A primeira manifestação de direito contra-ordenacional na área do ambiente, aconteceu com a Lei de Bases do Ambiente, aprovada pela Lei 11/87, de 7 de Abril, prevendo que para além dos crimes dos crimes previstos e punidos no Código Penal e em outros diplomas avulsos, o resto das infracções àquele diploma seriam consideradas contra-ordenações puníveis com coima, em condições a definir por legislação complementar.
A legislação específica ambiental em que se prevê contra-ordenações é realmente extensíssima. Exemplo disso é: o DL 196/89, 14 de Junho (Reserva nacional agrícola), art.36º; DL 8/90, de 4 Janeiro (biodegradabilidade dos detergentes), art.4º; DL 19/93, de 19 de Janeiro (Rede Nacional de Áreas protegidas), art.22º; DL 207/94, de 6 de Agosto (sistema de distribuição pública e predial de água); DL 82/95, 22 de Abril (embalagem e rotulagem das substâncias perigosas), 11º; DL 138/96, de 14 de Agosto (transporte de resíduos), art.20º; DL 152/97, 19 de Junho (águas residuais); DL 236/98, de 7 de Março (protecção do meio aquático e qualidade de água), art.77º; DL 140/99, de 24 de Abril (biodiversidade), art. 22º; DL n.º 69/2000 (regime jurídico da avaliação do impacto ambiental), art. 37º; DL n.º 164/2001, de 23 de Maio (acidentes graves que envolvem substâncias perigosas), art. 40º; DL n.º 152/2002, de 23 de Maio (deposição de resíduos em aterros), art. 45º; DL n.º 69/2003, de 10 de Abril (exercício da actividade industrial), art. 21º; DL n.º 72/2003, de 10 de Abril (libertação no ambiente de organismos geneticamente modificados), 35º; DL n.º 78/2004, de 3 de Abril (emissões de poluentes para a atmosfera), art. 34º; DL n.º 180/2004, de 27 de Julho (poluição causada pelos navios), art. 25º; Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro (lei da água), art. 97º; DL n.º 178/2006, de 5 de Setembro (regime geral da gestão de resíduos), art. 67º; DL n.º 9/2007, de 17 de Janeiro (Regulamento Geral do Ruído), art. 28º.
Não podíamos dizer que existisse já uma dogmática própria deste direito. É que para além do facto de se limitar a fazer remissão subsidiariamente do regime das contra-ordenações para o Código Penal e Código Processo Penal, ainda não mostrava igualmente de forma coesa a natureza híbrida que lhe era dada, sobretudo a natureza de procedimento administrativo até à fase judicial, havendo a aplicação dos preceitos do CPA.
Foi publicada a Lei 89/2009, de 31 de Agosto que estabelece o novo regime aplicável às Contra-Ordenações Ambientais, republicando no seu anexo Lei nº50/2006 (LQCA), de 29 de Agosto, com as alterações introduzidas. Foi exactamente esta lei que sistematizou as regras que se aplicam às infracções ambientais tendo em conta todas as particularidades a ser consideradas no que diz respeito a esta matéria. Inicialmente, na sua versão originária, a LQCA previa pesadas coimas e sanções e sanções acessórias relevantes para os ilícitos contra-ordenacionais praticados nas diversas áreas do sector ambiental, criando um cadastro nacional de todos os infractores.
Esta Lei 89/2009 vem estender o âmbito da LQCA a todos os processos a contra-ordenações de natureza ambiental independentemente da legislação específica aplicável. A única excepção é o regime da reserva agrícola nacional e aos recursos florestais, fitogenéticos, agrícolas, cinegéticos, pesqueiros, e aquícolas das águas interiores que são expressamente excluídos.
A parte I da LQCA constitui um regime substantivo das contra-ordenações ambientais. O art.1º/2 restringe o âmbito da LQCA a “todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal correspondente à violação de disposições legais e regulamentares relativas ao ambiente que consagrem direitos ou imponham deveres, para o qual se comine uma coima”, considerando-se, “como legislação e regulamentação ambiental toda a que diga respeito às componentes ambientais naturais e humanas tal como enumeradas na Lei de Bases do Ambiente”. Assim está aqui presente tanto o princípio da legalidade, o da tipicidade e o da culpabilidade. Qualquer um destes princípios vinha já plasmado no Regime Geral de Contra-Ordenações. É pois este regime subsidiário à LQCA, art.2º1.
A LQCA acaba por ser mais pormenorizada do que o RGCO, principalmente no que diz respeito ao regime substantivo das contra-ordenações, bem como à fase administrativa do processo. Isto quer dizer, que apenas se aplicará o último regime no respeitante à fase judicial do processo. Isto não quer dizer que deixe de se aplicar as normas do Código Penal, Código Processo Penal, Código Procedimento Administrativo e Código Processo Civil. Uma das críticas à lei na sua redacção 50/2006, é o facto de esta remissão genérica não ir resolver os problemas de carência devido à aplicação do regime do CPA. Junto a esta, critica-se que as normas do Código Penal e as do Código Processo Penal não se adaptam devidamente às especificidades do direito contra-ordenacional, onde tanto a fase de instrução, acusação e julgamento correm por conta da entidade administrativa.
Irei apenas abordar as novidades da lei trazidas pela alteração de 2009 e ainda as normas que mais questões levantam.
O princípio da legalidade aparece plasmado, no art.3º, onde enuncia que só será punido por contra-ordenação ambiental aquele que praticar facto expresso e passível de aplicação de contra-ordenação por lei que entre em vigor antes do momento da sua prática. Outras manifestações deste princípio são o art.4º, 5º, 6º e 7º.
Como novidade da LQCA, depois da sua alteração, é importante referir que foi neste novo regime, foi esclarecido que serão abrangidas pela LQCA tanto as pessoas colectivas públicas, como ainda a actuação dos respectivos órgãos máximos, art.8º. este art. Abrangia já a responsabilidade das pessoas colectivas pelas contra-ordenações praticadas, em seu nome, pelos titulares dos seus órgãos sociais, mandatários, representantes ou trabalhadores, no exercício das suas funções, ainda que sem poderes de representação.
O regime da responsabilidade, art.8º e 11º, se praticado pelos órgãos sociais, especificamente, com deliberação de assembleia, da gerência ou do conselho de administração, ou quando é praticada, em nome da pessoa colectiva, por uma pessoa singular com poderes de representação, o agente será olhando para o RGCO. Segundo o art. 11º haverá responsabilidade solidária, para respectivos titulares dos órgãos máximos das pessoas colectivas. Claro que deve aqui ser feita uma interpretação correctiva, pois uma interpretação literal iria resultar na responsabilização de todos os sócios, gerentes ou administradores por actos praticados por qualquer pessoa singular, de acordo com o artigo 8.º, n.º 1, em representação da pessoa colectiva, o que seria a todos os níveis inaceitável e atentatório do princípio da legalidade e culpabilidade previstos nos arts. 1.º e 2.º da LQCA. Deve ser interpretado como prevendo a responsabilidade solidária, pelo pagamento da coima aplicada à pessoa colectiva, do agente individual que tenha praticado o facto, culposamente, em seu nome e representação. Havendo, pelo art.8º4 a possibilidade de provar que todos os deveres foram cumpridos pela pessoa colectiva e esta responsabilidade é igualmente eliminada se, se provar que o agente terá actuado contra ordens expressas ou tendo em conta o seu interesse. Referência ainda, à excessiva sanção enunciada no art.8º3, pois está a dispensar o efectivo conhecimento da prática da infracção. Será então muito fácil as entidades administrativas constituírem como arguido qualquer titular da administração da pessoa colectiva, isto de forma burocrática e automática. Assim, é razoável que se defenda que a omissão no conhecimento da infracção não poderá ser juridicamente atendível porque não há uma exigência jurídica, isto é, alguma norma que obrigue a um dever de agir. Indo então, contra a letra da norma, esta responsabilização apenas irá subentender um dolo específico, podendo aceitar-se também a suficiência do dolo eventual. Quer o artigo 11.º, quer o n.º 3 do artigo 8.º, são resultado de uma técnica legislativa que, a pretexto de uma distinção entre «responsabilidade pela contra-ordenação» e «responsabilidade pelo pagamento da coima», ambicionam tornear a necessidade fundamental do princípio da culpa, fazendo com que alguns autores defendam a inconstitucionalidade daquelas normas.
A lei 89/2009, enfraquece a responsabilidade que corre da desobediência a ordens ou mandados que sejam legítimos da Autoridade Administrativa competente, pois passou a ser uma contra-ordenação leve. Já terá passado a grave de muito grave a que acontece devido à repetição do incumprimento da ordem ou mandado.
Existente e resultante da lei 50/2006, é o art.19º, que traz algumas dúvidas. Este
Nos termos do artigo 19.º, «as autoridades administrativas no exercício dos seus poderes de vigilância, fiscalização ou inspecção podem determinar, dentro da sua área de actuação geográfica, o embargo de quaisquer construções em áreas de ocupação proibida ou condicionada em zonas de protecção estabelecidas por lei ou em contravenção à lei, aos regulamentos ou às condições de licenciamento ou autorização». O RJUE determina, no arts.102.º a 104.º, o regime dos embargos de obras de urbanização, edificação, de demolição ou remodelação de terrenos. A possibilidade das autoridades administrativas que sejam competentes em matéria ambiental terem o domínio de embargar construções traz dificuldades em relação ao momento da caducidade do embargo. O embargo só vai caducar no momento em que for pronunciada uma decisão que defina a situação jurídica da obra com carácter definitivo ou no fim do prazo fixado para o efeito (art. 104.º, n.º 1). Esta decisão normalmente, é da competência da Câmara Municipal. A inclusão da norma na LQCA é consequência da falta de distinção entre as medidas de tutela da legalidade e os ilícitos de mera ordenação social. O objectivo do embargo é restabelecer a legalidade (daí esta medida ser puramente administrativa), sendo diferente, tanto na sua natureza, como nos pressupostos, das contra-ordenações. E, obviamente, sempre correndo o risco de interferência nas competências das autarquias locais, esta faculdade é apenas no âmbito das construções em violação das leis e regulamentos de natureza ambiental.
O artigo 20.º da LQCA alude à da medida da sanção. A LQCA seguiu critérios idênticos ao Regime Geral das Contra-Ordenações no seu art.18º1. Então tem-se em conta a gravidade da contra-ordenação, da culpa do agente, da sua situação económica e dos benefícios obtidos com a prática do facto. Vai ter-se ainda em conta a conduta anterior e posterior do agente (cfr. al. e) do n.º2 do art. 71.º do CP) e ao requisito de prevenção (cfr. n.º 1 do art. 71.º do CP). No nº3 aprecia a coacção, a falsificação, as falsas declarações, simulação ou outro meio fraudulento utilizado pelo agente, bem como a existência de actos de ocultação ou dissimulação tendentes a dificultar a descoberta da infracção. A apreciação destas ocorrências impõe necessariamente um dever de fundamentação próprio, sob pena de nulidade da decisão.
O artigo 24.º determina que se a contra-ordenação estiver ligada à omissão de um dever, o pagamento da coima não isenta o infractor do seu cumprimento se este ainda for possível. Esta norma pode trazer algumas dúvidas na sua aplicação no âmbito do regime da infracção continuada, não havendo renovação da motivação da actividade omissiva. Assim se a imposição da conduta omitida nos termos do 41º1 g) no caso das medidas cautelartes, ou nos termos do 30º1 j) nas sanções acessórias, irá acarretar à partida a renovação dessa motivação logo o concurso de infracções.
Aventura-se que a intenção do legislador tenha sido, à
Em relação ao concurso de infracções do art.28º, se o facto constituir em crime e contra-ordenação ambiental, o arguido é responsabilizado pelas duas infracções, instaurando-se, processos independentes. A decisão administrativa de aplicação da coima irá caducar, se o arguido for condenado por crime em relação ao mesmo facto. Talvez o sentida desta opção seja que o arguido apesar de absolvido no processo crime, seja à mesma condenado por contra-ordenação. Isto pode trazer algumas confusões, pois proporciona a violação do princípio no bis in idem.
Polémico é o art.32º, no âmbito das sanções acessórias, ao se dar a faculdade de interdição temporária, até três anos, do exercício da profissão ou da actividade a que se refira, em que o exercício não dependa de título público, de autorização ou homologação de autoridade pública, art.30º1 b). Há pois uma debilidade constitucional, pois não leva em conta nem a natureza nem carácter da profissão. Este poder é quase ilimitado e vai para além do admitido no direito administrativo sancionatório.
A partir do art.41º encontramos o regime adjectivo das contra-ordenações.
O art.43º, que aborda o regime das notificações é causador de bastantes injustiças e desequilíbrios. Nos casos contra pessoas singulares deveria existir uma verdadeira citação. Pois se a carta for devolvida, esta lei presume a notificação no 5º dia posterior à data de expedição de carta simples, art.43º4. No meu ver é uma presunção muito fraca, pois tem consequências demasiado pesadas. De qualquer maneira se o arguido for condenado à revelia e se conseguir elidir a presunção de notificação, expondo factos e meios de prova, há a faculdade de revisão de sentença se houverem dúvidas, 449º1 d) do CPP e art.80º do Regime geral de contra ordenações. O art.43º6, possibilita a notificação por correio electrónico, o que é completamente desapropriado, pois ainda há muitas pessoas que não acedem todos os dias ao seu correio electrónico. Há ainda o risco de a mensagem de apagar ou ser confundida com uma das mensagens “spam”.
É importante fazer referência ao art.48º, onde se pretende a máxima imparcialidade do instrutor. Assim nem o autuante nem o participante podem actuar no âmbito de nenhuma destas funções que a instrução implica. Seguindo assim a linha de pensamento do art.6º do CPA.
O art.49º em que consagra o direito de audiência e defesa do arguido, é importantíssimo. Assim acolheu-se a doutrina defendida no assento 1/2003, que fixou a jurisprudência, defendendo que “quando, em cumprimento do disposto no artigo 50.º do regime geral das contra-ordenações, o órgão instrutor optar, no termo da instrução contra-ordenacional, pela audiência escrita do arguido, mas, na correspondente notificação, não lhe fornecer todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o processo ficará doravante afectado de nulidade, dependente de arguição, pelo interessado/notificado, no prazo de 10 dias após a notificação, perante a própria administração, ou, judicialmente, no acto de impugnação da subsequente decisão/acusação administrativa”.
O art.56º é importante pois prevê uma tramitação simplificada para infracções leves. A autoridade administrativa vai informar a decisão de aplicação de coima, sem ter de preencher todos os requisitos obrigatórios para o direito de defesa e audiência. Não havendo a possibilidade de recurso, se o arguido o pagar voluntariamente. Em vez de notificação, haverá apenas uma discrição sumária dos factos. Como não há incentivo para o arguido proceder desta maneira, acaba por ser na maioria das situações uma perda de tempo, tendo a autoridade administrativa, depois da notificação, efectuar outra notificação nova já abrangendo todos os requisitos do 49º.
Outras alterações de 2009, para além do já referido logo nos primeiros parágrafos. Deixou de ser obrigatória a notificação ao arguido com o sentido possível da decisão.
As coimas foram igualmente modificadas, tornando-se em certos casos menos pesadas. Houve também a extinção do preceito que obrigava à actualização anual dos valores e ainda a extinção da norma que permitia a apreensão de animais como sanção acessória quando os animais serviam à prática da infracção.
No instituto do pagamento voluntário, prevê-se o pagamento de coima pelo mínimo sem haver a indicação de prazo, assim o arguido pode fazê-lo até ao fim da decisão da autoridade competente, como vem indicado no Regime geral de Contra-Ordenações.
Havendo o pagamento voluntário da coima, continua a poder ser aplicada alguma sanção acessória, bem como continuará este pagamento a valer como condenação no âmbito de uma reincidência.
Pode haver a redução de 25% do montante mínimo, se o infractor não for reincidente e o pagamento voluntário tenha sido pedido em relação a uma contra ordenação leve ou grave.
Vem ainda determinar que o pagamento da coima depois de haver a notificação da decisão condenatória, faz com que termine o direito de impugnar judicialmente essa decisão. Claro que isto traz bastantes incertezas em relação à constitucionalidade, pois limita o acesso aos tribunais.
Importante foi igualmente a criação de um cadastro com punição da reincidência.
Foram essencialmente estas as mudanças que a lei sofreu.
Não posso é acabar esta explanação sem referir a importância do diploma da LQCA, pois trouxe coimas bem mais pesadas às infracções ambientais. Sendo que metade do produto das coimas irá reverter para o Fundo de Intervenção Ambiental, criado exactamente por este diploma.
Esta lei melhorou em muito os meios de reacção da Administração ao Ambiente. Mesmo assim ainda há um longo caminho pela frente, pois continuam a ser imensos os diplomas avulsos que tipificam as contra-ordenações, como é o caso dos recursos hídricos. Deve pois continuar a trabalhar-se na melhoria da coordenação entre os vários diplomas existentes. Isto através essencialmente de uma harmonização e sistematização desta grande quantidade de diplomas.
Nos últimos anos fomos assistindo ao crescente desenvolvimento da legislação ambiental, que apesar de tardio, tem vindo a encontrar o seu caminho. Assim, sou da opinião de que vamos assistir ao longo dos próximos anos, outros ajustamentos nesta lei. Cada vez mais, faz sentido desenvolver o direito das Contra-Ordenações no âmbito do ambiente.
Rita Espírito Santo - 17522 – subturma 3
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