sábado, 21 de maio de 2011

O Dano Ecológico

O "Dano" em Direito do Ambiente

Uma questão prévia à de responsabilidade civil por danos ecológicos, à da sua reparação, entre outras da mesma natureza, é a de saber o que é o dano ecológico.

Um primeiro critério de delimitação possível tende a eleger o objecto material do dano como critério orientador, isto é, o ambiente enquanto conjunto de recursos bióticos (seres vivos) e abióticos (como sejam a água, o ar, a terra, etc.). Trata-se de um conceito naturalístico de dano ecológico.

O dano ecológico seria visto como a alteração causada pelo Homem das qualidades físicas, químicas ou biológicas dos elementos constitutivos do ambiente. Assim, neste conceito de dano ecológico incluem-se os danos de perturbação (do funcionamento dos ecossistemas) global (como a diminuição da camada de ozono ou o aumento de CO2 na atmosfera), a perturbação regional (como as chuvas ácidas) ou a perturbação local (como os problemas ambientais ocasionados pelo derrame de um petroleiro numa determinada localidade, como por exemplo, o do petroleiro Marão em Sines). Esta perturbação do funcionamento dos ecossistemas vai efectuar-se através da extinção de espécies. A ideia essencial é a identificação do dano ecológico como perturbação física dos componentes ambientais e da estrutura das suas relações, esta realidade é comummente designada por património natural/ da Natureza.

No âmbito desta tesa, a perturbação física do património natural aparece como um dos elementos característicos do danos ecológico. Como diz Menezes Cordeiro, trata-se aqui de uma noção natural uma vez que o objecto do dano não é visto como um bem jurídico mas antes como uma realidade empírica.

Mas o dano jurídico deriva de uma valoração operada pelo Direito, o que vai chocar com a noção proposta. O dano jurídico consiste numa perturbação de bens juridicamente protegidos, e a sua relevância e justificação derivam da protecção que o Direito concede a um conjunto de bens em razão dos fins que permitem atingir. Por isso, a consideração do ambiente como realidade empírica não permite, per si, distinguir danos ecológicos de outros danos causados ao ambiente nem identificar os danos ecológicos ressarcíveis.

Verificada a inexactidão da tese naturalística de dano ecológico, surgiu uma outra que vai definir o dano ecológico pela negativa: delimitação negativa de dano ecológico. Nesta perspectiva, o dano ecológico continua a ser visto de uma perspectiva empírica , mas completada por uma delimitação negativa: danos ecológicos são danos causados à natureza que não se traduzem em danos às pessoas ou aos bens.

A introdução da delimitação negativa serve para diferenciar os danos ecológicos dos danos individuais tradicionais. Isto vai permitir que a delimitação negativa tenha funções específicas e venha a alterar-se consoante o ordenamento jurídico em análise: por exemplo, no ordenamento alemão, para delimitar o direito do proprietário à restauração natural dos bens afectados, "dano ecológico" é definido como a perturbação das partes do património não apropriáveis nem susceptíveis de avaliação patrimonial que se encontrem na propriedade de um particular. Este tipo de construção é também adoptado no projecto de Directiva da CEE relativa responsabilidade dos produtores de resíduos, onde se distingue claramente o dano geral da lesão ao ambiente, que é definida como o prejuízo importante e persistente ao ambiente provocado por uma alteração das condições físicas, químicas e biológicas da agua, do solo ou do ar, que não sejam consideradas dano; dano, por sua vez, refere-se aos danos causados por morte ou ofensas corporais e danos a bens.

Mas este tipo de critérios também não permite a identificação do bem protegidos; apenas permite saber o que é e o que não é dano ecológico.

O artigo 66º da Constituição da República Portuguesa define prejuízo ambiental como perturbação, através de um componente ambiental, do ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado. Assim, o dano ecológico é a perturbação do estado do ambiente determinado pelo sistema jurídico - ambiental.

Cabe agora, distinguir o dano ecológico de outros danos similares:

· Dano ao Ambiente e Dano Ecológico

Prima facie, considera-se que o dano ambiental é aquele que é sofrido pelas pessoas, provocado por uma lesão ambiental, um dano subjectivo. Por seu lado, o dano ecológico seria aquele que é causado directamente ao recurso natural, no meio ambiente, na comunidade objectivamente considerada, é um dano objectivo. Mas a doutrina diverge no que toca a esta destrinça: a doutrina maioritária considera que o dano ambiental compreende os danos provocados a bens jurídicos concretos através de emissões particulares ou através de um conjunto de emissões emanadas de um conjunto de fontes emissoras e que o dano ecológico corresponde a lesões intensas causadas ao sistema ecológico natural sem que tenham sido violados direitos individuais. Por outro lado, a doutrina minoritária vê o dano ecológico como aquele que se consubstancia numa agressão provocada aos bens naturais, como a agua, o clima e a terra, e às relações entre eles, e encara o dano ambiental como a alteração, provocada pelo Homem a estes mesmos bens. Ainda temos outros ainda, entendem que o dano ecológico é aquele que constitui uma violação de interesses de protecção da natureza. Daqui se conclui que enquanto que o dano ambiental assenta numa relação concreta entre a fonte da agressão e o bem agredido, o dano ecológico não se encontra em qualquer relação, já que não há um causador individualmente determinado (o que faz com que os danos ecológicos sejam insusceptíveis de indemnização, segundo os mecanismos da responsabilidade individual, já que há apenas um interesse global de defesa do ambiente e não uma relação lesante/lesado).

Como se viu, o artigo 66º da CRP, que entende o direito ao ambiente como um verdadeiro direito fundamental, adopta uma noção ampla de dano ambiental. Perante uma visão ampla de dano ambiental, o Prof. Vasco Pereira da Silva entende que a adopção de uma noção ampla objectiva de dano ambiental põe em causa a distinção doutrinária entre dano ambiental e dano ecológico, alargando o primeiro de modo a abarcar também o segundo. Assim sendo, dano ambiental referir-se-á a danos ao solo, água, luz e ar, podendo estes estar interligados; já o dano ecológico, será um dano que se estabelecerá de forma unitária, não podendo existir uma ligação entre dois elementos.

· Dano ao Ambiente e Dano a Interesses Colectivos Particulares

Os bens jurídico - ambientais parecem protegidos de forma a tutelar interesses públicos e interesses difusos, mas também de tutelar interesses colectivos particulares (comuns a certos grupos ou categorias de pessoas abstractamente individualizáveis. Assim, por exemplo, a protecção da água visa assegurar a capacidade funcional ecológica e também visa garantir uma determinada capacidade de uso. Isto é, a lei, ao visar proteger o interesse público, acaba por proteger também o interesse de determinadas categorias abstractas de pessoas. Fala-se assim numa dupla valência. Vejamos outro exemplo, as normas que regulamentam as reservas naturais parciais visam também garantir, ainda que condicionadamente, o aproveitamento turístico de tais áreas. Parece que a generalidade das situações de responsabilidade previstas no direitos português tendem a configurar a indemnização de danos ambientais integrando os dois tipos de interesses em apreço: os interesses ambientais públicos (dano ecológico) e os interesses ambientais colectivos particulares (é isto que vai justificar a integração da acção popular no âmbito do direito do ambiente).

Trata-se assim de realidades jurídicas intrinsecamente associadas, mas isso não prejudica que, para algumas situações, se estabeleçam regimes jurídicos diferentes: na lesão de interesses colectivos privados, os titulares do direitos de indemnização são individualmente identificados, pelo que -se a restauração natural não for possível - poderá haver lugar a uma sanção pecuniária aos lesados; por outro lado, nos interesses públicos, o dano tende a repercutir-se por igual em todos os membros da comunidade, pelo que os lesados não são individualmente identificáveis. Por outro lado, os danos a interesses ambientais privados são imputáveis através do sistema da responsabilidade civil, quando estiver em causa a violação de normas destinadas a proteger interesses alheios (artigo 483º, Código Civil); o mesmo não acontece relativamente a danos ecológicos.

· Dano ao Ambiente e Dano ambiental

O dano ao ambiente é visto como perturbação de um bem autónomo e unitário, o que permite traçar uma distinção entre danos provocados ao ambiente e danos provocados às pessoas e aos bens pelo ambiente (estes últimos, são os danos ambientais). Enquanto que no dano ao ambiente, o ambiente é, como bem jurídico, o objecto do dano; nos danos ambientais, o ambiente é o percurso causal do dano (são danos indirectos, causados por uma acção sobre o ambiente; Umweltwirkung, expressão decorrente do § 1 do UmHGB).

Veja-se o seguinte exemplo: imagine-se que numa área de reserva natural integral existe um lado classificado como área de refúgio ornitológico natural (áreas onde existem condições de nidificação, criação ou migração de uma espécie de ave protegida). Numa das margens, habita uma povoação de pescadores. suponha-se que uma descarga de água do lado de um produto poluente causa os seguintes prejuízos: 1) Alteração das condições físico - biológicas da agua do lado, deteriorando vários ecossistemas e habitats naturas, impossibilitando a continuação da utilização da aérea como refúgio ornitológico natural; 2) necessidade de transferência provisória dos moradores da zona devido à insalubridade ambiental, doenças graves causadas pela ingestão de peixes contaminados, danificação de barcos, etc.

Neste exemplo, os primeiros danos são danos ao ambiente, mais concretamente, são danos ecológicos, já que afectam o património natural e a capacidade funcional ecológica, bem como a faculdade de aproveitamento humano de tais bens; os segundos são danos ao ambiente, susceptíveis de ser ressarcidos, uma vez que a descarga provocou a violação de direitos subjectivos e de interesses alheios (como os danos à saúde e os danos morais causados pelo incómodo e os prejuízos causados aos barcos).

Não se trata de bens protegidos com vista a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, mas sim de bens e interesses individuais, cuja protecção não é determinada pela axiologia ambiental. Os danos ao ambiente são, pois, realidades jurídicas diversas dos danos ambientais. Contudo, pode-se justificar a regulamentação integrada das duas situações, comi faz o UmHGB; no ordenamento nacional, ainda não existe uma regulamentação adequada aos problemas suscitados pelos danos ambientais, pelo que estes danos são reconduzíveis, em princípio, a normas gerais delimitadores de situações de responsabilidade (com as necessárias adaptações).

Mariana Lupi, nº 17439

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