sexta-feira, 13 de maio de 2011

Análise do acordão 1692/2007-8

Neste texto venho trazer em análise o acordão 1692/2007-8 do Tribunal da Relação de Lisboa que trata dos direitos à qualidade de vida, ao repouso e ao ambiente.

Em resumo do acordão podemos dizer o seguinte: tinhamos no caso uma senhora, “MJ”, que mantinha no seu prédio um canil clandestino alojando cerca de 30 cães, causando muito barulho e cheiro nauseabundo todo o dia, e em virtude dessa situação foi intentada pelos vizinhos, “L” e “M”, contra essa senhora uma acção para a remoção dos canídeos do prédio. Nesta acção que deu entrada no Tribunal da Relação de Lisboa vinha a senhora “MJ” recorrer da decisão anterior que tinha disposto efectivamente no sentido do deferimento da providência de remoção dos canídeos, no entanto o Tribunal negou o provimento ao recurso confirmando a decisão recorrida. No caso tinha também intervido a Câmara Municipal, após a denúncia da situação por parte de L e M , através da notificação à senhora MJ de um despacho do Presidente da Câmara ordenando a remoção dos canídeos por motivo de insalubridade.

Tratando da análise do acordáo no âmbito da matéria de Direito do Ambiente, o que tinhamos aqui em causa era antes de mais o direito de acção popular nos termos do art 52-3 a) Constituição da República Portuguesa (doravante CRP) e da Lei 83/95 sendo que estava em causa a preservação do ambiente, a qualidade de vida, e ainda eventualmente a própria saúde pública nos termos dos art 52-3 a) CRP e do art 1-2 da Lei 83 95. Quanto à titularidade do direito de acção popular esta advinha do art 52-3 CRP bem como da Lei 83 95 por força do art 2-1 quanto aos vizinhos e art 2-2 quanto à autarquia local.

Conforme dispõe o art 66-1 CRP e o art 2-1 da Lei de Bases do Ambiente (LBA) todos têm o direito a um ambiente de vida humano, sadio e o dever de o defender. Para além disso, tratava-se também da violação do direito a habitar em condições de higiene e conforto (art 65-1 CRP), através da poluição e do ruído causados segundo o disposto nos arts 21 e 22 da LBA, cuja violação traduz ofensa à própria integridade física e moral das pessoas (art 25-1 CRP).

Ora, creio que tínhamos no caso o direito ao ambiente como direito fundamental, que segundo o Professor Vasco Pereira da Silva manifesta-se em duas vertentes, uma negativa, enquanto direito de defesa contra agressões públicas e privadas na esfera constitucionalmente protegida, e uma positiva, enquanto conjunto de valores e principios conformadores de toda a ordem juridica que estabelecem deveres de actuação e tarefas de concretização para os poderes públicos, sendo de aplicar o regime juridico dos direitos, liberdades e garantias na medida da dimensão negativa, e o regime dos direitos económicos, sociais e culturais na medida da sua dimensão positiva.

A acção proposta por L e M contra MJ estava portanto no âmbito da vertente negativa do direito ao ambiente, ou seja, estes vinham actuar na defesa contra uma agressão privada na esfera constitucionalmente protegida do seu direito fundamental ao ambiente; e a intervenção da Câmara Municipal estava no âmbito da vertente positiva do direito ao ambiente, pois manifestava-se como um dever de actuação desta.

Devido ao cheiro provindo do canil clandestino, podíamos entender que efectivamente existia um factor de poluição do ambiente na acepção do art 21-1 LBA, pois esta actividade afectava negativamente a saúde e o bem-estar de L e M, bem como dos demais vizinhos. De igual modo, o barulho causado pelos cães do canil constituía um ruído causador de dano à saúde e ao bem-estar sendo de aplicar o art 22-1 b) LBA que trata da luta contra o ruído através do estabelecimento de níveis sonoros máximos (que no caso estariam a ser ultrapassados).

Seria de atentar também ao disposto no art 40 LBA que no seu nº1 estabelece o dever dos cidadãos de colaborar na criação de um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, bem como o direito dos cidadãos que se virem lesados no direito ao ambiente a pedir a cessação das causas de violação e a respectiva indemnização nos termos do nº 4 do mesmo artigo (vide também o art 41-1 LBA quanto à responsabilidade objectiva). Ainda no âmbito do art 40 LBA, tinha relevância o disposto nos números 2 e 3 quanto à acção proposta por L e M e quanto à intervenção da Câmara Municipal.

Como factor agravante da actividade prosseguida por MJ era de notar a falta de licenciamento da mesma que, sendo uma actividade efectivamente poluidora, tinha aplicação o art 33-1 LBA.

Parece portanto que, conforme entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa, os argumentos invocados pela requerida não podiam ser procedentes pois apesar desta alegar pela limpeza dos abrigos dos cães, invocar a declaração de um veterinário atestatória das boas condições higiénico-sanitárias do canil, do apoio manifestado por parte de outras pessoas, da sua realização pessoal, bem como do eventual destino dos canídeos, sem ter a requerida a situação devidamente regularizada, com todas as licenças necessárias, e sem estar a violar o direito ao ambiente, ao bem-estar e à saúde públicas, nos termos dos arts 66-1 CRP, 21-1 e 22-1 b) LBA, bem como do art 3-1 do Decreto Lei 314/2003 referido no acórdão, aquela actividade não podia ser mantida, devendo os canídeos ser removidos do canil clandestino instalado no logradouro do prédio urbano.

Como nota final, cumpre dizer que por esta breve referência e análise a este acórdão, o direito ao ambiente consagrado no art 66-1 CRP, e entendido pelo Professor Vasco Pereira da Silva como um direito fundamental, merece a maior importância e atenção quer dos cidadãos em geral, quer dos sectores público, privado e cooperativo em particular, devendo manifestar-se numa maior e progressiva consciencialização ambiental de todos de modo a repercutir-se também numa maior defesa do ambiente e numa maior fiscalização e regulação das situações.

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BIBLIOGRAFIA


- Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente, 2002, Almedina

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