Algumas considerações sobre o Animal e o Direito
Declaração Universal dos Direitos do Animal
Artigo 2º
a) Todo o animal tem o direito de ser respeitado.
b) O homem, enquanto espécie animal, não pode atribuir-se o direito de exterminar os outros animais ou de os explorar, violando esse direito. Tem a obrigação de empregar os seus conhecimentos ao serviço dos animais.
c) Todos os animais têm o direito à atenção, aos cuidados e à protecção do homem.
A problemática do estatuto do animal no âmbito do ordenamento jurídico português tem sido alvo de inúmeras considerações e críticas, e no entanto, de poucas evoluções.
Tudo começou no direito romano, quando a dicotomia personna\res traduziu uma tendência natural para perspectivar o animal como res, e por isso prefigurá-lo como mera coisa, objecto de direitos.
A ideia de animal como coisa sobreviveu ao passar dos séculos, e subsistiu quase pacificamente até ao século XX. O primeiro texto normativo que valorou o animal em si foi alemão – a lei alemã de 24 Novembro 1993 punia os maus-tratos a animais. Verificou-se assim a primeira mudança de paradigma: pela primeira vez na história, o animal era visto por si só como um valor que deve ser respeitado! No âmbito do direito civil, a Áustria foi pioneira, ao criar, em 1988, a lei federal sobre o estatuto jurídico do animal, sendo que o código austríaco prevê hoje claramente a não identificação do animal com coisa. Em Portugal, o mais antigo resquício da problemática da protecção animal foi o projecto da comissão do código penal de 1861, que punia com pena de prisão a destruição dos animais domésticos.
Actualmente, é possível retirar dos diversos diplomas legais que versam sobre o tema (nomeadamente a Declaração Universal dos Direitos dos Animais e a Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia) um verdadeiro elenco de direitos dos animais, ou, se a expressão melindra a maior parte da doutrina portuguesa, um elenco de restrições para os proprietários à sua utilização: são eles o direito à vida, direito à integridade física e psíquica, direito à saúde e bem-estar (direito a uma boa alimentação e a boas condições de alojamento), direito à liberdade e direito ao respeito. Embora tenham sido elaboradas com as melhores intenções, estes diplomas pecam pela sua excessiva abstracção, não prevendo, por exemplo, penas concretas para a utilização de animais em espectáculos, ou para a conservação dos mesmos em espaços tantas vezes com péssimas condições.
Também a jurisprudência se vê reticente quando se trata de abordar o assunto da protecção dos animais, optando a maioria das vezes por adoptar uma postura conservadora e dando prevalência a direitos de tipo clássico em detrimento de valores ambientais. No fundo, parece que a protecção animal passa para segundo plano quando se trata de preservar interesses económicos: por vezes o animal é uma fonte de lucro tão grande que é cómodo reduzi-lo ao seu aspecto de produto utilitário.
Mas se a utilização de animais deve estar sujeita a restrições, estas mais se justificam quando se trata de manifestações públicas. O público parece ter uma adoração especial por habilidades e façanhas praticadas por animais, esquecendo-se do sofrimento que tantas vezes lhes é imposto. E é possivelmente neste campo que a legislação portuguesa se encontrava, até bastante recentemente, mais “atrasada” relativamente a certos países da Europa: a França proibiu a participação de animais em jogos e atracções, nas feiras, arraiais e outros lugares abertos ao público, com excepção das corridas de touros e lutas de galos; em Itália são proibidos os maus-tratos a todas as espécies de animais, sendo a multa elevada quando os mesmos são utilizados em espectáculos públicos, e sendo os mesmos apreendidos (art. 727º do CP); no Canadá constitui crime: encorajar, ajudar ou assistir a lutas ou perseguições de animais, e promover, auxiliar ou tomar partido em alguma sessão, competição, ou exibição que envolva o abate de aves (art. 446º e 447º do código criminal). Mais recentemente, foi divulgado no Reino Unido um vídeo obtido com uma câmara oculta que revelava a forma brutal como uma fêmea de elefante asiático pertencente a um circo britânico era tratada pelo seu treinador nos bastidores. Face à indignação do publico britanico, a ministra do ambiente do governo britanico anunciou que proibira o uso de animais em espectaculos de circo.
Perante este enquadramento, a legislação portuguesa revelava-se bastante escassa, apenas fazendo depender a utilização de animais em espectáculos da obtençao de uma licença. A situação alterou-se com a publicação da tão aguardada portaria 1226/2009, que proibe a aquisição de espécies consideradas perigosas, pelo seu porte ou por serem venenosas (por exemplo, espécies de primatas, de ursos, de felinos, avestruzes, tartarugas marinhas, assim como serpentes, centopeias e escorpiões) e a sua utilização em espectáculos, nomeadamente circos. A portaria ressalva no entanto a utilização de espécies que já sejam utilizadas, proibindo somente a aquisição de novos elementos.
Este revelou-se um passo extremamente positivo na luta contra os maus-tratos dos animais, mas há ainda um longo caminho a percorrer para garantir um justo compromisso entre as necessidades legítimas do homem e a protecção do animal, que poderia desde já começar pela alteração da qualificação jurídica do animal como coisa (medida já tomada por inúmeros sistemas jurídicos da União Europeia).
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