A Constituição da República Portuguesa (a partir de agora, CRP), no artigo X vem consagrar o princípio da prevenção. Assim, importa, antes demais, concretizar o que é o princípio fundamental da prevenção: este princípio determina que, em vez de contabilizar os danos e tentar repará-los, interessa ao ambiente que se tente evitar a ocorrência de danos, mesmo antes de eles terem acontecido. Como diz o Prof. Vasco Pereira da Silva, "a consciência hoje generalizada da escassez e da perenidade dos recursos naturais torna imperiosa a aplicação jurídica da regra - de senso comum - de que "mais vale prevenir do que remediar"".
Visa-se assim, com este princípio, evitar lesões do meio-ambiente. É , no âmbito do direito ambiente, tento em conta a especificidade do bem jurídico que é o ambiente, torna-se valioso e imperativo conseguir evitar danos ambientais uma vez que, em muitos casos, depois da poluição ou dos danos ocorrerem, são impossíveis de remover (por exemplo, perante a extinção de uma determinada espécie, não há muito a fazer, já que a reconstituição natural é impossível); por outro lado, mesmo quando a reconstituição natural é possível, pode acabar por ser de tal modo onerosa, que esse esforço não pode ser exigido aos poluidor (a título de exemplo veja-se o caso de derrames de petróleo no mar: é muito difícil ter os meios necessários para limpar o crude); por último, o custo das medidas preventivas é sempre inferior aos custo das medidas de reparação. Esta consciência já está de tal modo interiorizada na sociedade que a língua inglesa criou uma expressão para expressar o que se disse: "Pollution Prevention Pays", o que significa que a prevenção a poluição compensa.
Nesta linha de raciocínio, a Lei de Bases do Ambiente dispõe, no artigo nº 3, alínea a), que "(...) as actuações com efeitos imediatos ou a prazo no ambiente devem ser consideradas de forma antecipativa, reduzindo ou eliminando as causas (...) susceptíveis de alterarem a qualidade do ambiente (...)", consagrando assim o princípio da prevenção.
A finalidade prosseguida pelo princípio em análise (evitar danos ambientais), implica uma forte capacidade de antecipação de situações potencialmente perigosas, capazes de pôr em risco os componentes ambientais, de modo a que sejam adoptados os meios mais adequados a proteger a situação visada. Isto é, procura-se criar medidas que evitem os danos, ao invés de buscar soluções para os reparar: este princípio visa uma actuação ex ante.
Existe um leque variado de instrumentos que podem ser utilizados como meio de prevenção de danos ambientais, como instrumentos financeiros e fiscais (por exemplo, relativamente à utilização do domínio público hídrico, o Decreto-lei nº 47/94, de 22 de Fevereiro, submete o consumo de água ao pagamento de uma taxa, de modo a reduzir o seu consumo, já que, como reconhece "a água é um recurso natural escasso e indispensável para a vida e para o exercício de uma enorme variedade de actividades económicas". Também a Avaliação de Impacte Ambiental, prevista no Decreto-lei nº 186/90, de 6 de junho, revela ser um instrumento jurídico de prevenção ambiental, uma vez que sujeita a aprovação de projectos que, pela sua natureza, dimensão ou localização, se considerem susceptíveis de provocar incidências significativas no ambiente, a um processo prévio de avaliação de impacte ambiental.
O Prof. Vasco Pereira da Silva tem uma visão ampla deste princípio, considerando que ele visa evitar perigos imediatos e concretos, mas também visa afastar eventuais riscos futuros, mesmo que não estejam inteiramente determináveis, quer sejam causas naturais ou condutas humanas.
Contudo, tem-se vindo a falar num outro princípio, que para uns autores se integra do princípio da prevenção, mas que, para outros é autonomizável. Trata-se do princípio da precaução. è o mais recente princípio do direito do ambiente e é o que leva a protecção ambiental mais longe. O Prof. Vasco Pereira da Silva aponta, como origem deste segundo princípio, a expressão legislativa utilizada nos Tratados constitutivos da União Europeia, no artigo 174º, nº 2, em que se refere que "a política da comunidade (...) basear-se-á nos princípios da precaução e da acção preventiva".
O Prof. Vasco Pereira da Silva não se manifesta a favor da distinção e autonomia do segundo princípio, preferindo antes uma noção ampla do primeiro, onde se inclua o segundo. Para isso, argumenta o seguinte:
· Em termos linguísticos, prevenção e precaução parecem ser expressões sinónimas na língua portuguesa; apenas na língua inglesa se justifica traçar uma distinção, na medida em que "prevention" e "precaution" podem não significar a mesma coisa, pois "precaution" associa-se à ideia de cautela. Isto poderá explicar que os documentos da União Europeia utilizem este vocábulo.
· Em termos materiais, os critérios apresentados para que se proceda à distinção entre os princípio em apreço, revelam-se demasiado diversificados, nem sempre permitindo separar de forma inequívoca os domínios correspondestes ao princípio da precaução. Acrescente-se ainda que, para este autor, algumas interpretações defendidas acerca da ideia de precaução não são razoáveis enquanto princípio jurídico , como também defende que a melhor forma de defender o bem jurídico ambiente passa pela adopção de uma concepção ampla de prevenção.
· Em termos de técnica jurídica, acontece que o ordenamento português consagra o princípio da prevenção como princípio constitucional, com as inerentes consequências jurídicas. Assim, a via adequada para assegurar, no nosso ordenamento jurídico, a melhor tutela disponível dos valores ambientais, passa por uma visão ampla do princípio constitucionalmente protegido da prevenção, que inclua a precaução, de modo a que ambas as vertentes tenham tutela constitucional, isto é, de modo a que os domínios de ambos os princípios estejam sob a protecção constitucional.
Mas, como é comum em Direito, a questão não é pacífica, e há autores que defendem a distinção e autonomia dos princípios em analise. Para isso, são apontados vários critério:
· Uns traçam a distinção em razão de se tratar de perigos provocados pela natureza ou pelo Homem, sendo que a prevenção teria lugar na verificação dos primeiros, e a precaução teria lugar na verificação dos segundos. (A critica do Prof. Vasco Pereira da Silva consiste no facto de, hoje em dia, na sociedade em que vivemos, se tornar muito difícil , ou mesmo impossível, distinguir o que causou os perigos: se o Homem ou se a natureza, visto que muito frequentemente nos deparamos com situações de concurso).
· Outros, apontam o critério actual ou futuro do perigo. Mas, nesta lógica, como é que se deveria proceder às situações em que se exige um juízo de prognose ex ante, como é o caso da avaliação de impacto ambiental?
· Por fim, um ultimo critério apontado faz depender a distinção em função de riscos com "certezas" diferentes. Isto é, enquanto que o princípio da prevenção actua quando sabemos que determinada actuação prejudica/causa um dano no ambiente, o princípio da precaução actua naquelas situações em casos de dúvida. Explicando melhor o critério de aplicação do princípio da precaução para quem defende o uso deste critério: a ideia chave consiste no seguinte, o ambiente deve ter a seu favor o benefício da dúvida (in dubio pro ambiente), quando haja incerteza, por falta de provas científicas evidentes, sobre o nexo causal entre uma actividade e um determinado fenómenos de poluição ou degradação do ambiente. A dúvida da perigosidade de determinada conduta verifica-se quando ainda não se verificaram quaisquer danos decorrentes de determinada actividade, mas receia-se, apesar da falta de provas científicas, que possam vir a ocorrer; quando, havendo já danos provocados ao ambiente, não há conhecimento científico de qual causa que está na origem dos danos; ou ainda, quando, apesar de haver danos provocados ao ambiente, não há provas científicas sobre o nexo de causalidade entre uma determinada causa hipotética/conduta e os danos verificados. Assim defende David Freestone, em The 1992 Mastricht Treaty - implications for European Environmental law, European Environmental Law Review, Volume nº 1, June, 1992, ao dizer"(...) enquanto a prevenção requer que os perigos comprovados sejam eliminados, o princípio da precaução determina qual a acção para eliminar possíveis impactos danosos no ambiente seja tomada antes de um nexo causal ter sido estabelecido com uma evidência científica absoluta".
Mariana Lupi
nº 17439
Venho por este meio rectificar um lapso no presente comentário: onde digo "artigo X", deve ler-se "artigo 66º, nº 2, alínea a) da CRP.
ResponderEliminarMariana Lupi, nº 17439