sábado, 21 de maio de 2011

Acção Popular Administrativa vs Acção Popular Penal

Acção popular administrativa
A acção popular administrativa apresenta alguma tradição na legislação portuguesa já que o Código Administrativo de 1842 (art. 29ºº) previa uma forma de acção popular na disponibilidade de qualquer eleitor contra ilegalidades em matéria eleitoral, assim como em 1892 (Lei 6 de Agosto de 1892) o direito de reclamar, por via hierárquica ou junto dos tribunais, em defesa do "interesse público" contra deliberações administrativas. Veio, depois, este instituto a tomar corpo no Codigo Administrativo de 1936 (versão de 1940) através da acção popular supletiva pela qual visava manter, reivindicar e reaver bens ou direitos da autarquia local, quando hajam sido usurpados ou lesados (art. 369º) - sugerindo um carácter "subrogatório" - e a acção popular correctiva que consistia num recurso directo de anulação das decisões ilegais dos órgãos das autarquias (art. 822º).
No confronto com esta noção tradicional de acção popular, Colaço Antunes tende a considerar o instituto, agora regulamentado, de "acção popular especial" nos termos em que se desenhava nos projectos (em especial do Partido Socialista) e que, em grande medida, veio a ter acolhimento na LAP.
A este nível, a LAP veio regulamentar, especificamente e no seguimento do Código de Procedimento Administrativo (art. 53º, entre outros), a participação procedimental dos cidadãos, apesar de no art. 52º da CRP não se prever (nem vedar) o procedimento administrativo. No entanto, a via contenciosa também foi contemplada, podendo a acção popular ser decalcada nas várias vias processuais próprias deste contencioso, uma vez consideradas adequadas ao prosseguimento da defesa dos interesses em jogo, v.g. acção de reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido, etc., além de compreender ainda, de modo expresso, o recurso contencioso de actos administrativos ilegais que lesem os interesses previstos no art. 1º nº 2 da LAP.
E, embora tal consagração não importe uma "mais valia" qualitativa em matéria de participação procedimental, quer no que se refere a procedimentos planificatórios quer em matéria de impacto ambiental, a LAP introduz uma significativa inovação, face ao CPA, em matéria de procedimento de massas. De resto, nos termos do art. 11º da LAP, o Cód. de Procedimento Administrativo aparece como instrumento legislativo de aplicação subsidiária.
A verdade é que os procedimentos de massa constituem um campo operacional priviligiado para o tratamento dos interesses pluri-individuais, em especial os difusos. De facto, para tutela procedimental dos interesses potencialmente afectados, sobretudo quando os seus titulares estejam identificados, existiam já normas em diplomas avulsos, que complementavam ou particularizavam o CPA, em matéria de impacte ambiental ou de rede nacional de áreas protegidas ou de planos de ordenamento do território, etc., em que já se previa a "consulta pública" e "informação" relativamente a documentos em poder da Administração, bem como o "inquérito público".
Nesta sede, e na linha da doutrina germânica, operam, de modo peculiar, dois postulados: o da participação antecipada de cidadãos e associações na decisão (v.g. com a consagração do dever da Administração de prévia audiência na definição de planos); e o dever de ponderação dos interesses em causa por parte da Administração e consideração das sugestões apresentadas.
Trata-se, por isso, de dar eco aos desígnios consignados na formulação "justiça procedimental" nos termos da qual se reconhece o direito de toda e cada pessoa ser ouvida em matérias que lhe digam respeito.
Nesta perspectiva, introduz-se um novo ingrediente de democraticidade na tomada de decisões, com um reforço da legitimação destas e eventual "apport" de qualidade, bem como transparência na actuação da Administração e bem assim co-responsabilização dos cidadãos.
Acção popular penal
Em termos penais, a lei de acção popular (art. 25º) reconhece aos titulares da acção popular o direito de queixa ou participação criminal por violação dos interesses tutelados quando revista natureza criminal, bem como - e este será o aspecto decisivo - o direito de se constituirem assistentes no respectivo processo, ampliando, assim, o âmbito de legitimidade que resultava das normas processuais penais em matéria de queixa e constituição como assistente (art. 113º do CP; e art. 68º do CPP).
Pela formulação expressa, inflecte-se, de modo abrangente às situações em que estejam em causa os bens jurídicos aludidos (ambiente, saúde pública, etc.), a regra processual penal de reconhecer legitimidade apenas ao "ofendido", estendendo esta a todos os legitimados para a acção popular - qualquer cidadão, associações, fundações e autarquias locais, nos termos dos arts. 2º e 3º da LAP -, tornando-se, por esta via, verdadeiros sujeitos processuais com poderes para influenciar o destino processual da acção penal, mesmo perante a inércia processual do Mº Pº. Deste modo, reconhece-se à sociedade civil uma etapa da via jurisdicional para a prossecução de um dos fins das penas - a reafirmação contrafáctica das normas pela tutela das expectativas da comunidade (prevenção geral positiva ou de integração), quando o(s) cidadão(s) se reveja(m) na assunção da "defesa do ordenamento jurídico" como acto de cidadania.
Pena é que não se tenha reconhecido similar direito, mutatis mutandis, no foro contra-ordenacional, de extrema importância em matéria de interesses difusos, como já sucede v.g. ao nível das infracções anti-económicas, em que o art. 73º nº 3 do DL 28/84 de 20 de Janeiro admite a intervenção no processo contra-ordenacional das associações de consumidores, sugerindo a produção de diligências de prova e realização de exames, ou apresentando memoriais e parecers técnicos.
Em todo o caso, não se poderá falar de uma verdadeira "acção popular penal" - em face da tutela pública em matéria penal e das regras sobre dedução de acusação pelo assistente (art. 284º do CPP), atenta a natureza pública dos crimes nestas matérias - mas de uma nova e ampla legitimidade para impulso inicial e promoção do inquérito penal. De resto, as reservas que são feitas à acção popular no foro penal dizem respeito, em particular, à circunstância de, sob o ponto de vista ético-jurídico, não haver razões para reconhecer uma pretensão punitiva a quem se sinta ofendido ("nenhum direito subjectivo ao castigo do culpado"), quando estejam em causa crimes públicos, já que a acusação a que houvesse lugar não constituiria uma exteriorização da tutela pública mas antes de um interesse privado com o risco de se tornar num instrumento persecutório.
De registo ainda o facto de, em sede penal, já se reconhecer, a título excepcional, o direito de acção popular cujo exercício se encontra na disponibilidade de qualquer cidadão em casos como o da providência do habeas corpus (art. 31º da CRP); dos crimes de peculato e corrupção (art. 68º al. e do CPP); e, mais recentemente, em casos de crimes de índole xenófoba ou racista, com atribuição de tal direito às comunidades de imigrantes e associações de interesses em causa (Lei nº 20/96 de 6 de Julho).

1 comentário:

  1. Como é que se faz uma ação popular contra uma
    empresa fraudulenta, que vende cartões de
    desconto, e que no final não existe qualquer desconto. Não emite faturas da suposta prestaçao de serviços, que leva milhares de pessoas a tribunal só com o intuito de intimidar, para obter dinheiro fácil.

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