terça-feira, 17 de maio de 2011

Planos de Gestão para as bacias hidrográficas

Bruxelas vai levar Portugal a tribunal por não ter apresentado planos para as bacias hidrográficas

06.04.2011
Helena Geraldes

In Público

Portugal ainda não adoptou, nem apresentou, os planos de gestão das bacias hidrográficas, considerados indispensáveis para cumprir a legislação europeia de qualidade da água. O prazo era até 22 de Dezembro de 2009. Por isso, a Comissão Europeia vai levar a questão a tribunal, foi hoje revelado por Bruxelas.
Além de Portugal, também a Bélgica, Dinamarca e Grécia serão levadas ao Tribunal de Justiça da União Europeia, por recomendação de Janez Potocnik, comissário responsável pelo Ambiente. Já em Outubro do ano passado, este responsável tinha decidido o envio de parecer fundamentado, instando Portugal e outros seis países a cumprirem a legislação.

Em comunicado, Bruxelas explica que o atraso dos planos “pode impedir que a água atinja a qualidade exigida”, nomeadamente, até 2015, conforme o objectivo traçado a nível europeu.

Cada Estado membro deverá publicar um plano de gestão para cada região hidrográfica – com as principais questões associadas a cada região e as medidas para atingir os objectivos de qualidade ambiental -, o mais tardar nove anos após a sua entrada em vigor da Directiva-Quadro da Água, de 2000. Antes, deve consultar o público e outras partes interessadas, processo que deveria ter sido iniciado até Dezembro de 2008.

De acordo com a nota da Comissão Europeia, Portugal deverá começar este ano as suas consultas públicas, “mas não está ainda definida a data de adopção dos planos”. Hoje, fonte do Ministério do Ambiente reagiu à notícia adiantando que os planos de gestão estão a ser ultimados para entrarem em discussão pública no último trimestre. “Este calendário foi apresentado à unidade técnica da Comissão Europeia responsável pela aplicação da Directiva-quadro da Água”, disse à agência Lusa o ministério.

Em Janeiro deste ano, uma auditoria do Tribunal de Contas, com base em dados de 2009, denunciou que as entidades responsáveis pela elaboração dos planos de bacia, as administrações de região hidrográfica (ARH), constituídas em 2008, "não dispõem de dimensão e pessoal técnico com as necessárias qualificações técnicas que lhes permitam exercer de forma autónoma as suas competências”.

A Dinamarca tenciona publicar os planos em Setembro de 2011, a Grécia não começou ainda as consultas púbicas e só publicará os planos em Março de 2012. Na Bélgica, as regiões de Bruxelas-Capital e da Valónia, que só começaram as consultas públicas em 2011, esperam publicar os planos em 2011 e 2012, respectivamente. Assim, os cidadãos destes países “continuam sem saber como será feita a gestão dos recursos hídricos das suas bacias hidrográficas”, lembra Bruxelas.

A Directiva-Quadro da Água obriga os Estados-Membros a proteger e recuperar todos os rios, lagos, canais e águas costeiras, “de modo a que se encontrem em bom estado o mais tardar em 2015, ou seja, que os vestígios de impacto do homem sejam reduzidos ao mínimo”.





A directiva 2000/60/CE, de 23 de Outubro de 2000, estabelece um quadro de acção comunitária no domínio da política da água. Esta surgiu na senda do reconhecimento de acções para evitar a deterioração a longo prazo da quantidade e qualidade das águas doces, bem como no seguimento do art. 174º do Tratado de Roma: esta protecção das águas deve basear-se nos princípios da precaução e da actuação preventiva, atingindo-se esta prevenção com acções dirigidas através dos dados científicos e técnicos disponíveis em cada momento. Deve assim caber aos Estados-Membros a elaboração de programas de medidas que sejam ajustados às condições existentes a nível regional ou local. Deste modo, no objectivo de conservar e melhorar a qualidade das águas nos países comunitários, deve existir uma estreita colaboração ao nível dos Estados-Membros e, igualmente, ao nível local.
O sucesso deste planeamento hidrográfico, a existir, terá sempre dois resultados: a diminuição gradual das emissões de substâncias perigosas para as águas e, consequentemente, a manutenção de uma boa qualidade da água, a qual assegurará o abastecimento das populações com água potável.
A água é, em princípio, um recurso natural renovável: aquilo que a esta directiva importa é, em primeiro lugar, a garantia da qualidade das águas, a qual se atingirá através da adopção de medidas de protecção referentes a cada bacia hidrográfica, de modo a poder ser coordenada a acção desenvolvida ao nível de cada sistema hidrológico.
Estes planos devem conter a análise das características das bacias hidrográficas e dos impactos da actividade humana, assim como uma análise económica da utilização da água. Concretamente, este planeamento deve incluir medidas que visem evitar ou reduzir o impacto da poluição acidental nas águas, assim como princípios que garantam a sustentabilidade ambiental dos sistemas hídricos, de modo a controlar a qualidade da água.
Nos termos do art. 13º da Directiva, os Estados-Membros devem garantir a elaboração de um plano de gestão de bacia hidrográfica, para cada região hidrográfica inteiramente situada no seu território. Estes planos devem incluir a informação especificada no anexo VII da directiva, devendo também ser respeitados os prazos previstos nos números 6 e 7 do referido artigo (os planos devem ser publicados até nove anos depois da entrada em vigor da directiva), devendo ser temporalmente avaliados e ajustados.
Ora, esta acção está intimamente ligada com os princípios da prevenção e do desenvolvimento sustentável, o que se atinge não só através da consciencialização (que aqui se pode encontrar através do contributo de cidadãos para a elaboração dos planos – art. 14º), bem como através da introdução nos ordenamentos jurídicos e administrativos que protegem o ambiente (onde se inserem estes planos de gestão). Isto é tanto mais óbvio quando se olha para o art. 174º nº2 do Tratado de Roma, onde se estabelece que a politica da comunidade se deve basear nos princípios da precaução e da acção preventiva.
É do conhecimento científico que, num futuro próximo, muito provavelmente se terão de enfrentar problemas de escassez de água para consumo, devido aos actuais níveis de utilização de água, bem como devido a efeitos derivados da poluição dos recursos naturais. Faz assim todo o sentido aplicar aqui o princípio da prevenção: devido a estas previsões negativas para um futuro que se avizinha próximo, os planos de gestão desempenham um papel que visa evitar mais lesões nos meios hidrográficos, através da antecipação de situações potencialmente perigosas, quer devido a causas naturais, quer devido à acção humana.
Resta analisar mais concretamente, o enquadramento de Portugal nesta temática. Sendo a Directiva datada de 2000, e devendo os planos de gestão ser apresentados num prazo de dez anos, o nosso país já excedeu em muito essa regra: conforme consta da noticia, o prazo para a apresentação terminava a 22 de Dezembro de 2009. No artigo 23º da directiva, dispõe-se que as sanções a aplicar em caso de incumprimento das regras da directiva devem ser estabelecidas pelos Estados-Membros, devendo estas ser sempre eficazes, proporcionais e dissuasoras. Entende-se assim a linha de acção da Comissão Europeia, que pretende levar a Tribunal esta questão.
Mas o problema não se esgota no incumprimento por parte de Portugal: além de nós, vários Estados-Membros também não cumpriram estas regras estabelecidas para a protecção das bacias hidrográficas. Ora, convém não esquecer que uma das metas da directiva era melhorar já a qualidade das águas até 2015, onde se actualizariam novamente os planos. No actual enquadramento, é possível de antever que em 2015, não só o objectivo de garantir uma boa qualidade de água a nível europeu não poderá ser oficialmente atingido, como também não existirão planos para a actualizar, casos os actuais países em falta persistam no incumprimento. Esta situação pode colocar em causa não só a verdadeira eficácia destas regras, como pode ainda de modo mais grave, colocar em causa a qualidade das águas ao nível comunitário.

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