O procedimento conducente à(o) (in)deferimento da licença ambiental inicia-se com um pedido do particular à entidade coordenadora, nos termos do art. 11.º/1 RLA, do qual devem constar os elementos que o artigo indica como necessários.
Segue-se-lhe a fase de instrução. A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) tem 15 dias para verificar se o pedido foi instruído com todos os elementos exigidos (art. 13.º/1 RLA). A APA pode, durante este período, convocar o operador para que este participe em conferência instrutória, de modo a uma melhor apreciação do pedido por parte da Administração (art. 13.º/3). Se o pedido não preencher os requisitos legais, a APA pode pedir ao operador esclarecimentos adicionais ou indeferir liminarmente o pedido, se não for possível corrigi-lo ou juntar-lhe os elementos em falta.
Posteriormente, a APA avalia tecnicamente o pedido de LA, decorre ainda a fase de participação pública e segue-se, em princípio, a decisão final da APA no prazo de 75, 55, 37 ou 27 dias, consoante o caso (art. 16.º/1, 2 e 3 RLA).
Um problema constituirão, porém, os casos em que não existe decisão final, em que a Administração não se pronuncia, deixando em aberto o pedido de licença ambiental.
PEDRO DELGADO ALVES(2) identifica uma tendência a que «todo o Direito do Ambiente começava a ceder»: o «apelo irresistível do deferimento tácito». Se, antes do novo RLA, a licença ambiental era ainda um procedimento “resistente ao invasor”, com a entrada em vigor do DL 173/2008, isso mudou, uma vez que agora o art. 17.º/1 do DL 173/2008 prevê precisamente que «decorrido o prazo para a decisão do pedido de licença ambiental sem que esta tenha sido proferida pela APA e não se verificando nenhuma das causas de indeferimento previstas nas alíneas a) a e) do n.º 6 do artigo [16.º] considera-se tacitamente deferida a pretensão do particular», dispondo o n.º 2 que a APA deve emitir e remeter ao operador a certidão que comprove o decurso do prazo para emissão da licença ambiental.
O deferimento tácito chegou, pois, à licença ambiental e, como é de prever, não isento de críticas.
O Autor(3) identifica quatro objecções de fundo ao deferimento tácito da licença ambiental:
- Ele seria contrário à finalidade do RLA, pois este pretende assegurar a intervenção obrigatória e vinculativa de uma autoridade administrativa antes do início de exploração de uma instalação poluente;
- A própria Constituição seria violada por esta solução, que poria em causa o princípio da prevenção (art. 66.º/2 CRP);
- Ela violaria a Lei de Bases do Ambiente, em particular, os seus arts. 27.º/1, h) e 33.º/1, que, respectivamente, consagram o licenciamento prévio de todas as actividades potencial ou efectivamente poluidoras como instrumento de política do ambiente e ordenamento do território e a sujeição a prévio licenciamento da construção, ampliação, instalação e do funcionamento de estabelecimentos e o exercício de actividades efectivamente poluidoras;
- Por fim, esta solução atentaria ainda contra os arts. 4.º, 8.º e 9.º da Directiva 2008/1/CE, que impõem a obrigatoriedade de adopção pelos EM das medidas necessárias para que nenhuma instalação seja explorada sem uma licença conforme à directiva, definindo-se aí o conceito de licença como um «acto que inclua as condições específicas que garantam que a instalação satisfaz os requisitos» da directiva.
É certo que a lógica que presidirá à existência de um requisito que consiste na obtenção de uma licença ambiental será a de vedar o início de uma actividade sem que exista um documento que titule esse desenvolvimento regulando os efeitos que essa actividade possa ter no ambiente. Será isso que justifica que a licença ambiental seja condição necessária de exploração (art. 2.º, i) RLA).
Mas poderia ficar o particular esperando ad eternum o proferimento de uma decisão?
Em bom rigor, nunca teria de fazê-lo, desde logo, porque poderia, decorrido o prazo para a decisão, propor uma acção de condenação à prática do acto administrativo legalmente devido, nos termos dos arts. 66.º ss CPTA.
Por isso, em favor do deferimento tácito nunca poderia concorrer o argumento do princípio da decisão ou da segurança jurídica dos particulares nas relações com a Administração.
Daqui resulta que não era necessário o reconhecimento de um deferimento tácito nos casos de inércia da Administração. Mas seria possível?
Ao analisarmos os moldes em que, concretamente, o deferimento tácito da LA foi concebido, e cuja crítica adiante se fará, percebemos que o legislador tentou evitar os efeitos potencialmente lesivos que poderia ter este deferimento tácito através da introdução de causas de não produção do deferimento tácito – a verificação de algum dos factos elencados nas als. a) a e) do art. 16.º/6 RLA.
Ademais, na decisão tácita, há ainda a possibilidade de a entidade coordenadora (do procedimento principal) fazer a ponderação dos valores ambientais, sendo-lhe tal imposto pelo art. 17.º/3 RLA. O procedimento de LA é um endo-procedimento, isto é, um procedimento que se localiza dentro de um outro procedimento, o procedimento principal, sendo também este último participado, contendo ainda outras formas passíveis de aumentar a razoabilidade da decisão principal, não obstante a licença ambiental tácita.
Além disso, a decisão tácita é sindicável judicialmente, podendo qualquer interessado impugná-la junto dos tribunais administrativos e, em última instância, pedir a condenação da Administração ao indeferimento tácito da licença ambiental.
Entendo, pois, que o deferimento tácito não deixa desprotegida a prevenção ou desacauteladas as disposições supra enunciadas.
Mas o caminho seguido pelo legislador não foi, de facto, o mais correcto ou aconselhável em termos práticos, pois introduziu no regime uma série de complicações que podem dificultar, tanto a tutela do ambiente, como o desenvolvimento da actividade económica.
Além do decurso do prazo, para que se forme o deferimento tácito, é ainda necessário que não esteja preenchida nenhuma das alíneas a) a e) do art.16.º/6 – o “deferimento tácito tradicional” foi assim transformado num “deferimento tácito condicional”, sujeito a requisitos de substância que não vão ser objecto de apreciação por parte de qualquer entidade – ou não estaríamos em presença de um deferimento tácito. Esta questão pode revelar-se problemática, desde logo porque a verificação do preenchimento das als. d) e e) exige uma interpretação de normas jurídicas e, no último caso, mesmo a formulação de um juízo integrável na margem de livre decisão da Administração, que sempre lhe permitirá atacar a posição do particular.
CARLA AMADO GOMES(4) fala aqui na existência de um acto de «indeferimento implícito», o que pode ter consequências bastante perniciosas para o particular.
Quando a Administração alegue não se ter produzido o deferimento tácito em virtude do preenchimento de uma das alíneas a) a e) do art. 16.º/6, poderá o particular propor uma acção de condenação à prática de acto devido como supra se afirmou? É que, para o fazer, terá de demonstrar em juízo que o acto tácito não se produziu, demonstrando, contra si mesmo, a verificação de uma causa de indeferimento…
Pelo exposto, parece ser de concluir que o regime não era necessário, sendo, no entanto, possível, não obstante a solução encontrada para a consagração do deferimento tácito nesta sede ter sido tudo menos clara e, seguramente, carente de esclarecimentos ou eventuais alterações.
(1)Antes do novo regime da licença ambiental (DL 173/2008 ou RLA, que transpôs para a ordem jurídica portuguesa a Directiva 2008/1/CE), este instrumento era regulado pelo DL 194/2000.
(2)PEDRO DELGADO ALVES, O novo regime jurídico do licenciamento ambiental, in O que há de novo no Direito do Ambiente? – Jornadas sobre os novos diplomas de Direito Ambiental, AAFDL, 2008, p. 213.
(3)PEDRO DELGADO ALVES, O novo …, op. cit., p. 215 ss.
(4)CARLA AMADO GOMES, Direito Administrativo do Ambiente, in Tratado de Direito Administrativo Especial, v. I, Coord. PAULO OTERO e PEDRO GONÇALVES, Almedina, 2009, p. 222.
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