sexta-feira, 20 de maio de 2011

O Antropocentrismo no Direito do Ambiente

O homem e a natureza são indissociáveis.

Actualmente esta frase, na sociedade ultra-industrializada em que vivemos, pode parecer-nos algo de estranho ou mesmo caricato. O que é certo é que o Homem se desenvolveu graças e na Natureza. Contudo, a protecção jurídica do ambiente só foi vista como uma exigência até há bem pouco tempo. De facto, nos finais dos anos 60 (com o afundar de um petroleiro que provocou um grande derrame de petróleo que afectou a França, a Bélgica e a Inglaterra) e inícios de 70, com a crise petrolífera, começou a tomar-se consciência de que os recursos são escassos. Até aí, e devido à confiança cega que se tinha no desenvolvimento económico, as questões ambientais foram descuradas. Apenas quando a economia estagnou e o ser humano se deparou com grandes desastres ambientais é que surgiu a necessidade de procurar controlar estes eventos através da regulação jurídica destas matérias. Colocaram-se assim novos desafios ao Estado no que diz respeito ao novo ramo do Direito que é o Direito do Ambiente.

Mas pergunta-se agora o que é, realmente, o ambiente.

Esta pergunta não é de todo despropositada pois cabe aferir se, quando falamos em direito do ambiente, estamos perante algo que visa a protecção do homem, ou seja, se está em causa um bem jurídico direccionado para o homem ou se, pelo contrário, a natureza pode ser vista como um bem em si mesma (o que admitiria a responsabilização por danos ecológicos que dizem respeito às lesões directas ao próprio ambiente). A primeira perspectiva, colocando o Homem no cerne da questão, diz respeito à concepção antropocêntrica. Já a segunda, considerando a Natureza como algo que, só por si, merece ser tutelado, refere-se à concepção ecocêntrica.

No que toca às concepções antropocêntricas, estas negam qualquer autonomia aos bens naturais, sendo alvo de protecção apenas aqueles que tenham uma utilidade para o Homem. Está-se assim perante uma visão utilitarista em que se conservam apenas aqueles recursos que possam ser aproveitados pelo Homem e que tenham um valor económico aferido em função das necessidades e exigências humanas.

Já as concepções ecocêntricas reconhecem um valor intrínseco aos bens naturais, centrando-se a sua importância não na utilidade que pode ser retirada pelo Homem, mas sim na estreitíssima ligação que existe entre a subsistência do Homem (mas não só deste) e das outras espécies e a manutenção de um ambiente natural sadio. A Natureza teria assim um valor autónomo, valendo por si e sendo a sua tutela independente de se ter verificado um dano na esfera jurídica de certo indivíduo.

Na doutrina portuguesa são de salientar algumas posições.

O Prof. FREITAS DO AMARAL considera que a “Natureza tem de ser protegida também em função dela mesma, como valor em si(1) . Neste sentido, considera que o Direito do Ambiente surge pela necessidade de regular as relações entre o Homem e a Natureza, sendo que tal implica uma protecção da própria natureza face ao Homem – existiriam assim direitos da Natureza que o ser humano teria que respeitar. Tem assim uma concepção ecocêntrica.

O Prof. MENEZES CORDEIRO vai na mesma linha pois considera que o antroponcentrismo tem vindo a ser afastado pois alterou-se a forma como se via os seres vivos e o equilíbrio do meio ambiente. Passou assim a encarar-se essas realidades como algo de precioso que necessita de protecção e que, como tal, vale por si.

A Prof. CARLA AMADO GOMES adopta uma concepção ecocêntrica moderada. Por um lado considera que o ecocentrismo puro não permite encontrar soluções adequadas aos problemas ambientais pois os recursos naturais não podem ser titulares de direitos – tal só é possível ao Homem. Entende, contudo, que adoptar-se o ecocentrismo não significa o tal reconhecimento de direitos aos bens naturais como propugnam as puras concepções econcentristas, mas sim encarar o Homem como zelador do equilíbrio ambiental e detentor de deveres de protecção do ambiente, decorrendo tal do seu carácter privilegiado pois este, ao contrário das outras espécies, detém o uso da razão.

O Prof. CUNHAL SENDIM adopta uma noção denominada “antropocentrismo alargado”. Segundo esta concepção o Homem é parte integrante da comunidade biótica, devendo providenciar pela sua protecção. Há assim uma “responsabilidade do Homem pela Natureza (2) , pois este tem nas suas mãos a possibilidade de alterar o equilíbrio ecológico. Esta concepção é ainda antropocêntrica, mesmo que se afaste das concepções utilitaristas, pois, apesar de aqui já não se atender às funcionalidades directas que o ambiente proporciona ao ser humano, adopta-se uma óptica em que o interesse público necessita e é indissociável da estabilidade ecológica.

O Prof. VASCO PEREIRA DA SILVA defende o antropocentrismo ecológico, afastando-se assim das puras concepções antropocêntricas. O Professor considera que personificar as realidades naturais através da atribuição de direitos aos mesmos não conseguirá resolver os problemas que se colocam. Assim, os indivíduos teriam direitos subjectivos públicos, destinando-se as normas ambientais à protecção dos interesses do Homem. Contudo esta posição afasta-se das concepções mais radicais pois admite a tutela objectiva dos bens ambientais, ou seja, considera que o ambiente deve ser tutelado, sendo isso uma condição necessária para o concretizar da dignidade da pessoa humana.

Antes de dar a minha opinião sobre esta temática penso que é importante olhar para o panorama jurídico português.

A Constituição, no seu art. 66.º n.º1 afirma que “Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender”. Ora ao referir-se a “ambiente de vida humano” parece estar em causa uma concepção antropocêntrica pois parece atender à Natureza não isoladamente mas na sua relação (e em relação) ao Homem. A própria epígrafe do artigo – Ambiente e qualidade de vida – parece apontar nessa direcção, conjugando a protecção do ambiente com as necessidades humanas, nomeadamente o bem-estar. Já a Lei de bases do Ambiente, no seu art. 5.º n.º2 a) ao atender aos efeitos sobre os seres vivos e a qualidade de vida do Homem parece, num primeiro momento, ter adoptado uma óptica ecocêntrica para, a seguir, assentar no antropocentrismo. Contudo, em diversas disposições da referida lei – como por exemplo o art. 2.º n.º2, atende-se à Natureza em si mesma, valendo esta autonomamente – concepção ecocêntrica.

Tendo-se chegado a este ponto cumpre dar a minha opinião.

Em primeiro lugar considero que é importante afastar, desde já, qualquer concepção extremista como seja a concepção antropocêntrica utilitarista ou a teoria ecocêntrica pura. Pergunta-se porquê. Ora, e no tocante ao antroponcentrismo, recusar a protecção de determinado bem natural apenas porque este não apresenta qualquer utilidade, económica ou não, para o Homem, apresenta-se como algo inadmissível. Para além de se vedar a responsabilidade por danos ecológicos, tal seria esquecer o maior património da Humanidade – a Natureza. Considero a ideia de o Homem ser o dono e senhor do planeta completamente afastada. Já muitas provas foram dadas de que o Homem não consegue controlar todos os fenómenos, servindo as situações de catástrofe naturais para exemplificar bem essa situação. Assim sendo, e atendendo ao grande ecossistema da terra, em que todas as espécies acabam por estar interligadas, quebrar esse equilíbrio ou descurar a protecção de certos bens apenas porque estes não têm uma utilidade directa para o Homem seria esquecer a própria fragilidade humana, também, em última analise, dependente desse equilíbrio. Por outro lado, e como é perceptível pelo que acima foi dito, considero que também não se pode afastar o homem da equação que é a protecção do ambiente. Devem assim ser postas de parte as concepções ecocêntricas puras. De facto, o Direito dirige-se ao Homem. Tal não significa que a protecção do ambiente tenha que estar necessariamente centrada ou em conexão directa e imediata com os interesses do Homem, não é isso que pensamos que será o correcto. Mas, por outro lado, importa não esquecer que enquanto indivíduos e sendo o Direito uma invenção, por assim dizer, humana, não se pode desligar o Homem do Direito. Ainda que o Direito do Ambiente apresente especificidades muito próprias não presentes em mais nenhum outro ramo, o que é certo é que se conseguirá atingir um muito maior grau de protecção ambiental se se considerar que o Homem é titular de direitos e deveres relativos ao ambiente. Esta posição não impede a responsabilidade por danos ecológicos, estes devem ser punidos. Simplesmente são punidos porque o ambiente apresenta-se como algo de extremamente importante para o Homem, necessitando este de habitar num ambiente sadio sendo que, se não forem adoptadas medidas, ainda que num primeiro momento este não seja afectado, mais tarde e ainda que indirectamente os danos ambientais poder-se-ão repercutir na sua esfera. É assim de extrema importância assumir aqui uma lógica de prevenção (daí um dos pilares do Direito do Ambiente ser precisamente o Princípio da Prevenção), dirigindo o Direito ao Homem, mas abrindo espaço – pois este é necessário – a que se tutele objectivamente os bens ambientais. Inclinamo-nos assim a concordar com a opinião do Prof. VASCO PEREIRA DA SILVA.


Bibliografia

Amaral, Diogo Freitas do, Apresentação - Direito do Ambiente, Instituto Nacional de Administração, Lisboa, 1994;
Cordeiro, António Mnezes, Tutela do Ambiente, Lisboa, 1996;
Gomes, Carla Amado, O Ambiente como objecto e os objectos do Direito do Ambiente, Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente n.º 11/12, 1999;
Gomes, Carla Amado, A responsabilidade civil por dano ecológico: reflexões preliminares sobre o novo regime instituído pelo decreto-lei n.º 147/2008 de 29 de Julho, Actas das Jornadas de Direito do Ambiente, 2009;
Sendim, José de Sousa Cunhal, Responsabilidade civil por danos ecológicos, Almedina, 2002;
Silva, Vasco Pereira da, Verde cor de direito : lições de direito do ambiente, Almedina, 2002.

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(1)Cfr. FREITAS DO AMARAL, Apresentação - Direito do Ambiente, Instituto Nacional de Administração, Lisboa, 1994, p. 16 e 17.
(2)Cfr. CUNHAL SENDIM, Responsabilidade civil por danos ecológicos, Almedina, 2002, pp. 45.

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