreende-se que o critério de fundo é o de actividade lucrativa, isto é, o legislador estabelece a presunção de que o reduzido número de animais detidos pela pessoa singular ou colectiva não se deve ao objectivo de qualquer actividade económica ou lucrativa mas puro lazer ou auto-suficiência. Desde já é de ressalvar que a construção da disposição normativa poderia levar a entender o contrário, isto é, que “ desde que aquele número [de espécies pecuárias] seja excedido, serão irrelevantes as finalidades manifestas da detenção: deixaremos de estar perante detenção caseira, com consequente sujeição ao REAP”[2], contudo, parece ser de acolher que o factor dominante, a verdadeira “ratio” do legislador é a de que um reduzido número de espécies nunca poderá ser por alguém aproveitado para exploração económica.
Segundo este diploma, a entidade competente para licenciar as actividades é, a “entidade coordenadora”, a DRAP (Direcção Regional de Agricultura e Pescas) de acordo com o Art. 3º alínea o), sendo simultaneamente competente para a instrução de todo o processo de licenciamento e para a decisão final. Como inovação e tradução clara das decisões políticas contemporâneas do diploma, surge então a figura do “gestor do processo” que, em nome da entidade coordenadora, deve garantir um acompanhamento personalizado de todas as fases do procedimento (Art. 8º/3), figura esta que simboliza uma Administração una em colaboração com o titular.
Outra novidade que o REAP trouxe foi a figura da “decisão integrada” (Art. 20º/1) que, no fundo, significa uma decisão que reúne não só a decisão proferida pela entidade coordenadora como também de outras entidades envolvidas no processo. Deve esta decisão ser devidamente fundamentada e reunir as diferentes pronúncias das entidades consultadas. Como não poderia deixar de ser, prevê-se também a possibilidade de concertação, por parte da entidade coordenadora, das posições assumidas pelas diferentes entidades que sejam divergentes. Apesar de uma pretendida simplicidade, o REAP não desobriga o requerente de prover junto de outras entidades elementos como a licença ambiental, o título de utilização de recursos hídricos, pedido de controlo prévio no âmbito de operação urbanística, etc.
O controlo do cumprimento das normas do D.L. são da competência da DRAP, contudo, qualquer uma das entidades envolvidas nos procedimentos, podem proceder a acções de controlo, devendo, ainda assim, solicitar à entidade coordenadora a tomada de medidas para a prevenção de riscos (Art. 50º, nº 3); são competentes estas entidades para notificar o produtor para que este corrija irregularidades (informando simultaneamente a entidade coordenadora).
De referir o Art. 27º, concernente ao deferimento tácito da licença de exploração, volvido o prazo legalmente previsto, tendo esse deferimento contornos diferentes conforme o tipo de regime de exercício da actividade pecuária em causa. É pressuposto desse deferimento tácito, todavia, que não se verifiquem nenhuma das causas de indeferimento previstas no Art. 26º, nº 6.

São de realçar contudo, os problemas legislativos ainda patentes no âmbito das actividades pecuárias, nomeadamente a co-vigência com o  D.L. 64/2000 de 22 de Abril relativo às normas mínimas de protecção dos animais nas explorações pecuárias sendo que existem sobreposições que “entre diplomas com tamanha proximidade temporal não justificam”[3] .Outro aspecto que se prende com o objectivo malogrado de uniformização legislativa é a constante remissão de concretização de aspectos para portarias. Assim, pode considerar-se comparativamente inferior ao REAI, onde o objectivo de simplificação foi atingido.




[1] Dinamene de Freitas, “Regime de Exercício da Actividade Pecuária - Apresentação e notas” em Actas das Jornadas de Direito do Ambiente, AAFDL, Lisboa 2009, pág. 170
[2] Dinamene de Freitas, “Regime…”, cit. pág. 170
[3] Dinamene de Freitas, “Regime…”, cit. pág. 190

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