segunda-feira, 16 de maio de 2011

Uma visão Ambiental Europeia à luz do Tratado de Lisboa

Pode afirmar-se com certezas que existe efectivamente uma preocupação da União Europeia com a tutela ambiental. Mas tal nem sempre sucedeu. Efectivamente o Tratado de Roma ignorava a protecção ambiental (quando se olha para a criação da União Europeia tal é compreensível, no sentido em que o que a fundava eram princípios puramente económicos).


Tal alterou-se quando surgiu uma consciência ecológica na comunidade internacional e foi com o Acto Único Europeu, em 1987, que se verificou formalmente a preocupação da Europa em matéria ambiental.


Mas tal sensibilidade já se tinha iniciado em meados de 1960, onde desde então já se tinha começado a legislar sobre questões ambientais (veja-se por exemplo a Directiva 79/409/CEE que se ocupava sobre a conservação de aves selvagens).


Deste modo, o Acto Único Europeu foi o impulso necessário para uma formalização da relação entre a União Europeia e o ambiente. Desde este, todas as revisões tiveram sempre em atenção a matéria ambiental.


Actualmente, a versão do Tratado sobre Funcionamento da União Europeia (TFUE) revela no seu artigo 13º uma sensibilidade ambiental referindo que “na definição e aplicação das políticas da União nos domínios da agricultura, da pesca, dos transportes, do mercado interno, da investigação e desenvolvimento tecnológico e do espaço, a União e os Estados-Membros terão plenamente em conta as exigências em matéria de bem-estar dos animais, enquanto seres sensíveis, respeitando simultaneamente as disposições legislativas e administrativas e os costumes dos Estados-Membros, nomeadamente em matéria de ritos religiosos, tradições culturais e património regional”.

Também a Carta dos Direitos Fundamentais trata da matéria ambiental (artigo 37º) complementando o artigo 3º do Tratado da União Europeia (TUE) e os artigos 11º, 191º e 193º do Tratado sobre Funcionamento da UE.

As preocupações na União Europeia, presentemente, centram-se essencialmente em quatro pontos, tal como indica CARLA AMADO GOMES:

1) Uma concepção de desenvolvimento sustentável. Tal princípio consta desde logo no preâmbulo do Tratado da União Europeia, envolvendo-o com a realização do mercado interno, reforçando a protecção ambiental e tendo como fim a promoção do progresso económico e social. Aparece também como objectivo da União, no artigo 3º do mesmo Tratado. Todavia, por outro lado, o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia dispõe sobre este princípio no seu artigo 11º e 177º, mas já nada refere quanto a ele no Título XX, sobre Política de Ambiente, nem no Título XXI, sobre as Políticas de Energia.


Numa lógica de actuação da União Europeia, os artigos 3º e 21º do TUE nada vem acrescentar, havendo o método de que o ambiente não deve em abstracto e prioritariamente desconsiderar os objectivos da União, assim como estes não devem ser concretizados com desconsideração pela protecção ambiental. Deste modo, o princípio da integração prescreve a necessidade da actuação comunitária dar relevância ao impacte ambiental.


Vai-se neste sentido à concepção de equilíbrio e de inter-conexão entre valores.

2) Inovação com a introdução da temática sobre as alterações climáticas (artigo 191º nº1, 4º travessão TFUE), sendo tratado como objectivo da União Europeia. Deve ficar sublinhado que a União Europeia já tinha esta matéria regulada em alguns instrumentos (nomeadamente o Programa Europeu para as Alterações Climáticas, fruto dos compromissos europeus assumidos no âmbito do Protocolo de Quioto), mas foi efectivamente em 2007 que surgiu no mundo a consciencialização de que era necessário actuar com emergência nesta matéria.


O Programa supra citado levou a que a União Europeia procedesse a uma regulação em tudo o que pudesse ser susceptível de reduzir o efeito de estufa.


Esta política, que começou por volta de 1997, foi então introduzida no Tratado de Lisboa, onde os Estados-membros “nacionalizaram” a política climática e a acolheram como sendo um problema individual dos Estados.


Todavia, o Tratado trata desta matéria num contexto de política internacional ambiental, o que é compreensivo se tivermos em consideração que este é um problema de âmbito global e as políticas de protecção às alterações climáticas só serão bem sucedidas integradas no seio de uma comunidade.


3) Existência de um Título (XXI) no TFUE (artigo 194º nº 1) que se dedica à Política de Energia. Nasceu a ideia de que a livre comercialização de energia no mercado interno seria muito importante para os Estados, o que levou a haver uma maior atenção da Comunidade na regulação desta matéria.


O Tratado de Roma nada dispunha, assentando numa lógica europeísta da época, pela relação existente entre o aproveitamento dos recursos e a soberania dos Estados. Tal não obstava a que a União regulasse sobre algumas matérias específicas em sede de política energética, nomeadamente sobre práticas de concorrência. Aliás, olhando para os primórdios da construção da União, uma das bases fundamentais para a sustentar foi a energia, através da CECA e do EURATOM.


Pode concluir-se então que em termos de conteúdo não existe propriamente uma novidade, mas é certo que o Tratado de Lisboa introduz agora uma base habilitante expressa e autónoma.


Importa referir que uma das linhas que a União Europeia leva em conta é a temática das energias renováveis (também fruto do compromisso assumido) que, não obstante, ainda se trata de um sector em expansão.

4) Por fim, o TFUE, no seu artigo 11º, introduz uma novidade de natureza procedimental, tratando-se de uma pré-iniciativa legislativa popular europeia. Esta atribui a possibilidade de um grupo de cidadãos elaborarem e apresentarem uma petição com propostas, tendo os cidadãos que ser oriundos de um número significativos de Estados-membros. Desta forma surgiu, em 2009, o Green Paper on a European’s citizen initiative que abriu o debate nesta matéria, estabelecendo que: o número significativo de Estados se circunscreva a 1/3 dos Estados-membros; cada Estado deve apresentar assinaturas numa proporção de 0,2% da sua população; a capacidade de subscrição da petição seja a capacidade eleitoral do Estado-membro; a petição se limite a indicar a matéria e o sentido da iniciativa legislativa da Comissão; a veracidade das assinaturas se faça ao nível da União e que o limite temporal da sua recolha seja de um ano; a iniciativa fique registada on-line; sejam disponibilizados os dados sobre financiamento da campanha; se fixe um máximo de seis meses para avaliação da viabilidade da iniciativa; seja desincentivada a apresentação sucessiva de iniciativas debruçadas no mesmo tema.


Importa referir, por último, a possibilidade (já admitida anteriormente) de apresentação de queixas ao Provedor de Justiça, prevista no artigo 228º TFUE. Para apresentação destas queixas não é necessário que o queixoso prove ter um interesse individual e directo para apresentação da queixa.



Concluindo, é claramente visível que, embora a questão ambiental tenha sido quase sempre tratada com alguma sensibilidade no âmbito das questões europeias, no sentido de ter havido sempre alguma regulação paralela em sede de regulação de outras matérias, nomeadamente matérias económicas, só a partir dos anos 80 é que se começou a formalizar uma tutela ambiental europeia.


Pode afirmar-se, sem qualquer dúvida, que grande parte da legislação em matéria ambiental dos Estados-membros é hoje fruto de fortes imposições feitas pela União Europeia, nomeadamente através de Directivas. Deste modo, embora a União se paute por um crescimento essencialmente económico e político, a preocupação com uma tutela efectiva das questões ambientais é cada vez mais uma prática que acompanha aqueles objectivos.

Sem comentários:

Enviar um comentário