domingo, 1 de maio de 2011

A Importância do Direito do Ambiente para o Direito do Urbanismo

1. Diferenças fundamentais entre Direito do Ambiente e Direito do Urbanismo

Conforme refere CARLA AMADO GOMES, assiste-se actualmente a um alargamento dos ramos especiais de Direito Administrativo devido ao aumento das tarefas que o Estado chama a si e dos interesses do indivíduo enquanto ser inserido na comunidade. Assim, e dando resposta a estes desenvolvimentos, o legislador (constitucional, inicialmente, e ordinário, numa fase subsequente) debruça-se sobre estas realidades e, de acordo com os novos bens jurídicos em acção, molda-as e tutela-as.[1] Cumpre, então, distinguir o Direito do Ambiente do Direito do Urbanismo tendo sempre em mente que, sendo eles novos interesses estaduais (e até comunitários), muitas vezes se interpenetram mas, ainda assim, carecem de distinção.

O Direito do Urbanismo pode ser definido como um conjunto de normas que disciplinam a ocupação territorial e o uso do solo com vista à boa ordenação da cidade, enquanto aglomerado urbano. Não se pretende aqui estabelecer normas que orientem e disciplinem a utilização racional dos recursos naturais, nem a preocupação primordial deste ramo especial do Direito Administrativo é o respeito pelo Ambiente. Porém, atentando-se na alínea a) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo (Lei n.º 48/98, de 11 de Agosto – LBPOTU) rapidamente se percebe que Urbanismo e Ambiente se cruzam e interpenetram, não podendo o primeiro cumprir os seus objectivos sem que haja uma preocupação com o segundo. Aliás, bem se verá no ponto seguinte deste comentário que as preocupações ambientais do Direito do Urbanismo não se esgotam de todo na LBPOTU. Por outro lado, o Direito do Ambiente circunscreve-se a um objecto mais operativo, centrando os seus esforços em torno de políticas ambientais coerentes que regulam a intervenção humana sobre os bens ecológicos e sua preservação.
Assim, apesar do que fica dito supra relativamente aos “objectivos ambientais” do Direito do Urbanismo, estes não o integram de pleno (apenas na medida em que a harmonização estética urbana – numa formulação simplista – por ele prosseguida seja afectada por tais objectivos), estando sempre a criação e valorização dos espaços naturais da cidade integradas no âmbito do Direito do Ambiente.

Elucidada que está a questão que se prendia com este primeiro ponto do presente comentário, passemos agora à análise do Ambiente enquanto preocupação urbanística.



2. O Ambiente enquanto preocupação urbanística

O Decreto-lei n.º 232/2007, de 15 de Junho, transpondo a Directiva n.º 2001/42/CE, do Parlamento e do Conselho, de 27 de Junho, veio alterar o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (Decreto-lei n.º 380/99, de 22 de Setembro – RJIGT) através do Decreto-lei n.º 316/2007, de 19 de Setembro, incorporando nos procedimentos de elaboração, acompanhamento, participação e aprovação dos instrumentos de gestão territorial a avaliação dos seus efeitos ambientais.[2] No fundo, a Directiva referida “impõe que determinados planos e programas, susceptíveis de produzir efeitos significativos no ambiente, sejam sujeitos a avaliação ambiental, com o objectivo de estabelecer um nível elevado de protecção do ambiente e de contribuir para a integração das considerações ambientais na elaboração e aprovação de planos e programas, com vista a promover um desenvolvimento sustentável.”[3].
Recordando o que ficou dito supra (nomeadamente a opinião de ALVES CORREIA relativamente à comunhão de princípios gerais e à comunidade de fins e objectivos entre as duas disciplinas jurídicas aqui em apreço) e fazendo a ponte com os mecanismos de avaliação dos efeitos ambientais dos planos e programas urbanísticos, pode começar por se dizer que tanto o Direito do Ambiente como o Direito do Urbanismo utilizam instrumentos jurídicos idênticos: 1. a avaliação ambiental de determinados planos e programas; 2. a avaliação de impacte ambiental dos projectos públicos e privados de carácter urbanístico; 3. os mecanismos de informação e de participação do público; e 4. os instrumentos de planeamento. Analisemos resumidamente, então, tais mecanismos.

A avaliação ambiental de determinados planos e programas foi criada para colmatar a insuficiência da avaliação de impacte ambiental (AIA) de que se falará adiante. Em poucas palavras pode dizer-se que este instrumento jurídico traduz uma antecipação da aplicação do princípio da prevenção uma vez que a análise e ponderação dos efeitos que um projecto poderá ter têm lugar logo quando se elabora o plano ou programa em que esse projecto é previsto e não apenas quando se decide concretizar um projecto. Estão, então, submetidos a avaliação ambiental os planos e programas mencionados nos Decretos-lei n.º 232/2007, de 15 de Junho (Avaliação Ambiental Estratégica – AAE) e n.º 140/99, de 24 de Abril, que transpõem assim na totalidade a Directiva n.º 2001/42/CE já mencionada anteriormente. Referir ainda que as entidades responsáveis pela averiguação da sujeição de um determinado plano ou programa a avaliação ambiental se encontram previstas no n.º 2 do artigo 3.º do decreto-lei que consagra a AAE. Reportando-nos agora especificamente ao Direito do Urbanismo, cumpre salientar que os planos territoriais sujeitos à AAE se encontram previstos no RJIGT e são eles – não sem especificidades de regime – os planos sectoriais (artigo 38.º RJIGT), os planos especiais de ordenamento do território (artigo 45.º, n.º2, al. b) RJIGT), os planos regionais de ordenamento do território (artigo 54.º, n.º 3 RJIGT), os planos intermunicipais de ordenamento do território (artigo 64.º, n.º 3 RJIGT) e, por fim, os planos municipais de ordenamento do território (artigos 86.º, n.º 2, al. c); 74.º, n.º 5; 89.º, n.º 2, al. b); e 92.º, n.º 2, al. b) todos do RJIGT)[4].
Em segundo lugar, a avaliação de impacte ambiental dos projectos de carácter urbanístico é regulada pelo Decreto-lei n.º 69/2000, de 3 de Maio que transpõe a Directiva n.º 85/337/CEE, do Conselho, de 27 de Junho (com alterações introduzidas por outras directivas comunitárias). Esta avaliação, e levando em linha de conta o que ficou já dito sobre a AAE, é expressão do princípio da prevenção já que tem como base a prevenção e denúncia dos riscos ambientais que determinada obra pode acarretar. O procedimento da AIA pode ser caracterizado como um sub-procedimento dos procedimentos de licenciamento ou de autorização dos projectos em causa. Muito importante é referir que o regime da AIA prevê um mecanismo de pós-avaliação que se baseia na monitorização do projecto, da responsabilidade do proponente e em auditorias, cuja realização e âmbito são determinados pela autoridade de AIA (veja-se a este respeito os artigos 27.º a 31.º do Decreto-lei n.º 69/2000 já referido).[5]
Por outro lado, os mecanismos de informação e de participação do público encontram-se disciplinados nas Leis n.º 19/2006, de 12 de Junho e n.º 83/95, de 31 de Agosto que regulam o direito ao acesso à informação ambiental e o direito à participação pública no domínio ambiental, respectivamente. Estes dois direitos encontram-se intimamente ligados já que só é possível assegurar uma participação efectiva da sociedade civil nas decisões públicas com relevância ambiental se os cidadãos estiverem devidamente informados. Deve ainda salientar-se que às organizações não governamentais de ambiente é conferido algum destaque, atribuindo-se-lhes um vasto leque de poderes na Lei n.º 35/98, de 18 de Julho, sendo que esta se aplica genericamente à participação pública nas decisões ambientais e nas decisões urbanísticas. Finalmente, estes direitos encontram-se também consagrados na LBPOTU e no RJIGT (vejam-se os artigos 21.º, n.º 2 LBPOTU e, v.g., 77.º, 83.º-A e 83.º-B RJIGT), encontrando ainda apoio constitucional no artigo 119.º, n.º 2 da Constituição que, para o que aqui nos interessa, impõe a publicidade dos planos.[6]
Por fim, os instrumentos de planeamento, os planos, “constituem uma espécie de instrumentos jurídicos comuns ao direito do urbanismo e ao direito do ambiente. Não temos aqui em vista todos e quaisquer planos territoriais – que contêm, também, entre os seus objectivos, a protecção do ambiente –, mas somente aqueles que, estando embora integrados na tipologia dos planos territoriais, definidos no RJIGT, desempenham, devido às suas características específicas, uma função primordial na salvaguarda de recursos e valores naturais e na protecção do ambiente.”[7] Ora, pelo que fica dito, só nos podemos estar a referir aos planos especiais de ordenamento do território e aos planos sectoriais do ambiente previstos no artigo 42.º, n.º 2 RJIGT e no Decreto-lei n.º 178/2006, de 5 de Setembro, respectivamente.



3. Conclusão

Retomando o que fica dito no ponto 1 deste comentário, deve agora, todavia, terminar-se dizendo com ALVES CORREIA que resulta da exposição anterior que há pilares de aproximação entre o Direito do Urbanismo e o Direito do Ambiente. Assim, são princípios fundamentais de ambas as disciplinas jurídicas: o princípio do desenvolvimento sustentável, o princípio da participação dos cidadãos no procedimento de elaboração dos planos urbanísticos e o princípio da integração dos objectivos ambientais nas políticas urbanísticas; havendo ainda princípios ambientais que se encontram implícitos na legislação urbanística portuguesa (vejam-se, por exemplo, os artigos 12.º, n.º 1 e 14.º, n.º 1 RJIGT).[8]
Diferentes, porém complementares.


Raquel Maia Arêde (N.º 17512)
4.º Ano, Subturma 3

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[1] AMADO GOMES, Carla, Direito do Património Cultural, Direito do Urbanismo, Direito do Ambiente: o que os une e o que os separa (in Separata da Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, volume 42, n.º 1 de 2001). Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 129-130.
[2] ALVES CORREIA, Fernando, A Avaliação Ambiental de Planos e Programas: Um Instituto de Reforço da Protecção do Ambiente no Direito do Urbanismo (in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Manuel Henrique Mesquita, volume I). Coimbra, 2009, p. 449.
[3] ALVES CORREIA, Fernando, A Avaliação Ambiental…, p. 449.
[4] ALVES CORREIA, Fernando, Manual de Direito do Urbanismo (volume I, 4.ª edição). Coimbra: Almedina, 2008, pp. 414-444.
[5] ALVES CORREIA, Fernando, Manual…, pp. 414-444.
[6] ALVES CORREIA, Fernando, A Avaliação Ambiental…, pp. 465-472.
[7] ALVES CORREIA, Fernando, A Avaliação Ambiental…, pp. 472.
[8] ALVES CORREIA, Fernando, A Avaliação Ambiental…, pp. 452-459.

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