sábado, 21 de maio de 2011

Contratos de adaptação ambiental

Qual o potencial habilitante do art35º da LBA? O art35/2º da LBA permite à administração pública, por via contratual, possa temporariamente afastar normas ambientais imperativas?

É consensual a necessidade de se procurar novas formas de legitimação que permitam ao Estado impor e fazer cumprir a sua regulação, de forma a garantir o seu objecto. Tal só é possível através da aproximação entre Estado e particulares.


O Prof. VASCO PEREIRA DA SILVA entende que a contratualização é, cada vez mais, um modo importante e habitual de actuação da Administração Pública. O referido autor acrescenta ainda, “é indiscutível que a utilização de formas de actuação contratual se tornou o modo “normal” de realização do interesse público pela administração, surgindo mesmo como alternativa à prática de actos administrativos”.


Na prática, efectivamente se tem demonstrado que fomentar o entendimento e cooperação, aproximando a decisão do caso concreto, esboçando objectivos concretos, encoraja os poluidores a assumir as suas responsabilidades, sendo mesmo preferível à utilização de meios sancionatórios.


Esta também é a opinião da Dr.ª MARIA FERNANDA MAÇAS, “o acordo entre as partes é preferível à utilização de procedimento sancionatórios, a participação dos suspeitos faz deles cúmplices, o que parece ser mais eficaz do que a sua repressão”.


São várias as vantagens apontadas na doutrina da criação e utilização de instrumentos contratuais, desde logo, correcção de assimetrias informativas entre parceiros e a manutenção de uma certa estabilidade, certeza jurídica e segurança jurídicas. O que possibilita, a médio prazo, a promoção de mudanças, quando seja demonstrada a sua necessidade, ou quando seja proveitoso induzir a reduções dos níveis de poluição fixados.


O Direito do Ambiente não podia ficar imune ao Principio da Concertação, como tal, e apesar de na LBA não ser consagrado expressamente enquanto princípio específico, o art.35º da LBA prevê a figura dos contratos-programa. A Lei de Bases baliza os instrumentos contratuais como um meio ao dispor da Administração na execução de políticas de combate à poluição.


Esta conjectura favorável à contratualização justificou a criação dos contratos de promoção e adaptação ambiental, previstos no DL 236/98, de 1 de Fevereiro.


O objecto do presente post irá apenas incidir sobre os contratos de adaptação ambiental, visto serem o fenómeno de contratualização administrativa mais desenvolvido e também o mais questionado quanto a sua admissibilidade, devido a eventualidade de derrogar limites legais, fixando contratualmente limites mais rasos.


O mestre MARK KIRKBY define como objecto dos contratos de adaptação pública, o estabelecimento de um plano de adaptação das empresas aderentes a normas ambientais imperativas, dentro do qual estas ficam à margem dos referenciais de fiscalização decorrentes das disposições legais sobre a matéria, que são definidos contratualmente.


A Prof. CARLA AMADO GOMES, não vê os contratos de adaptação pública com “bons olhos”, aceitar que o legislador, através da criação de um instrumento contratual apoie a manutenção do status quo de degradação ambiental e não que o combata, ou incentive activamente os operadores à sua alteração, constitui uma demissão das responsabilidades públicas de protecção do ambiente, uma violação dos compromisso assumidos perante a Comunidade Europeia.
Tem causado celeuma na doutrina, a relação do Contrato de adaptação pública com o Princípio da Legalidade e o Princípio da eficácia administrativa.


A administração tem de um lado da balança a busca de eficiência administrativa, mas correlativamente, tem do outro lado, o princípio da legalidade que lhe impõe a precedência de lei habilitante. Será admissível que o princípio da legalidade deva ceder para uma maior eficácia administrativa, no sentido de se contornar a rigidez da lei, acautelando de forma mais veemente os interesses ambientais.


Como refere o mestre MARK KIRKBY tem-se assistido em Portugal a uma “crise do princípio da legalidade”, desde logo, na construção das leis, permitindo as mesmas uma maior abertura no sentido de se procurarem soluções adaptadas ao caso concreto por parte da administração e na forma como certos conceitos sofreram evoluções (“fim de interesse visado pela norma habilitante”).


O que esta em causa é saber se pode a administração agir, a bem da eficácia administrativa, sem ser com base numa norma habilitante, ou proceder a uma regulação que vá para além do que esta autoriza.


Importa agora avaliar o potencial habilitante do art35º da LBA. Quanto a esta questão existem duas posições doutrinárias distintas, a posição do Dr. Paulo Castro Rangel e a posição do Mestre Mark Kirkby.


Dr. PAULO CASTRO RANGEL defende que do contrato-programa pode depreender-se que a Administração através da sua celebração, fica autorizada a tolerar, durante certo período de tempo, a emissão, por banda do seu co-contratante, de cargas poluentes que, apesar de progressivamente menores, atingiram níveis superiores aos máximos legalmente previstos.
O autor colhe o entendimento que o art35º/2 LBA autoriza a Administração a derrogar limites legais de poluição impostos na legislação em vigor, por um período curto de tempo, através da via contratual, mas sempre com vista a posteriormente atingir os objectivos estabelecidos das normas legais ambientais ou até inferiores.


Posição antagónica defende MARK KIRKBY, apontando inicialmente argumentos de ordem formal, relativos à integração sistemática da norma, mas também indicando argumentos mais substanciais, como o fraco grau de densificação normativa do art35º que violaria o Princípio da precisão ou determinabilidade das leis.


A meu ver, o melhor fundamento apontado pelo autor para não permitir que o art35/2º LBA possa temporariamente afastar normas ambientais imperativas é o facto de tal interpretação ser necessariamente inconstitucional, pela violação do Principio da tipicidade das formas de lei. O art35º/2LBA ao permitir que através de um acto que emana do poder administrativo se “derroguem temporariamente” ou que se suspendessem actos legislativos, lei em sentido formal, consubstanciaria uma violação do art112/6º da CRP. Tal sucederia, pois se estava a permitir que uma fonte secundária dispusesse sobre os efeitos de actos com força de lei.


Prof. VASCO PEREIRA DA SILVA também enuncia esta problemática, “ uma vez que o contrato de adaptação ambiental implica uma derrogação do regime legalmente estabelecido, parece estar a contrariar o art112º/6 da CRP. Mas o professor acrescenta, mesmo não sendo admissível a existência de contratos de adaptação violadores dos princípios da legalidade e tipicidade, tal não deve implicar a extinção da sua celebração, em razão dos valores que eles próprios prosseguem, já anteriormente descritos.


O Professor conclui no sentido da celebração de contratos de adaptação serem admissíveis, mesmo quando afastem aplicação de limites legais, desde que se recorra meramente a título excepcional e desde que seja susceptível de encontrar cabimento legal, não caindo numa situação de fraude à constituição. O professor, no seu manual, enuncia ainda três requisitos que devem ser cumpridos, sob pena da inadmissibilidade dos contratos de adaptação pública no ordenamento jurídico português.


Cabe agora tomar posição, penso, como já tive oportunidade de referir, que o argumento do Prof. Mark Kirkby, relativamente ao problema de inconstitucionalidade em virtude da violação do art112/6º é muito pertinente, até impossível de superação, mas tenho que dar também razão ao Dr. Paulo Rangel é efectivamente importante para o bem do ambiente a celebração destes contratos, com as vantagens já atrás anunciadas.


Gostaríamos certamente que apenas fossem celebrados este tipo de contratos quando os particulares acordassem cumprir exigências superiores aquela que a lei impõe, mas infelizmente isso ainda não acontece.


Em Portugal existe ainda uma impotência das empresas, devido muito em parte aos custos que acarreta na produção, de” produzirem verde”. Muitas vezes é necessário dar-se tempo, não excessivo é certo, às mesmas para se adaptarem de forma gradual e correcta, também para não sofrerem prejuízos desmesurados.


Sendo impossível assegurar por via coactiva o cumprimento generalizado dos imperativos legais, tem que se optar por tentar assegurar o cumprimento possível, mesmo que por vezes este seja abaixo do previsto legalmente.

Bibliografia:

Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito; Lições de direito do Ambiente, Almedina, 2ºreimpressão da Edição de Fevereiro 2002
Mark Bobela-Mota Kirkby, Os Contratos de adaptação ambiental “ A concertação entre a administração Pública e os particulares na aplicação de normas de polícia administrativas”, AAFDL, 2OO1
Paulo Castro Rangel, Concertação, programação e direito do ambiente, Coimbra, 1994
Maria Fernanda Maças, Os acordos sectoriais como um instrumento da política ambiental, in Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente, AnoIII, n º5
Carla Amado Gomes, Direito Administrativo do Ambiente, Tratado de direito administrativo especial volume1, Coimbra 2009

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